quinta-feira, 14 de maio de 2020

Deus teista




Deus teista

Segundo a crença teísta clássica — o islamismo e o judaísmo clássicos, assim como a crença cristã — primeiro de tudo há Deus, o ser principal do universo, que não tem princípio nem fim. Mais importante: Deus é pessoal. Isto é, Deus é o tipo de ser que tem consciência e está ciente, num certo sentido, do que o rodeia (no caso de Deus, tudo). Segundo (mas não em importância), uma pessoa tem amores e ódios, aspirações e desejos; aprova algumas coisas e desaprova outras; quer que as coisas sejam de certo modo. Poderíamos exprimir esta ideia dizendo que as pessoas têm afeições. Uma pessoa, em terceiro lugar, é um ser que tem crenças e, se for afortunada, conhecimento. Os seres humanos, por exemplo, acreditam numa enorme quantidade de coisas. De momento, acredito que estou a escrever no meu computador, que acabei de tomar o café da manhã, que lá fora está um dia claro e solarengo, que escalei recentemente uma montanha, que vivo em Indiana, e assim por diante. Tenho também uma quantidade de crenças sobre outras coisas mais distantes de mim: que Pequim é maior do que Chicago, que os cientistas parecem crer que a mecânica quântica está fortemente confirmada, que houve uma guerra entre os atenienses e os espartanos, que mesmo as formas de vida mais simples são enormemente complexas, que há uma pessoa que é Deus, e mil outras coisas. (...)
Em primeiro lugar, pois, Deus é uma pessoa. Porém, em segundo lugar, e ao contrário das pessoas humanas, Deus é uma pessoa sem corpo. Ele age, e atua no mundo, tal como os seres humanos; mas, ao contrário destes, não por meio de um corpo. Ao invés, Deus atua apenas pelo querer: ele quer que as coisas sejam de certa maneira, e elas são dessa maneira. (Disse Deus: Haja Luz. E houve luz.) Você e eu podemos mover os nossos membros querendo-o apenas; mas querendo-o apenas não conseguimos fazer o Lago Michigan aquecer dez graus, nem fazer o Sol ficar agradável no topo do Monte Rainier. Deus não está sujeito a tais limitações; seja o que for que ele quer, tem necessariamente de ocorrer. Deus é todo-poderoso (‘omnipotente’). Claro que não pode causar algo que seja logicamente impossível. Não pode fazer existir um solteirão casado, nem que 7 + 5 = 14. E também não pode fazer uma pessoa agir de uma maneira ou outra livremente; se Deus me fizer agir de um dado modo, então não ajo livremente. Assim, Deus pode agir, e nós podemos agir, mas Deus pode agir de modos que nós não podemos.
Algo semelhante ocorre com o conhecimento: os seres humanos sabem umas poucas coisas (talvez menos do que comummente pensamos), mas há muito que nos escapa. Uma vez mais, isso não ocorre com Deus: dado ser sumamente sábio (‘omnisciente’), tal como todo-poderoso, ele sabe rigorosamente tudo o que pode ser conhecido. Claro que há disputas nesta área. Os teístas discutem se Deus sabe o futuro; também discutem se, ainda que ele saiba muito sobre o futuro, sabe o que os seres livres irão de fato fazer. (...) A ideia básica é que Deus sabe seja o que for que pode ser conhecido, mesmo que não seja claro, em todos os casos, precisamente o que pode ser conhecido. Além disso, Deus é perfeitamente bom. Os seres humanos são uma mistura de bondade e maldade; há maldade nos melhores de nós e bondade nos piores. No caso de Deus, não é assim: não há nele qualquer maldade, nele nada há de mau. É claro que é esta combinação de perfeita bondade com a omnipotência e a omnisciência que conduz ao problema tradicional do mal: não é fácil ver por que haveria tanto sofrimento e mal num mundo criado por um Deus sumamente sábio, todo-poderoso e perfeitamente bom. (...)
A maioria da população do mundo subscreve e aceita alguma forma de teísmo. Porquê? Por que acreditam que há uma pessoa como Deus, que é todo-poderoso, sumamente sábio, totalmente bom e que criou o mundo? Como pensam que sabem estas coisas? Como sabem que há uma pessoa como Deus? Como sabem que ele é todo-poderoso, sumamente sábio e totalmente bom? Como sabem que criou o mundo?

Alvin Plantinga, Conhecimento de Deus, 
2014, ed. Vida Nova



                                                Lola

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