Zygmunt Bauman e as redes sociais
Zygmunt Bauman: “As redes sociais são uma armadilha”
Ele é a voz dos menos favorecidos. O sociólogo denuncia a desigualdade e a queda da classe média. E avisa aos indignados que seu experimento pode ter vida curta
O sociólogo Zygmunt Bauman, em Burgos (Espanha), fala na entrevista sobre o impacto das redes sociais.
Zygmunt Bauman acaba de completar 90 anos de idade e de tomar dois voos para ir da Inglaterra ao debate do qual participa em Burgos (Espanha). Está cansado, e admite logo ao começar a entrevista, mas se expressa com tanta calma quanto clareza. Sempre se estende, em cada explicação, porque detesta dar respostas simples a questões complexas. Desde que colocou, em 1999, sua ideia da “modernidade líquida” – uma etapa na qual tudo que era sólido se liquidificou, e em que “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso” –, Bauman se tornou uma figura de referência da sociologia. Suas denúncias sobre a crescente desigualdade, sua análise do descrédito da política e sua visão nada idealista do que trouxe a revolução digital o transformaram também em um farol para o movimento global dos indignados, apesar de que não hesita em pontuar suas debilidades.
O polonês (Poznan, 1925) era criança
quando sua família, judia, fugiu para a União Soviética para escapar do
nazismo, e, em 1968, teve que abandonar seu próprio país, desempossado de seu
posto de professor e expulso do Partido Comunista em um
expurgo marcado pelo antissemitismo após a guerra árabe-israelense. Renunciou à
sua nacionalidade, emigrou a Tel Aviv e se instalou, depois, na Universidade de
Leeds (Inglaterra), onde desenvolveu a maior parte de sua carreira. Sua obra,
que arranca nos anos 1960, foi reconhecida com prêmios como o Príncipe das Astúrias de Comunicação e
Humanidades de 2010, que recebeu junto com Alain Touraine.
Bauman é considerado um pessimista.
Seu diagnóstico da realidade em seus últimos livros é sumamente crítico. Em A riqueza de poucos beneficia todos nós?, explica o alto preço que se paga hoje em dia pelo neoliberalismo triunfal dos anos 80 e a “trintena opulenta” que veio em seguida. Sua conclusão: a promessa de que a riqueza acumulada pelos que estão no topo chegaria aos que se encontram mais abaixo é uma grande mentira. Em Cegueira moral, escrito junto com Leonidas Donskis, Bauman alerta sobre a perda do sentido de comunidade em um mundo individualista.
Em seu novo ensaio, Estado de crise, um
diálogo com o sociólogo italiano Carlo Bordoni, volta a se destacar. O livro da
editora Zahar, que já está disponível para pré-venda no Brasil, trata de um
momento histórico de grande incerteza.
Bauman volta a seu hotel junto com o
filósofo espanhol Javier Gomá, com quem debateu no Fórum da Cultura, evento que
terá sua segunda edição realizada em novembro e que traz a Burgos os grandes
pensadores mundiais. Bauman é um deles.
Pergunta. Você vê a
desigualdade como uma “metástase”. A democracia está em perigo?
Resposta. O que está
acontecendo agora, o que podemos chamar de crise da democracia, é o colapso da
confiança. A crença de que os líderes não só são corruptos ou estúpidos, mas
também incapazes. Para atuar, é necessário poder: ser capaz de fazer
coisas; e política: a habilidade de decidir quais são
as coisas que têm ser feitas. A questão é que esse casamento entre poder e
política nas mãos do Estado-nação acabou. O poder se globalizou, mas as políticas são
tão locais quanto antes. A política tem as mãos cortadas. As pessoas já não
acreditam no sistema democrático porque ele não cumpre suas promessas. É o que
está evidenciando, por exemplo, a crise de migração. O fenômeno é global, mas
atuamos em termos paroquianos. As instituições democráticas não foram
estruturadas para conduzir situações de interdependência. A crise contemporânea
da democracia é uma crise das instituições democráticas.
"Foi uma catástrofe arrastar a classe media ao precariat. O conflito
já não é entre classes, mas de cada um com a sociedade”
P. Para que lado tende o pêndulo que
oscila entre liberdade e segurança?
R. São dois valores extremamente
difíceis de conciliar. Para ter mais segurança é preciso renunciar a certa
liberdade, se você quer mais liberdade tem que renunciar à segurança. Esse
dilema vai continuar para sempre. Há 40 anos, achamos que a liberdade tinha triunfado e que
estávamos em meio a uma orgia consumista. Tudo parecia possível mediante a
concessão de crédito: se você quer uma casa, um carro... pode pagar depois. Foi
um despertar muito amargo o de 2008, quando o crédito fácil acabou. A
catástrofe que veio, o colapso social, foi para a classe média, que
foi arrastada rapidamente ao que chamamos de precariat (termo
que substitui, ao mesmo tempo, proletariado e classe média). Essa é
a categoria dos que vivem em uma precariedade contínua: não saber se suas
empresas vão se fundir ou comprar outras, ou se vão ficar desempregados, não
saber se o que custou tanto esforço lhes pertence... O conflito, o antagonismo,
já não é entre classes, mas de cada pessoa com a sociedade. Não é só uma falta
de segurança, também é uma falta de liberdade.
P. Você afirma que a ideia de
progresso é um mito. Por que, no passado, as pessoas acreditavam em um futuro
melhor e agora não?
R. Estamos em um estado de interregno, entre uma etapa em que tínhamos certezas e outra em que a velha forma de atuar já não funciona. Não sabemos o que vai a substituir isso. As certezas foram abolidas. Não sou capaz de profetizar. Estamos experimentando novas formas de fazer coisas. A Espanha foi um exemplo com aquela famosa iniciativa de maio (o 15-M), em que essa gente tomou as praças, discutindo, tratando de substituir os procedimentos parlamentares por algum tipo de democracia direta. Isso provou ter vida curta. As políticas de austeridade vão continuar, não podiam pará-las, mas podem ser relativamente efetivos em introduzir novas formas de fazer as coisas.
P. Você sustenta que o movimento
dos indignados “sabe como preparar o terreno, mas não como
construir algo sólido”.
R. O povo esqueceu suas diferenças
por um tempo, reunido na praça por um propósito comum. Se a razão é negativa,
como se indispor com alguém, as possibilidades de êxito são mais altas. De
certa forma, foi uma explosão de solidariedade, mas as explosões são muito
potentes e muito breves.
P. E você também lamenta que, por sua
natureza “arco íris”, o movimento não possa estabelecer uma liderança sólida.
R. Os líderes são tipos duros, que
têm ideias e ideologias, o que faria desaparecer a
visibilidade e a esperança de unidade. Precisamente porque não tem líderes o
movimento pode sobreviver. Mas precisamente porque não tem líderes não podem
transformar sua unidade em uma ação prática.
P. Na Espanha, as consequências do
15-M chegaram à política. Novos partidos emergiram com força.
"O 15-M, de certa forma, foi uma explosão de solidariedade, mas as
explosões são potentes e breves"
R. A mudança de um partido por outro
não vai a resolver o problema. O problema hoje não é que os partidos estejam
equivocados, e sim o fato de que não controlam os instrumentos. Os problemas
dos espanhóis não estão restritos ao território nacional, são globais. A
presunção de que se pode resolver a situação partindo de dentro é errônea.
P. Você analisa a crise do
Estado-nação. Qual é a sua opinião sobre as aspirações independentistas da
Catalunha?
R. Penso que continuamos com os
princípios de Versalhes, quando se estabeleceu o direito de cada nação baseado
na autodeterminação. Mas isso, hoje, é uma ficção porque não existem
territórios homogêneos. Atualmente, todas as sociedades são uma coleção de
diásporas. As pessoas se unem a uma sociedade à qual são leais, e pagam
impostos, mas, ao mesmo tempo, não querem abrir mão de suas identidades. A
conexão entre o local e a identidade se rompeu. A situação na Catalunha, como
na Escócia ou na Lombardia, é uma contradição entre a identidade tribal e a
cidadania de um país. Eles são europeus, mas não querem ir a Bruxelas por
Madri, mas via Barcelona. A mesma lógica está emergindo em quase todos os
países. Mantemos os princípios estabelecidos no final da Primeira Guerra
Mundial, mas o mundo mudou muito.
P. As redes sociais mudaram a forma
como as pessoas protestam e a exigência de transparência. Você é um cético
sobre esse “ativismo de sofá” e ressalta que a Internet também
nos entorpece com entretenimento barato. Em vez de um instrumento
revolucionário, como alguns pensam, as redes sociais são o novo ópio do povo?
R. A questão da identidade foi
transformada de algo preestabelecido em uma tarefa: você tem que criar a sua
própria comunidade. Mas não se cria uma comunidade, você tem uma ou não; o que
as redes sociais podem gerar é um substituto. A diferença entre a comunidade e
a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a
você. É possível adicionar e deletar amigos, e controlar as pessoas com quem
você se relaciona. Isso faz com que os indivíduos se sintam um pouco melhor,
porque a solidão é a grande ameaça nesses tempos individualistas. Mas, nas
redes, é tão fácil adicionar e deletar amigos que as habilidades sociais não
são necessárias. Elas são desenvolvidas na rua, ou no trabalho, ao encontrar
gente com quem se precisa ter uma interação razoável. Aí você tem que enfrentar
as dificuldades, se envolver em um diálogo. O papa Francisco, que é um grande
homem, ao ser eleito, deu sua primeira entrevista a Eugenio Scalfari, um
jornalista italiano que é um ateu autoproclamado. Foi um sinal: o diálogo real
não é falar com gente que pensa igual a você. As redes sociais não ensinam a
dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não
para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar
no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de
suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias
caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são
uma armadilha.
RICARDO DE QUEROL
08 JAN 2016
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