O que é um filósofo?
“O que faz de alguém um filósofo, além
de ser considerado como tal pela universidade?” Primeiro, penso que um autor
tem de dar atenção a questões com um alto grau de generalidade, e tem de se
sentir à vontade com as ideias abstractas. Não é suficiente procurar a verdade,
pois podemos estabelecer a verdade com respeito a factos particulares; isso
pode ser o objectivo dos historiadores, ou dos romancistas que procuram dizer
de forma imaginativa como as coisas são, num certo sentido. Um filósofo diria
também sem dúvida que procura a verdade, mas está interessado em seja o que for
que está por detrás dos factos particulares da experiência, dos pormenores da
história; um filósofo ocupa-se do significado subjacente da linguagem que nós
usamos habitualmente e sem pensar, das categorias em função das quais
organizamos a nossa experiência. Assim, esse filósofo ou filósofa diria não
apenas que procura a verdade, mas que procura uma verdade, ou teoria, que
explique o particular e o pormenor e o quotidiano.
Um
grande filósofo que exemplifica estas características foi o escocês David Hume.
Nunca desempenhou quaisquer funções académicas (apesar de uma vez o ter tentado
infrutiferamente); a maior parte dos seus escritos pertencia a esse tipo
particularmente escocês, o ensaio; e os seus ensaios tratavam de vários temas
sociais, políticos e económicos. Mas a sua grande obra filosófica, o Tratado
da Natureza Humana, que ele terminou quando tinha apenas 26 anos, foi
concebida para estabelecer os fundamentos de uma ciência empírica genuína da
natureza humana. A partir destes fundamentos Hume esperava que se pudesse
construir uma elucidação de todo o conhecimento humano, incluindo o
conhecimento científico, e de toda a moral, incluindo a moral política. Aqui
temos generalidade, e de facto uma enorme ambição explicativa.
Hume satisfaz também outro critério pelo qual medimos um verdadeiro filósofo: ocupava-se não apenas de apresentar as suas ideias, mas também de argumentar a seu favor. Esta atitude tem conduzido quase sempre, entre os filósofos, a um interesse apaixonado pelas ideias uns dos outros; e tem levado os filósofos a discordar, e se possível a refutar, os argumentos dos outros filósofos; e também a expor teorias por meio de diálogos, falados ou escritos. Por vezes, como no caso de Platão, Berkeley ou Hume, estes diálogos são ficcionais; por vezes são reais, e tomaram a forma de respostas a objecções, como no caso de Descartes, ou de troca de correspondência. Os filósofos são por natureza faladores e epistolares; só raramente preferem sentar-se e pensar, isolados dos seus pares.
Mary Warnock
Tradução de Desidério Murcho
Women Philosophers (Everyman’s
Library, 1996), pp. xxix-xxx.
(O sublinhado é nosso)
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