sábado, 23 de abril de 2022

Teoria Histórica de Levinson





Teoria Histórica de Levinson 


A essência da arte reside no seu carácter histórico ou retrospectivo. A Teoria Histórica apresenta uma definição real de arte que é simultaneamente processualista e relacional.

Levinson defende assim que a natureza da arte reside em propriedades não manifestas associadas ao modo como se processa a sua criação e que estas podem ser entendidas como separadamente necessárias e conjuntamente suficientes para haver arte em qualquer circunstância possível.

Segundo Levinson, a arte é necessariamente retrospectiva, uma vez que a criação artística estabelece uma relação apropriada com a actividade e o pensamento humanos que se traduziram na história efectiva da arte. É essa relação que determina aquilo que a arte é, o seu carácter ontológico, e explica a unidade da arte através do tempo.

A definição histórica de arte é formulada por Levinson do seguinte modo: X é uma obra de arte se, e só se, X é um objecto acerca do qual uma pessoa ou pessoas, possuindo a propriedade apropriada sobre X, têm a intenção não-passageira de que este seja perspectivado-como-uma-obra- -de-arte, i.e., perspectivado de qualquer modo (ou modos) como foram ou são perspectivadas correctamente (ou padronizadamente) obras de arte anteriores. A definição histórica indica condições necessárias e suficientes para haver arte, aplicando-se assim – acredita Levinson – a toda a arte possível. Fornece ainda um critério de identificação que permite distinguir as obras de arte dos meros objectos comuns que não são arte. Para que possamos avaliá-la convenientemente, consideremos cada uma das condições apontadas. A primeira condição é a do direito de propriedade: o artista não pode transformar em arte objectos que não lhe pertençam ou em relação aos quais não esteja devidamente autorizado a agir pelos seus proprietários. Com esta condição Levinson reduz substancialmente o universo de possibilidades da criação artística e afasta-se definitivamente da imagem caricatural do artista que faz arte através da mera nomeação de um qualquer A Questão da Natureza da Arte 87 objecto que passa então a usufruir do estatuto de obra de arte. A oposição à teoria Institucional de Dickie é uma presença declarada na proposta Histórica, e este é um dos pontos que a tornam mais evidente.

A segunda condição é a existência de um certo tipo de intenção que relaciona a arte do presente com a arte do passado. Ter uma intenção, neste caso, é ter um propósito ou uma finalidade em mente, e desenvolver uma acção para o atingir. Esta pode consistir em fazer, apropriar-se ou conceber algo. A teoria é, pois, um caso de internalismo histórico, uma vez que supõe que a relação entre o passado e o presente não se faz através de características das próprias obras, mas sim das intenções do artista. Embora possamos não ter acesso às intenções do artista, que são, obviamente, estados psicológicos, é possível conhecê-las através de pistas, como o contexto de criação, o género a que a obra pertence, etc. Inferimos as intenções do artista através de aspectos concretos da obra porque a obra, ela própria, não é mental.

Segundo Levinson existem três tipos de intenções que podem dar origem a obras de arte.

- Num primeiro caso, o artista não tem em consideração as obras de arte em concreto, mas apenas as visões de que elas foram alvo. Relaciona a nova obra com perspectivas que casualmente já foram as das obras de arte do passado, sem ter em atenção a história da arte efectiva e podendo mesmo desconhecer essa história. 

- Para além deste, existem dois outros tipos de intenções artísticas, ambos dependentes do conhecimento da história da arte que o artista possa ter. Um deles diz respeito à pretensão de que a nova obra seja perspectivada como genericamente o foram as obras de arte do passado, sem fazer, contudo, referência a quaisquer períodos, correntes ou obras em concreto.

- Por fim, o artista pode pretender que um objecto seja perspectivado como o foi uma certa obra ou classe de obras. Quer o artista tenha em mente uma perspectiva artística concreta quer não, ela não poderá ser transitória, mas sim persistente ou estável. Impede-se assim que a arte seja fruto de caprichos passageiros ou de ímpetos momentâneos. O criador de objectos de arte pretende que estes sejam perspectivados (vistos, abordados, considerados ou tratados) como obras de arte, ou mais especificamente, sejam perspectivados como o foram correctamente as obras de arte do passado.

Só se transforma numa obra de arte um objecto que se pretenda que seja perspectivado como correctamente (ou padronizadamente) o foram as obras do passado.

A perspectiva correcta inclui as seguintes considerações:

(1) como o artista pretendia que a sua obra fosse vista;

(2) que forma de ver a obra é mais satisfatória;

(3) os tipos de visão de que beneficiaram objectos semelhantes;

(4) que forma de ver a obra é a melhor para realizar os fins que o artista teve em vista em conexão com a apreciação;

(5) que tipo de visão da obra contribui para a imagem mais satisfatória ou coerente do lugar da obra no desenvolvimento da arte. Uma tal perspectiva deve contemplar não um modo de olhar para as obras de arte, mas um agregado de modos de ver, uma visão global que inclua as várias formas de tratamento de que foram alvo obras de arte do passado. Apesar da sua popularidade, a teoria Histórica enfrenta alguns problemas que fazem com que a sua credibilidade no debate acerca da natureza da arte tenha enfraquecido.

Consideremos de seguida algumas das objecções que lhe podem ser dirigidas.

1. O direito de propriedade não pode ser apontado como uma condição necessária para haver arte. Podemos imaginar contra-exemplos que mostram o contrário do que a teoria propõe.

Se soubéssemos hoje que Boticelli ou Da Vinci tinham roubado os materiais com que criaram as suas obras, estaríamos dispostos a rever o estatuto de obras de arte atribuído a obras como O Nascimento de Vénus ou A Virgem e o Menino com Santa Ana? Certamente que não.

2. A condição da intencionalidade não é necessária para haver arte. O melhor contra-exemplo é fornecido por Kafka. Os manuscritos de O Processo e O Castelo deveriam ter sido destruídos a pedido do autor aquando da sua morte. Contudo, as obras foram publicadas e ninguém questiona a sua artisticidade enquanto obras literárias, apesar do autor ter formulado exactamente a intenção contrária àquele que Levinson supõe ser necessária para haver arte.

3. Levinson deixa por resolver o problema da indefinição do estatuto das obras primordiais e das obras primitivas que se lhe seguiram. Se toda a arte, para o ser, tem de relacionar-se com a sua história, as obras primordiais não podem ser arte porque antes delas não há arte. Mas se não o são, como podem as obras seguintes – a arte primitiva – ser arte? Uma resposta possível, que Levinson chega a adiantar, é a de que as obras primordiais são arte por um processo diferente, eventualmente por estipulação, e não através de uma relação intencional que se dirija ao passado. Mas se assim for, a definição Histórica deixa de poder ser classificada como uma definição real, uma vez que deixa de poder aplicar-se a toda a arte possível. 

4. A teoria Histórica deixa também por resolver a questão de saber o que muda exactamente no objecto aquando da sua transformação em obra de arte. Levinson afirma que passa a existir uma relação entre o objecto e a história da arte, mas deixa por explicar o que é em si mesma uma obra de arte. Embora possa explicar como é criada uma obra de arte, qual a sua origem, deixa sem resposta a questão ontológica.

 

Paula Mateus (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa)

https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24224/1/Paulo%20Mateus.pdf

 (adaptado)

(O sublinhado é nosso)

 


Lola

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