segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Descartes: Deus



Descartes: Deus


TEXTO A


"Depois, tendo refletido que duvidava, e, por consequência, o meu ser não era inteiramente perfeito, pois claramente via que o conhecer é uma maior perfeição que o duvidar, lembrei-me de procurar donde me teria vindo o pensamento de alguma cousa de mais perfeito do que eu era; e conheci com evidência que deveria ter vindo de alguma natureza que fosse efetivamente mais perfeita.

Não me era difícil saber donde me teriam vindo os pensamentos que tinha de muitas outras cousas exteriores a mim, como do céu, da terra, da luz, do calor e de muitas outras, por­que, não notando neles nada de superior a mim, podia admitir que, caso fossem verdadeiros, dependiam da minha natureza, do que ela tem de perfeito; e no caso de serem falsos era de mim ainda que dependeriam, vindos do nada, isto é, do que de imperfeito existe na minha natureza. Mas o mesmo não acontecia já com a ideia dum ser mais perfeito do que o meu; porque tê-la formado do nada era manifestamente impossível; e, porque não repugna menos admitir que o mais perfeito seja uma consequência e uma dependência do menos perfeito do que admitir que do nada alguma cousa proceda, não podia também aceitar que tivesse sido criada por mim próprio. De maneira que restava apenas admitir que tivesse sido posta em mim por um ser cuja natureza fosse verdadeiramente mais perfeita do que a minha, e que mesmo tivesse em si todas as perfeições que eu poderia idealizar, isto é, que fosse Deus, para tudo dizer numa palavra. ­
A isso acrescentei que, visto conhecer algumas perfeições que não possuía, não era o único ser que existia (empregarei aqui, se o consentirdes, alguns termos de escolástica), mas que necessariamente devia existir algum outro mais perfeito, do qual dependesse e de quem tivesse recebido tudo o que possuía. Porque, se eu fosse o único ser, independente de qualquer outro, e de mim próprio tivesse recebido todo esse pouco pelo qual participava do ser perfeito, teria podido dar a mim próprio, pela mesma razão, todo o muito que reconhecia faltar-me, e ser dessa maneira eu próprio infinito, imutável, omnisciente, omnipotente, em suma ter todas as perfeições que atribuía a Deus.


- Que percurso faz Descartes da dúvida a Deus?
- Que características possui Deus e que faltam a Descartes?


TEXTO B

[…]
Depois disso, quis ainda pensar outras verdades, e, tomando por tema a matéria dos geómetras, a qual concebia como um corpo contínuo, ou, um espaço indefinidamente extenso em comprimento, largura e altura ou profundidade, divisível em muitas partes, que podem ter diversas formas e grandezas, pois os geómetras supõem tudo isto na sua matéria, revi algu­mas das suas demonstrações mais simples. E, tendo notado que essa grande certeza, que todos lhes atribuem, se funda apenas em serem compreendidas com evidência, segundo a regra por mim há pouco indicada, notei também que nada existia nelas que me garantisse a existência dos objetos a que se referem.

Porque, por exemplo, eu compreendia bem que sendo dado um triângulo, é necessário que os seus três ângulos sejam iguais a dois ângulos rectos; mas, apesar disso, nada via que me garan­tisse que no mundo existe qualquer triângulo. Ao passo que, voltando a examinar a ideia dum ser perfeito, notava que a existência está contida nessa ideia, do mesmo modo, ou mais evidentemente ainda, que na dum triângulo está compreendido serem os seus três ângulos iguais a dois rectos, ou na esfera serem todos os seus pontos equidistantes do centro; e que, por conseguinte, é pelo menos tão certo como qualquer demons­tração de geometria que Deus, que é esse ser perfeito, é ou existe".

                                            Descartes, Discurso do Método, 
Sá da Costa

- Identifique e explique a analogia feia no texto, por Descartes.


TEXTO C

“Assim, dado que temos em nós a ideia de Deus ou do ser supremo, com razão podemos examinar a causa por que a temos; e encontraremos nela tanta imensidade que por isso nos certificamos absolutamente de que ela só pode ter sido posta em nós por um ser em que exista efectivamente a plenitude de todas as perfeições, ou seja, por um Deus realmente existente. Com efeito, pela luz natural é evidente não só que do nada nada se faz, mas também que não se produz o que é mais perfeito pelo que é menos perfeito, como causa eficiente e total; e, ainda, que não pode haver em nós a ideia ou imagem de alguma coisa da qual não exista algures, seja em nós, seja fora de nós, algum arquétipo que contenha a coisa e todas as suas perfeições. E porque de modo nenhum encontramos em nós aquelas supremas perfeições cuja ideia possuímos, disso concluímos correctamente que elas existem, ou certamente existiram alguma vez, em algum ser diferente de nós, a saber, em Deus; do que se segue com total evidência que elas ainda existem.” 

Descartes, Princípios da Filosofia

- De onde vem a ideia de ser perfeito?


TEXTO D

"Mas desde que reconheci que existe um Deus, ao mesmo tempo compreendi também que tudo o resto depende dele e que ele não é enganador, e daí concluí que tudo o que concebo clara e distintamente é necessariamente verdadeiro, mesmo que não atente nas razões pelas quais julguei que isso era verdadeiro, mas apenas me recorde de o ter visto clara e distintamente.  

Por conseguinte, não se pode alegar em contrário nenhuma razão que me leve a duvidar, mas tenho disso ciência verdadeira e certa. Ciência certa e verdadeira, não apenas disso, mas também de todas as outras coisas que me recordo de alguma vez ter demonstrado, como as da geometria e semelhantes. Então, o que se me pode agora objetar? Talvez que sou feito de tal modo que muitas vezes me engano? Mas já sei que não me posso enganar daquilo que concebo com evidência. Talvez que tivesse como verdadeiras e certas muitas outras coisas, que depois depreendi serem falsas? Mas eu não depreendera clara e distintamente nenhuma delas, pois, ignorante desta regra da verdade, acreditara-as talvez por outras causas que depois descobri serem menos firmes. O que se me dirá ainda? Que possivelmente sonho, ou que todas as coisas que agora penso não são mais verdadeiras do que as que me ocorrem quando durmo? Ainda assim, isto não altera nada, porque, seguramente, mesmo que eu sonhasse, se alguma coisa é evidente ao meu espírito, é absolutamente verdadeira. 

E assim vejo perfeitamente que a certeza e a verdade de toda a ciência dependem unicamente do conhecimento de Deus verdadeiro, a tal ponto que, antes de o conhecer, eu não podia saber nada, de modo perfeito, de qualquer outra coisa. Porém, agora podem ser perfeitamente conhecidas e certas, para mim, inúmeras coisas, quer do próprio Deus e das coisas intelectuais, quer também de toda a natureza corpórea, que é o objeto da matemática pura.

                                             

Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira


 - Qual a importância de Deus na Filosofia de Descartes?


TEXTO E 

" Há, contudo, uma ideia que se pode provar ter origem no exterior da mente do próprio Descartes. (...) As perfeições reunidas na sua ideia de Deus são tão superiores a tudo o que Descartes pode encontrar em si mesmo que tal ideia não pode ser criação sua.  Mas a causa de uma ideia não deve ser menos real do que a ideia ela mesma. por consequência , Descartes pode concluir que não está só no Universo: existe também na realidade um Deus que corresponde à sua ideia. Deus, ele próprio é fonte dessa ideia, tendo-a inculcado em Descartes à nascença (...). Assim, Deus é a primeira entidade fora da sua própria mente que Descartes reconhece. E Deus tem um papel essencial na reconstrução subsequente do edifício das ciências. Porque Deus não tem qualquer defeito, argumenta Descartes, não pode ser enganador, porque o dolo ou o engano dependem sempre de algum defeito da parte de quem engana. O princípio de que Deus não é enganador é o fio condutor que permite a Descartes fazer-nos sair do labirinto do ceticismo."


A Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental, 

vol.3,Gradiva, 2011, pp. 137, 138


Nota: O sublinhado é nosso



Lola


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