Teoria Histórica de Levinson
A
essência da arte reside no seu carácter histórico ou retrospectivo. A Teoria
Histórica apresenta uma definição real de arte que é simultaneamente
processualista e relacional.
Levinson
defende assim que a natureza da arte reside em propriedades não manifestas
associadas ao modo como se processa a sua criação e que estas podem ser
entendidas como separadamente necessárias e conjuntamente suficientes para
haver arte em qualquer circunstância possível.
Segundo
Levinson, a arte é necessariamente retrospectiva, uma vez que a criação
artística estabelece uma relação apropriada com a actividade e o pensamento
humanos que se traduziram na história efectiva da arte. É essa relação que
determina aquilo que a arte é, o seu carácter ontológico, e explica a unidade
da arte através do tempo.
A definição histórica de arte é
formulada por Levinson do seguinte modo: X é uma obra de arte se, e só se, X é
um objecto acerca do qual uma pessoa ou pessoas, possuindo a propriedade
apropriada sobre X, têm a intenção não-passageira de que este seja
perspectivado-como-uma-obra- -de-arte, i.e., perspectivado de qualquer modo (ou
modos) como foram ou são perspectivadas correctamente (ou padronizadamente)
obras de arte anteriores. A definição histórica indica condições
necessárias e suficientes para haver arte, aplicando-se assim – acredita
Levinson – a toda a arte possível. Fornece ainda um critério de identificação
que permite distinguir as obras de arte dos meros objectos comuns que não são
arte. Para que possamos avaliá-la convenientemente, consideremos cada uma das
condições apontadas. A primeira
condição é a do direito de propriedade: o artista não pode transformar em
arte objectos que não lhe pertençam ou em relação aos quais não esteja
devidamente autorizado a agir pelos seus proprietários. Com esta
condição Levinson reduz substancialmente o universo de possibilidades da
criação artística e afasta-se definitivamente da imagem caricatural do artista
que faz arte através da mera nomeação de um qualquer A Questão da Natureza da
Arte 87 objecto que passa então a usufruir do estatuto de obra de arte. A
oposição à teoria Institucional de Dickie é uma presença declarada na proposta
Histórica, e este é um dos pontos que a tornam mais evidente.
A segunda condição é a existência de um
certo tipo de intenção que relaciona a arte do presente com a arte do passado.
Ter uma intenção, neste caso, é ter um propósito ou uma finalidade em mente, e
desenvolver uma acção para o atingir. Esta pode consistir em fazer, apropriar-se
ou conceber algo. A teoria é, pois, um caso de internalismo
histórico, uma vez que supõe que a relação entre o passado e o presente não se
faz através de características das próprias obras, mas sim das intenções do
artista. Embora possamos não ter acesso às intenções do artista, que são,
obviamente, estados psicológicos, é possível conhecê-las através de pistas,
como o contexto de criação, o género a que a obra pertence, etc. Inferimos as
intenções do artista através de aspectos concretos da obra porque a obra, ela
própria, não é mental.
Segundo
Levinson existem três tipos de intenções que podem dar origem a
obras de arte.
- Num primeiro caso, o artista não tem em consideração as obras de arte em concreto, mas apenas as visões de que elas foram alvo. Relaciona a nova obra com perspectivas que casualmente já foram as das obras de arte do passado, sem ter em atenção a história da arte efectiva e podendo mesmo desconhecer essa história.
- Para além deste, existem dois outros tipos de intenções artísticas, ambos
dependentes do conhecimento da história da arte que o artista possa ter. Um
deles diz respeito à pretensão de que a nova obra seja perspectivada como
genericamente o foram as obras de arte do passado, sem fazer, contudo,
referência a quaisquer períodos, correntes ou obras em concreto.
- Por
fim, o artista pode pretender que um objecto seja perspectivado como o foi uma
certa obra ou classe de obras. Quer o artista tenha em mente uma perspectiva
artística concreta quer não, ela não poderá ser transitória, mas sim
persistente ou estável. Impede-se assim que a arte seja fruto de caprichos
passageiros ou de ímpetos momentâneos. O criador de objectos de arte pretende
que estes sejam perspectivados (vistos, abordados, considerados ou tratados)
como obras de arte, ou mais especificamente, sejam perspectivados como o foram
correctamente as obras de arte do passado.
Só
se transforma numa obra de arte um objecto que se pretenda que seja
perspectivado como correctamente (ou padronizadamente) o foram as obras do
passado.
A
perspectiva correcta inclui as seguintes considerações:
(1)
como o artista pretendia que a sua obra fosse vista;
(2)
que forma de ver a obra é mais satisfatória;
(3)
os tipos de visão de que beneficiaram objectos semelhantes;
(4)
que forma de ver a obra é a melhor para realizar os fins que o artista teve em
vista em conexão com a apreciação;
(5)
que tipo de visão da obra contribui para a imagem mais
satisfatória ou coerente do lugar da obra no desenvolvimento da arte. Uma tal
perspectiva deve contemplar não um modo de olhar para as obras de arte, mas um
agregado de modos de ver, uma visão global que inclua as várias formas de
tratamento de que foram alvo obras de arte do passado. Apesar da sua
popularidade, a teoria Histórica enfrenta alguns problemas que fazem com que a
sua credibilidade no debate acerca da natureza da arte tenha enfraquecido.
Consideremos
de seguida algumas das objecções que lhe podem ser dirigidas.
1. O
direito de propriedade não pode ser apontado como uma condição necessária
para haver arte. Podemos imaginar contra-exemplos que mostram o contrário do
que a teoria propõe.
Se
soubéssemos hoje que Boticelli ou Da Vinci tinham roubado os materiais com que
criaram as suas obras, estaríamos dispostos a rever o estatuto de obras de arte
atribuído a obras como O Nascimento de Vénus ou A Virgem e o Menino com Santa
Ana? Certamente que não.
2. A
condição da intencionalidade não é necessária para haver arte. O
melhor contra-exemplo é fornecido por Kafka. Os manuscritos de O Processo e O
Castelo deveriam ter sido destruídos a pedido do autor aquando da sua morte.
Contudo, as obras foram publicadas e ninguém questiona a sua artisticidade
enquanto obras literárias, apesar do autor ter formulado exactamente a intenção
contrária àquele que Levinson supõe ser necessária para haver arte.
3. Levinson deixa por resolver o problema da indefinição do estatuto das obras primordiais e das obras primitivas que se lhe seguiram. Se toda a arte, para o ser, tem de relacionar-se com a sua história, as obras primordiais não podem ser arte porque antes delas não há arte. Mas se não o são, como podem as obras seguintes – a arte primitiva – ser arte? Uma resposta possível, que Levinson chega a adiantar, é a de que as obras primordiais são arte por um processo diferente, eventualmente por estipulação, e não através de uma relação intencional que se dirija ao passado. Mas se assim for, a definição Histórica deixa de poder ser classificada como uma definição real, uma vez que deixa de poder aplicar-se a toda a arte possível.
4. A teoria Histórica deixa também por
resolver a questão de saber o que muda exactamente no objecto aquando da sua
transformação em obra de arte. Levinson afirma que passa a existir uma relação
entre o objecto e a história da arte, mas deixa por explicar o que é em si
mesma uma obra de arte. Embora possa explicar como é criada uma obra de arte,
qual a sua origem, deixa sem resposta a questão ontológica.
Paula Mateus (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa)
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24224/1/Paulo%20Mateus.pdf
Lola
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