Deus teista
Segundo
a crença teísta clássica — o islamismo e o judaísmo clássicos, assim como a
crença cristã — primeiro de tudo há Deus, o ser principal do universo, que não
tem princípio nem fim. Mais importante: Deus é pessoal. Isto é, Deus é o tipo
de ser que tem consciência e está ciente, num certo sentido, do que o rodeia
(no caso de Deus, tudo). Segundo (mas não em importância), uma pessoa tem
amores e ódios, aspirações e desejos; aprova algumas coisas e desaprova outras;
quer que as coisas sejam de certo modo. Poderíamos exprimir esta ideia dizendo
que as pessoas têm afeições. Uma pessoa, em terceiro lugar, é um ser que tem
crenças e, se for afortunada, conhecimento. Os seres humanos, por exemplo,
acreditam numa enorme quantidade de coisas. De momento, acredito que estou a
escrever no meu computador, que acabei de tomar o café da manhã, que lá fora
está um dia claro e solarengo, que escalei recentemente uma montanha, que vivo
em Indiana, e assim por diante. Tenho também uma quantidade de crenças sobre
outras coisas mais distantes de mim: que Pequim é maior do que Chicago, que os
cientistas parecem crer que a mecânica quântica está fortemente confirmada, que
houve uma guerra entre os atenienses e os espartanos, que mesmo as formas de
vida mais simples são enormemente complexas, que há uma pessoa que é Deus, e
mil outras coisas. (...)
Em
primeiro lugar, pois, Deus é uma pessoa. Porém, em segundo lugar, e ao
contrário das pessoas humanas, Deus é uma pessoa sem corpo. Ele age, e atua no
mundo, tal como os seres humanos; mas, ao contrário destes, não por meio de um
corpo. Ao invés, Deus atua apenas pelo querer: ele quer que as coisas sejam de
certa maneira, e elas são dessa maneira. (Disse Deus: Haja Luz. E houve luz.)
Você e eu podemos mover os nossos membros querendo-o apenas; mas querendo-o
apenas não conseguimos fazer o Lago Michigan aquecer dez graus, nem fazer o Sol
ficar agradável no topo do Monte Rainier. Deus não está sujeito a tais
limitações; seja o que for que ele quer, tem necessariamente de ocorrer. Deus é
todo-poderoso (‘omnipotente’). Claro que não pode causar algo que seja
logicamente impossível. Não pode fazer existir um solteirão casado, nem que 7 +
5 = 14. E também não pode fazer uma pessoa agir de uma maneira ou outra
livremente; se Deus me fizer agir de um dado modo, então não ajo livremente.
Assim, Deus pode agir, e nós podemos agir, mas Deus pode agir de modos que nós
não podemos.
Algo
semelhante ocorre com o conhecimento: os seres humanos sabem umas poucas coisas
(talvez menos do que comummente pensamos), mas há muito que nos escapa. Uma vez
mais, isso não ocorre com Deus: dado ser sumamente sábio (‘omnisciente’), tal
como todo-poderoso, ele sabe rigorosamente tudo o que pode ser conhecido. Claro
que há disputas nesta área. Os teístas discutem se Deus sabe o futuro; também
discutem se, ainda que ele saiba muito sobre o futuro, sabe o que os seres
livres irão de fato fazer. (...) A ideia básica é que Deus sabe seja o que for
que pode ser conhecido, mesmo que não seja claro, em todos os casos,
precisamente o que pode ser conhecido. Além disso, Deus é perfeitamente bom. Os
seres humanos são uma mistura de bondade e maldade; há maldade nos melhores de
nós e bondade nos piores. No caso de Deus, não é assim: não há nele qualquer
maldade, nele nada há de mau. É claro que é esta combinação de perfeita bondade
com a omnipotência e a omnisciência que conduz ao problema tradicional do mal:
não é fácil ver por que haveria tanto sofrimento e mal num mundo criado por um
Deus sumamente sábio, todo-poderoso e perfeitamente bom. (...)
A
maioria da população do mundo subscreve e aceita alguma forma de teísmo.
Porquê? Por que acreditam que há uma pessoa como Deus, que é todo-poderoso,
sumamente sábio, totalmente bom e que criou o mundo? Como pensam que sabem
estas coisas? Como sabem que há uma pessoa como Deus? Como sabem que ele é
todo-poderoso, sumamente sábio e totalmente bom? Como sabem que criou o mundo?
Alvin Plantinga, Conhecimento de Deus,
2014, ed. Vida Nova
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