Filosofia da Religião - Síntese
1. O que é a Filosofia da Religião?
A filosofia da religião é uma área da filosofia que,
através de processos estritamente racionais, investiga as crenças religiosas mais
fundamentais, com o objectivo de determinar se são ou não justificadas.
2. A Filosofia da Religião não é:
História das religiões (A Filosofia não se reduz à história)
Teologia (nesta já se parte de um conjunto de doutrinas que não se colocam em
causa, como por exemplo: a existência de Deus, a encarnação, a ressurreição).
A filosofia da Religião questiona: Será
que há boas razões para aceitar a existência de Deus?
3. A Filosofia da
Religião pretende:
- O exame critico das crenças e dos conceitos
religiosos fundamentais
- Pensar filosoficamente sobre tópicos que surgem,
relativamente à religião.
4. O que é que a Filosofia
da Religião examina criticamente?
1. Conceitos religiosos
fundamentais como:
Conceito de Deus
Conceito de fé
Noção de milagre
Ideia de omnipotência
A (in) compatibilidade entre a existência do Mal e o amor de Deus pelas
criaturas
2. Crenças religiosas fundamentais:
- Crença de que Deus existe
- Que há vida depois da morte
- Que Deus sabe, mesmo antes de nascermos, o que vamos fazer
- Que a existência do mal é consistente com o amor de Deus pelas suas
criaturas.
No exame critico deverá
ter-se como ideal uma argumentação que seja válida, sólida e cogente!
5. O conceito TEISTA de
Deus.
"Teismo é a tese de que há uma pessoa sem um
corpo (um espirito) que é eterno, livr, capaz de fazer qualquer coisa, conhecer
tudo, é perfeitamente bom, é o objecto apropriado de adoração humana e
obediência, o criador e o sustento do universo. Cristãos, judeus e muçulmanos
são todos, neste sentido, teistas".
Richard Swinburne (1993)
A que se referem as
principais religiões como o judaísmo, cristianismo e islamismo, quando falam de
Deus?
Quando estas falam de
Deus estão a referir-se ao Deus Teista que é um Deus com os seguintes
predicados:
Omnipotente (pode fazer tudo)
Omnisciente (sabe tudo)
Sumamente bom (moralmente perfeito)
Criador
Pessoa (e não uma força da natureza).
Tanto o cristianismo, o judaísmo e o islamismo defendem a existência deste Deus teísta com estes
predicados, ainda que lhe deem nomes diferentes.
6. A concepção teista de
Deus distingue-se de outras, nomeadamente:
- Deismo (Deus é o criador mas
não intervém nem se importa com a criação);
- Panteismo (Deus não é
distinto do mundo)
Mas será que o Deus
Teista Existe?
Quais os argumentos?
Que falácias a favor e
contra a existência de Deus?
7. Quais os principais
argumentos acerca da existência de Deus?
A. Argumento Cosmológico
(da causa primeira ou causal) - S. Tomás de Aquino
- Parte da observação que tudo que existe tem uma causa
- Baseia-se em alguma informação acerca do modo como o mundo é
- começa-se com factos simples acerca do mundo, como o facto de nele
haver coisas cuja existência é causada por outras coisas e daí concluir que tem
de haver uma primeira causa, ou seja, Deus
- É um argumento a posteriori
Formulação:
1. Existem coisas no mundo
2. Se existem coisas no mundo, então tais coisas foram
causadas a existir por alguma outra coisa
3. Se as coisas do mundo foram causadas a existir por
alguma outra coisa, então ou há uma cadeia causal que regride infinitamente ou
há apenas uma primeira causa que é a origem da cadeia causal
4. Mas não há uma cadeia causal que regride infinitamente
5. Logo, há apenas uma primeira causa (a que chamamos
Deus) que é a origem da cadeia causal.
Objecções:
Falácia do Falso Dilema- Na premissa 3 há um falso dilema na medida em que apresenta apenas duas opções para explicar as coisas que existem no mundo quando podemos pensar em mais possibilidades, por exemplo, a opção de existirem primeiras várias causas diferentes e, deste modo, a conclusao não poderia ser a de que há apenas uma causa primeira. Porque é que a existencia de várias causas não é plausivel?
Poderá haver uma cadeia causal infinita - Em relação à premissa 4, poderemos dizer que S. Tomás de Aquino argumenta que se não existe uma primeira causa, também não existe qualquer cadeia causal e nada existiria, ou seja, deixaria de haver tudo o que é causado por essa causa primeira. Por isso, conclui que as cadeias causais não podem regredir infinitamente, como se lê na premissa 4. Porém há aqui um problema que é o da definição pois uma cadeia causal que regride infinitamente não tem uma primeira causa. Portanto, é falso que, se retirassemos a causa primeira (se ela não existir), a cadeia causal e tudo o que existe no mundo deixaria de existir.
Não implica o Deus
Teista - Em relação à conclusão, mesmo que se possa concluir que existe
uma causa primeira, nada garante que essa causa seja o Deus teista, ou seja, a
primeira causa da cadeia causal não precisa de ter os atributos tradicionais do
teismo, como a omnipotencia, a omnisciencia ou a suma bondade.
Qual
foi a causa de Deus? - se tudo tem uma causa, Deus também a tem.
O universo poderá
ser incriado e eterno - a possibilidade de que tudo o que existe tem uma
causa é compativel com a possibilidade de um mundo sem um principio nem fim, um
mundo que exista desde sempre (como as séries infinitas de númerosem qualquer das
direcções)
Argumento
Cosmológico - O que diz a Bíblia?
A Bíblia diz-nos que foi Deus que criou os céus e a Terra, que é eterno e infinito, que governa eternamente, que é a primeira causa e que criou o universo apenas pela sua vontade.
A Bíblia diz-nos, desde o primeiro versículo, que Deus criou o universo. “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1:1). “...o SENHOR, porém, fez os céus” (1 Crônicas 16:26). Sabemos que Deus não é em Si uma parte física do universo. 2 Crônicas 2:6 diz: “...visto que os céus e até os céus dos céus o não podem conter”. Sabemos também que o “SENHOR, Deus Eterno” (Gênesis 21:33) é eterno e infinito. “Ele, em seu poder, governa eternamente” (Salmo 66:7). A Bíblia ensina claramente que Deus é a Primeira Causa sem causa anterior e que Ele criou o universo apenas pela Sua vontade.
B. Argumento Teleológico
(ou do Desígnio) - S. Tomás de Aquino
O argumento teleológico (do grego telos - "finalidade" ou
"propósito") baseia-se numa analogia entre o universo e um
artefacto humano como um relógio ou uma máquina.
Muitas das coisas que existem no universo provocam em nós sentimento de
surpresa por manifestarem ordem e desígnio
Procura, então, mostrar-se que seja o que for que produziu o universo, tem
de ser um ser inteligente
Podemos fazer uma comparação: durante um passeio encontramos um relógio no
chão - esse relógio é composto por diferentes partes que, por estarem
ajustadas, assinalam o dia e a hora e podemos questionar: ou o relógio foi
concebido por um relojoeiro ou formou-se por acaso. Como o relógio tem uma
função(assinalar a hora e o dia) seria surpreendente que este se tivesse
auto-formado.
A hipótese que
melhor explica os fenómenos observados é a hipótese do relojoeiro e não a
hipótese do mero acaso.
Formalizando este raciocínio num silogismo disjuntivo:
1. As características
especificas do relógio encontrado devem-se a um relojoeiro ou devem-se ao acaso
2. Mas tais
características não se devem ao acaso
3. Logo, tais
características devem-se a um relojoeiro.
NOTA: é esta a estrutura que é utilizada nas várias versões do argumento teleológico!
Agora, se em vez do relógio, partirmos de evidencias ou observações - as maravilhas da natureza:
Os seres vivos e os seus órgãos (por exemplo, o olho) exibem uma estrutura intrincada, com desempenho de funções complexas (como a visão).
Tendo em conta essas
maravilhas da natureza, temos duas hipóteses para explicar esse fenómeno: ou os
seres vivos foram criados por Deus ou formaram-se por acaso. Provavelmente, as
maravilhas da natureza são menos surpreendentes se foram concebidas por Deus do
que se foram concebidas por acaso. Assim, as maravilhas da natureza confirmam a
hipótese de Deus em detrimento da hipótese do acaso. Podemos
concluir, por isso mesmo, que os dados ou observações sobre as maravilhas da
natureza confirmam a existência de Deus.
Formalizando este raciocínio num silogismo disjuntivo:
1. As maravilhas da
natureza devem-se ou a uma concepção de Deus ou devem-se ao acaso
2. Mais tais maravilhas
não se devem ao acaso
3. Logo, tais maravilhas
devem-se a uma concepção de Deus.
Objecção: falácia do falso dilema
Na premissa 1 há uma falácia informal do falso dilema pois alem das hipóteses de Deus e do acaso, há uma terceira hipótese muito relevante:
Darwinismo
Os seres
vivos resultam de um processo de evolução por selecção natural.
Ora, a hipótese do darwinismo parece constituir uma melhor explicação para dar
conta das maravilhas da natureza do que a hipótese Deus. Assim, o darwinismo
põe em causa o argumento teleológico na versão formulada.
Porém, há uma nova versão do argumento teleológico que não é afectada pela
anterior critica baseada no darwinismo.
Nova versão do
argumento teleológico
Numa nova versão do argumento teleológico, em vez de se partir da evidencia das maravilhas da natureza, parte-se de uma evidencia diferente, nomeadamente da observação do universo como altamente estruturado com parâmetros precisamente definidos.
A esse propósito, há quem
observe que se a explosão inicial do BIG BANG diferisse em força por tão pouco
quanto uma parte de 10 elevado a 60, o universo ou teria colapsado sobre si
mesmo ou teria expandido muito rapidamente, não permitindo que as estrelas se
formassem. Além disso, se a força nuclear forte, a força que liga protões e neutrões
num átomo, bem como se a gravidade e a força eletromagnética fossem
ligeiramente mais fortes ou mais fracas, a vida seria impossível.
Assim, na nova versão do argumento teleológico parte-se dos seguintes dados:
Afinação
minuciosa
As
constantes físicas estão minuciosamente afinadas para a existência da vida
Tendo em conta a
afinação minuciosa, temos as seguintes hipóteses para explicar esse fenómeno:
Designer - a
afinação minuciosa do universo deve-se a um designer sobrenatural: a um Deus.
Acaso - A
afinação minuciosa do universo é fruto do acaso.
Ora:
- se o universo for resultado do acaso, será surpreendente ele ter as características de afinação minuciosa. Podemos estabelecer uma analogia: tal como é surpreendente que uma seta atirada ao acaso acerte no circulo central de um alvo, também se o universo for um mero fruto do acaso será bastante surpreendente que esteja tão precisamente afinado para a vida.
- se o universo for resultado de algum tipo de designer inteligente, não será surpreendente ele ter as características de afinação minuciosa - pois se supomos que a vida em geral (mesmo a racional e consciente) é algo bom, então não será surpreendente que um designer inteligente e sobrenatural, tendo os atributos tradicionais do teísmo (omnipotência e sumamente bom), tenha criado um universo minuciosamente afinado para a vida.
Poderemos, então, afirmar
o seguinte:
- a probabilidade de o universo exibir as
características da afinação minuciosa, tendo resultado do acaso, é baixa.
- a probabilidade de o universo
exibir as características da afinação minuciosa, tendo resultado de um designer
inteligente, não é baixa.
- É mais provável que o universo tenha constantes
minuciosamente afinadas para a vida se houver um designer do que se for fruto
do acaso.
- Portanto, a afinação minuciosa do
universo dá razão para acreditar em Deus.
Formalizando este raciocínio num
silogismo disjuntivo:
Será este um bom argumento?
Objecções:
Falácia do Falso
Dilema - está presente na premissa 1 pois as hipóteses do designer e
do acaso não são as únicas hipóteses possíveis e relevantes para explicar a
evidencia da afinação minuciosa - pode existir uma terceira hipótese:
Multiverso
Existem
muitos universos distintos: muitos dominios do espaço-tempo que divergem entre
si em virtude de terem constantes fisicas ou leis naturais diferentes.
Assim, entre os vários
universos, acabará por surgir, por mero acaso, um universo em que as
constantes assumem os valores correctos para a existencia da vida.
Admitida esta pluralidade de universos, a afinação minuciosa não será
surpreendente.
Leia o seguinte
texto:
(...) O britânico
Stephen Hawking tinha postulado em 1980 (juntamente com o norte-americano James
Hartle) que o Big Bang tinha criado não só o nosso Universo, como também
universos infinitos, com diferentes leis entre si. Como, em teoria, tudo seria
possível num universo paralelo, não haveria maneira de garantir que as leis da
física seriam as mesmas do que aquelas que se aplicam ao nosso cosmos.
Este último trabalho de
investigação desenvolvido por Hawking antes da sua morte, a 14 de
Março deste ano, aponta uma solução para este problema, dizendo que o nosso
Universo é apenas um entre muitos universos parecidos, que se regem pelas
mesmas leis.(...)
In Público, 3 de Maio de
2018
- Não se prova a existência do Deus teísta - um problema que atinge as várias versões do argumento teleológico tem a ver com a ideia de que com o argumento em consideração sabemos pouco sobre a natureza do designer:
- será que a afinação minuciosa do universo se deve apenas a um Deus ou é um trabalho colaborativo de vários deuses?
-Talvez o designer em questão tenha poder suficiente para criar
um universo favorável à vida, mas será omnipotente, omnisciente, ou
moralmente perfeito? Será alguém com quem podemos estabelecer
uma relação pessoal, por exemplo, através da oração?
- O argumento da afinação minuciosa, por si só, não consegue responder a estes
desafios. Será esta uma objecção boa ou má?
Esta prova parece limitativa pelas seguintes razões:
- Mesmo que aceitemos que as analogias provam que um ser inteligente criou o universo, esta prova não demostra que este seja o Deus do teismo.
- Tal não implica que o criador seja omnipotente (embora tenha de ser poderoso), nem omnisciente, nem bondoso, nem que tenha de ser eterno (poderá já ter morrido), nem mesmo que seja só um - para uma tão grande criação, seria até bem mais provável que, por analogia, com o que vemos na terra, resulte da colaboração entre vários cocriadores.
C. Argumento
Ontológico - Anselmo de Cantuária (1033-1109)
A característica mais invulgar deste argumento é o facto de se basear apenas em premissas cuja
verdade, a serem verdadeiras, poderá ser conhecida sem apelar à experiência: a
simples análise do conceito de Deus que todos somos capazes de formar nas
nossas mentes, poderá demonstrar a sua existência na realidade.
É um argumento
por redução ao absurdo: juntando às restantes premissas a proposição
de que Deus não existe na realidade, gera-se uma contradição (pois o tal
ser maior do que o qual nenhum outro é possível, teria de ter outro ser
superior maior que Deus), pelo que essa proposição Deus não existe na
realidade- é falsa - Deus existe.
Na versão clássica
de Santo Anselmo parte-se da definição de Deus como "ser maior do que o
qual nada pode ser pensado" - um ser que acumula todas as perfeições que
existam, que detém todas as propriedades positivas e nenhuma negativa, de tal
modo, que seja o máximo possível da perfeição.
A partir desta
definição conclui-se que Deus existe na realidade, pois se Deus não existisse
ou se apenas existisse no pensamento, mas não na realidade, não seria aquele
ser maior do que o qual nada pode ser pensado.
- é um argumento a
priori (sem apelar à experiência)
Formalizando este
raciocínio:
1. Deus existe no
pensamento (isto é, pode ser concebido como ideia, quer exista ou não na
realidade)
2. Deus é um ser
possível
3. Se Deus existe no pensamento e não na realidade, então um ser mais perfeito
do que Deus é concebível.
4. Deus não existe na realidade (hipótese da redução ao absurdo).
5. Se Deus não existe na realidade, então pode haver um ser maior que ele.
6.Há um ser que é
existindo no pensamento e na realidade é maior do que o Deus que existe só no
pensamento mas a quem falta a existência na realidade. Mas, não é
concebível um ser mais perfeito do que Deus, nem que Deus não exista na
realidade.
4. Logo, Deus existe na
realidade e no pensamento.
Objecções:
A. Pode provar-se coisas que não existem
- Gaunillo (994- 1083), um
monge beneditino da Abadia de Marmoutier em Tours, França apresentou uma
primeira critica em que seguindo a mesma estrutura argumentativa do argumento
ontológico de Santo Anselmo , pode provar-se coisas que não existem. Para
mostrar isto, Gaunillo definiu "Ilha Perfeita" como uma ilha maior do
que a qual nada maior pode ser pensado e conclui, pelas mesmas razões de Santo
Anselmo, que essa ilha meramente imaginária também existe na realidade.
Formalizando o argumento de
Gaunillo:
1. A Ilha Perfeita existe no pensamento
2. Se a ilha perfeita existe no pensamento e não na realidade, então uma ilha
mais perfeita do que a ilha perfeita é concebível
3. Mas não é concebível uma ilha mais perfeita do que a ilha perfeita
4. Logo, a ilha perfeita existe na realidade.
Deste modo, chega-se a
uma conclusão estranha com base na mesma estrutura do argumento ontológico.
Como não há qualquer ilha perfeita, na forma como Gaunillo a definiu, alguma
das premissas terá de ser falsa. Embora Gaunillo não tenha identificado, com
precisão, qual o erro, filósofos posteriores tentaram-no fazer.
B. A existência não é um verdadeiro predicado
- Na premissa 2 do argumento de Santo Anselmo - Se Deus existe no pensamento e não na realidade, então um ser mais perfeito do que Deus é concebível - uma das razões a favor dessa premissa assenta na ideia de que existir na realidade torna algo mais perfeito do que existir apenas no pensamento.
Kant (1724-1704) discorda e defende que a
existência não é um verdadeiro predicado. A existência não é um predicado tal
como o é uma propriedade que pode caracterizar uma coisa (ou seja,
"existe" não é uma propriedade como "verde",
"inteligente" ou "alto").Isto porque a existência não
acrescenta nada ao conceito de uma coisa - , a existência é apenas a
exemplificação ou instanciação de uma coisa.
No argumento ontológico, Santo Anselmo parece sustentar que a existência é um predicado que se acrescenta ao conceito de Deus definido como um ser maior do que o qual nada pode ser pensado, ou seja, é maior ter a propriedade de existir do que não ter essa propriedade. Ora, afirma que algo existe não acrescenta nada ao conceito de um tal ser, apenas afirma que o conceito é exemplificado. Não há diferença de propriedades entre o conceito de um Deus existente e de um Deus não existente.
A existência não envolve uma nova propriedade. E se a existência não
é uma propriedade ou um predicado, então um ser maximamente perfeito não é
maior se existir do que se não existir.
C. Falácia da Petição de Principio
- o argumento ontológico comete a falácia informal
da petição de principio ou circularidade, pois parte-se da definição
de Deus como absolutamente perfeito, contendo todos os predicados e perfeições,
inclusive a existência na realidade. Assim, quando se diz
na premissa 1 - que Deus existe no pensamento - já se está
comprometido, pela definição apresentada de Deus, com a ideia de que Deus
existe na realidade.
8. Deus e o problema do Mal
Acredito que Deus criou coisas em perfeição
última, apesar de não nos parecer isso ao considerar partes do Universo. É um
pouco como o que acontece na música e na pintura, pois as sombras e
dissonâncias melhoram verdadeiramente as outras partes, e o autor sábio de tais
obras obtém destas imperfeições particulares um benefício tão grandioso para a
perfeição total do seu trabalho que é muito melhor dar-lhes espaço do que
tentar passar sem elas. Assim, temos de acreditar que Deus não teria permitido
o pecado nem teria criado coisas que sabe que irão pecar, se não tivesse obtido
delas um bem incomparavelmente maior que o mal que daí resulta.
(Leibniz, “Diálogo
sobre a Liberdade Humana e a Origem do Mal”,
pp. 115)
O problema do mal pretende responder ao seguinte problema:
- Será compatível a existência de Deus e a existência de Mal no mundo?
- A existência do Mal no mundo parece ser um forte indicia contra a existência de Deus.
- Algumas pessoas poderiam argumentar nesse sentido, que a existência da Guerra da Ucrânia , por exemplo, mostra que Deus não existe ou ele não é bondoso e/ou onipotente
- Há vários tipos de mal no mundo:
a) MAL MORAL: que tem origem nas acções humanas, como por exemplo, os assassinatos, torturas e roubos;
b) MAL NATURAL: não tem origem nas acções humanas, como por exemplo, terramotos, tsunamis e algumas doenças.
- William Rowe (1931 – 2015) defende uma versão forte da incompatibilidade entre a existencia de Deus e do Mal no mundo – Argumento Probabilístico do Mal.
- Segundo o autor podemos distinguir:
a) MAL JUSTIFICADO é aquele que se não existir leva a que se perca um bem maior. Exemplo: uma má acção (mal) que é perdoada (bem maior do perdão).
b) MAL NÂO JUSTIFICADO é aquele que se não existir não leva a que se perca um bem maior- é um mal sem sentido, gratuito. Exemplo: o sofrimento de todoa os animais na guerra da Ucrânia que, por não terem livre arbítrio, não pode fazer uso deste bem e, deste modo, coloca-se a questão: Será que Deus poderia, com facilidade, ter evitado o sofrimento destes animais?
- Assim, alguns dos males do nosso mundo, como o exemplo acima citado, parecem gratuitos.
- Segundo o ateismo a existencia do MAL GRATUITO não é improvável pois se o mal gratuito continua a existir isso parece evidenciar que Deus não existe.
- Segundo o teismo, a existencia do MAL GRATUITO é muito improvável - pois se o Deus teista existe, sendo este omnipotente, omnisciente e moralmente perfeito, ele sabe, quer e tem o poder para iliminar os males gratuitos ou sem sentido.
- Então, o facto de constatarmos a existencia do MAL GRATUITO poderá ser uma forte razão para se preferir o ateismo ao teismo?
Assim:
- O problema do mal (também conhecido como teodiceia) e uma das críticas mais antigas à existência de Deus como ser omnipotente (que tudo pode) e benevolente (que é bom).
- o argumento procura mostrar que a existência do mal no mundo não é compatível com a ideia de um Deus benevolente e omnipotente.
Algumas pessoas poderiam argumentar nesse sentido, que a existência da Guerra da Ucrânia , por exemplo, mostra que Deus não existe ou ele não é bondoso e/ou omnipotente.
A teodiceia de Leibniz (1646-1716)
- O problema do mal (também conhecido como teodiceia) e uma das críticas mais antigas à existência de Deus como ser omnipotente (que tudo pode) e benevolente (que é bom).
- o argumento procura mostrar que a existência do mal no mundo não é compatível com a ideia de um Deus benevolente e omnipotente.
- Uma das teodiceias mais importantes foi desenvolvida por Leibniz - por teodiceia entende-se uma resposta à questão de saber por que motivo Deus permite o mal já que nenhum mal é justificável.
- A estrutura argumentativa é a seguinte:
Deus criou o melhor dos mundos possíveis
O melhor dos mundos possíveis tem males (partes indesejáveis)
Logo, Deus permite o mal. (pois o melhor dos mundos possíveis não implica um mundo sem males)
Mas não seria possível pensar um mundo com menos mal?
- Segundo Leibniz, considerando todas as coisas, não temos justificação para poder afirmá-lo pois não poderemos saber se é possivel criar um mundo melhor sem esses aspectos negativos, dado que não sabemos quais as conexões entre estes e outros aspectos do mundo.
- Se pudéssemos evitar o sofrimento, teríamos um mundo melhor mas não temos forma de saber se essa mudança deixaria ou não o mundo inalterado, ou se, em vez disso, tornaria as coisas piores.
- Deus tem razões para permitir a existência do mal no mundo, não existindo, deste modo, males gratuitos ou injustificados.
Poderá o livre arbítrio justificar a existência do Mal?
Como conciliar a existência do Mal e do livre arbítrio?
Segundo Peter Van Inwagen, USA, 1942) na sua obra The Problem of Evil…
- Deus fez o mundo e isso foi muito bom.
- Uma parte indispensável da bondade que ele escolheu foi a existência de seres racionais: seres auto conscientes capazes de amor e pensamento abstrato, e com o poder de livre escolha entre cursos de ação alternativos contemplados.
- Essa última característica dos seres racionais, a livre escolha ou livre-arbítrio, é um bem.
- Mas mesmo um ser onipresente é incapaz de controlar o exercício do poder de livre escolha, já que uma escolha que fosse controlada não seria verdadeiramente livre.
- Se eu tenho uma livre escolha entre ir ao concerto dos U2 e fazer uma visita de voluntariado a Kiev, nem mesmo Deus pode garantir que vou escolher a segunda hipótese.
- Pedir a Deus que me dê livre escolha entre ir ao concerto dos U2 ou fazer uma visita de voluntariado a Kiev e que garanta que eu escolha ir ao concerto dos U2 em vez de fazer uma visita de voluntariado a Kiev é pedir que Deus realize o intrinsecamente impossível.
- Tendo esse poder de livre escolha, alguns ou todos os seres humanos o usaram mal e produziram uma certa quantidade de mal.
- O livre-arbítrio, porém, é um bem suficientemente grande para que sua existência exceda os males que têm resultado e que resultarão do seu abuso: e Deus previu isso.
9. O Fideísmo de Blaise Pascal (1623-1662)
Fideísmo – o que é?
- Será racional acreditar em Deus?
- O fideísmo é uma posição que defende que a fé e a razão são incompatíveis e que só a fé permite acreditar em Deus: Só a fé nos pode pôr em contacto com Deus;
- A falta de boas razões para acreditar na existência de Deus não é uma boa razão para não ter fé.
- Assim, a fé na existência de Deus não pode ser justificada com argumentos.
- Segundo Pascal mesmo sem argumentos a favor da existência de Deus, segundo uma racionalidade prudencial, (não conduz à verdade, justifica crenças práticas ou ajuda as pessoas em situações terminais, por exemplo) acreditar que Deus existe pois essa é a melhor "aposta" - é aquela que traz mais vantagens para nós, até mesmo do ponto de vista de benefícios práticos.
- A posição de que se pode acreditar, legitimamente em Deus sem qualquer racionalidade epistémica (aquela que é justificada e permite chegar a novas crenças verdadeiras) designa-se fideísmo.
- O propósito de Pascal não é provar se Deus existe ou não existe tal como acontece nos argumentos tradicionais mas sim afirmar que, tendo em conta os custos e benefícios para a nossa vida, apostar e acreditar na existência de Deus é uma felicidade plena.
Formalizando o argumento de Pascal
1. Ou Deus existe ou não existe
2. Se Deus existe, estaremos melhor como crentes em Deus do que como não crentes
3. Se Deus não existe , acreditar e não acreditar é o mesmo
4. Logo, acreditar que Deus existem um resultado melhor /do que não acreditar em Deus)
Objeções à aposta de Pascal
Em primeiro lugar, Pascal está enganado na sua crença de que devemos apostar contra ou a favor da existência de Deus. Podemos optar por permanecer nas margens, como faz o agnóstico. Claro que nesse caso podemos perder o prémio, se houver um prémio, por termos apostado incorretamente. Mas Pascal não pode provar que há tal prémio.
Em segundo lugar, a aposta não é tão simples como Pascal pensou porque há um número indefinido de possíveis criadores. O Deus cristão comum em quem Pascal apostou é apenas um deles. Assim, o número de possibilidades para apostar é muito maior do que duas e os jogadores racionais não têm a possibilidade de escolher mesmo que queiram escolher um Deus ou outro. Por outras palavras, se a aposta de Pascal faz sentido, será tão razoável apostar num deus-lua ou deus-sol como no Deus judeu, cristão ou muçulmano.
E, finalmente, não há prova ou razão para supor que ganhamos um prémio se apostarmos no Deus que de facto exista. Porque não podemos pressupor sem razões que Deus recompense os crentes ou que puna os descrentes. (De facto, em última análise o próprio Pascal apelou à revelação ou fé). Pelo contrário, as intuições de muitos de nós dizem precisamente o contrário talvez porque quando nos tentamos pôr no lugar de Deus, percebemos que estaríamos inclinados a considerar que a crença baseada na aposta de Pascal é hipócrita. Deus, se existir, pode impressionar-se bem mais com a honestidade daqueles que não conseguiram apostar (acreditar) na ausência de provas do que com aqueles que acreditam porque pensam que é prudente fazê-lo.
Howard Kahane, Há boas razões para acreditar que Deus existe? In Crítica
Outras reflexões acerca de O Fideísmo de Pascal....
1. Será que Deus beneficia de igual modo os crentes que têm fé por interesse na recompensa dos crentes que têm fé desinteressada e honestamente?
2. Pascal refere o Deus teísta - mas não poderemos considerar outras hipóteses de divindade como, por exemplo, o Deus deísta que não dá qualquer recompensa?
3. Será que a fé religiosa se pode basear num cálculo para obter os melhores resultados no que concerne a custos e benefícios?
5. Não parece esta concepção revelar uma devoção religiosa egoísta , interesseira e, moralmente, muito desprezível?
6. Será que Deus aprovaria uma atitude de fé baseada no cálculo?
7. Será que a crença em Deus é voluntária como defende Pascal? (A crença segundo Pascal está sob controlo voluntário e livre).
William Alston (1921 - 2009) considera que não temos o poder de decidir se acreditamos ou não em Deus apenas por decidir faze-lo.
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