Perelman e a Nova Retórica
"A argumentação filosófica
apresenta-se como um apelo à razão, que eu traduzo na linguagem da
argumentação, ou aquela da nova retórica, como um discurso que se dirige ao
auditório universal. Uma argumentação racional caracteriza-se por uma intenção de
universalidade, ela visa convencer, ou seja, garantir a adesão de um auditório
que, na mente do filósofo, encarna a razão."
Perelman
Ao conceber a própria razão como um
auditório, a filosofia pode ser compreendida como um discurso
dirigido a um auditório . Segundo Perelman, os filósofos
teriam, ao pretenderem apelar à razão, explícita ou implicitamente dirigido
ao auditório universal. A argumentação filosófica, que se pretende racional e
universal, difere das demais argumentações humanas não pela ausência do
elemento retórico.
O facto de a razão ter sido considerada, ao
longo da tradição ocidental, uma faculdade humana inata, iluminada por Deus,
determinou, em grande medida, a rejeição da retórica.
Perelman reconhece que os filósofos procuram, quase sempre, negar que visavam convencer algum auditório com a sua argumentação.
Perelman reconhece que os filósofos procuram, quase sempre, negar que visavam convencer algum auditório com a sua argumentação.
Querer adaptar-se a um auditório convinha
ao sofista, ao demagogo, ao retórico, e não ao filósofo sério, que deveria
estar preocupado com a verdade, e não com a eficácia da sua argumentação. Em
vez da adesão de um auditório, os filósofos preferiram buscar uma espécie de
ascese, para melhor atingir a verdade.
Em vez de opor filosofia e retórica,
Perelman sustenta que a filosofia também pode ser compreendida retoricamente.
Mas isso não significa que devamos abrir mão da ideia de razão e da pretensão
de universalidade.
Para Perelman, a argumentação filosófica difere dos outros argumentos retóricos por causa do auditório ao qual ela se dirige. E qual é?
Para Perelman, a argumentação filosófica difere dos outros argumentos retóricos por causa do auditório ao qual ela se dirige. E qual é?
Em vez de um discurso ad hominem, o
filósofo dirige-se a toda humanidade e o seu discurso é antes ad
humanitatem, através de uma argumentação que, segundo Perelman, pode-se
qualificar de racional.
A nova retórica não
pretende remover ou substituir a lógica formal, mas acrescentar a ela um campo
de raciocínio que, até agora, escapou a todo o esforço de racionalização, a saber,
o raciocínio prático. Seu domínio é o estudo do pensamento crítico, da escolha
razoável e do comportamento justificado. Ela se aplica sempre que a ação
estiver ligada à racionalidade.
O
problema não está na lógica formal ela mesma, a qual Perelman reconhece
grande valor e importância.
O que é alvo de crítica é a atrofia que se operou na
noção de racionalidade, que passou a se aplicar apenas aos raciocínios formais,
demonstrativos, típicos da matemática.
Perelman pretende retirar do âmbito do
irracional os outros diversos tipos de raciocínios que caracterizam a
argumentação prática humana, aquela que se dá no domínio da praxis ou
da ação humana.
Nas palavras de Perelman & Olbrechts-Tyteca:
Nós esperamos que o nosso tratado provoque uma salutar reação, e que a sua simples presença impeça que no futuro se reduzam todas as técnicas de prova à lógica formal e que se veja como racional apenas a faculdade calculadora.Se uma concepção estreita da prova e da lógica acarretou uma concepção limitada da razão, o alargamento da noção de prova e o enriquecimento dalógica dela decorrente devem provocar uma reação, por sua vez, sobre a maneira pela qual é concebida a nossa faculdade de raciocinar.
Perelman ressalta
a distinção entre demonstração (lógica
em sentido estrito, ou seja, os meios de prova que permitem concluir, a partir
da verdade de certas proposições, aquela de outras proposições) e argumentação (que
inclui a dialética e a retórica, ou seja, o conjunto das técnicas
discursivas permitindo provocar ou aumentar a adesão do auditorio às teses que se
apresentam ao seu assentimento), que é apresentada logo no primeiro capítulo do Tratado da
Argumentação.
.Assim como a violência está fora do campo da
argumentação, uma vez que impede a liberdade de adesão, também a demonstração e
a evidência estão.
Se traçarmos uma linha de intensidadede adesão, teremos, em
um extremo, a decisão puramente arbitrária, injustificada, que se impõe pela
violência, e, no outro extremo, a prova irrefutável, absolutamente evidente. Em
nenhum desses dois extremos poderíamos falar em argumentação propriamente dita,
entendida como uma prática discursiva dirigida ao livre assentimento.
O afastamento
da evidência é feito porque, na demonstração, a prova é evidente, ela obriga a
mente a aderir, não deixando qualquer espaço para a liberdade de assentimento,
para a escolha justificada, que é essencial na concepção perelmaniana da
argumentação.
Vemos
assim que nesse domínio está ausente a dimensão retórica, ou seja, não é relevante
a análise do auditório, posto que o argumento formal se apresenta
como intrinsecamente válido e as suas premissas como necessariamente verdadeiras.
A Teoria da Argumentação de Perelman é uma reabilitação da antiga arte retórica concebida por Aristóteles, mas, poderia parecer à primeira vista, uma simples reedição dos antigos ensinamentos do filósofo grego.
Perelman afirmou que seu trabalho se tratava de uma nova visão acerca da antiga retórica, mantendo com relação a esta, basicamente a idéia de auditório (PERELMAN, 1996:7). O filósofo belga destaca alguns pontos de suma importância para o entendimento desta nova retórica. O discurso é compreendido como argumentação. Orador e auditório são, respectivamente, aquele que apresenta o discurso e aqueles a quem o discurso é dirigido (PERELMAN, 1996:7).
Perelman afirmou que seu trabalho se tratava de uma nova visão acerca da antiga retórica, mantendo com relação a esta, basicamente a idéia de auditório (PERELMAN, 1996:7). O filósofo belga destaca alguns pontos de suma importância para o entendimento desta nova retórica. O discurso é compreendido como argumentação. Orador e auditório são, respectivamente, aquele que apresenta o discurso e aqueles a quem o discurso é dirigido (PERELMAN, 1996:7).
Perelman promove interessante construção ao estabelecer discurso, auditório e orador como elementos da argumentação, entendida aqui em sentido amplo, como método para provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que lhes são apresentadas (PERELMAN, 1996:4).
Defende a idéia de que auditório e orador são elementos em profunda e constante ligação. O auditório determina o modo de proceder do orador enquanto o orador deve se adaptar às características do auditório, de modo a alcançar melhores resultados. Dessa maneira, poderemos afirmar que a argumentação desenvolve-se em função do auditório.
O orador, Perelman destaca a importância da constante adaptação do discurso aos destinatários, afirmando que cabe ao auditório o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores (PERELMAN, 1996:27).
O auditório, entendido, a priori, como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação.
O auditório, entendido, a priori, como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação.
A partir de sua extensão, Perelman e Olbrechts-Tyteca apresentam -nos três modelos:
- o primeiro é o auditório universal, constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais.
- O segundo é o auditorio particular, formado apenas pelo interlocutor a quem se dirige, entendido como um diálogo.
- O terceiro é o auditório singular que abrange o próprio sujeito, quando delibera consigo próprio, hipótese em que coincidem os elementos auditório e orador (PERELMAN, 1996:33-34).
Referem-se estes tipos de auditorios à visualização física dos destinatários do discurso?
Essa dimensão física é facilmente visualizada num discurso verbal, todavia, não é bem estabelecida num discurso escrito.
O exemplo clássico é o do escritor que publica um livro, mas não sabe ao certo, no momento da elaboração ou publicação, quem é o seu auditório.
Um dos grandes problemas colocados à frente do orador é descobrir quem de fato são os seus destinatários, os quais são imprescindíveis para o processo de adaptação e construção. Essa construção do auditório, à luz dos destinatários, não se trata de inovação dos nossos tempos, já sendo visualizada em Aristóteles, Cícero e Quintiliano, demonstrando estes autores que o conhecimento daqueles a quem se dirige a argumentação é uma condição prévia para o desenvolvimento de uma argumentação eficaz (PERELMAN, 1996:23).
O tipo de auditório, que parece sem grande importância, acaba por se tornar essencial na definição de uma estratégia argumentativa pautada na convicção ou persuasão. Apesar das críticas sobre a imprecisão destes conceitos, oportuna lição nos ensina Atienza, ao demonstrar a distinção entre persuadir e convencer no pensamento perelmaniano.
Tendo em vista ao auditório que se pretende argumentar, considera o filósofo espanhol que “uma argumentação persuasiva, para Perelman, é aquela que só vale para um auditório particular, ao passo que uma argumentação convincente é a que se pretende válida para todo ser dotado de razão” (ATIENZA, 2006:63).
Nesse sentido, quando ocorre uma argumentação perante um único ouvinte, encarado como auditório particular, deve-se optar por uma estratégia argumentativa persuasiva, todavia, se o destinatário é encarado como auditório universal, deve-se optar por uma estratégia pautada no convencimento. Acredita-se que o interesse maior do estudo da argumentação, seja a descoberta de técnicas argumentativas passíveis de se impor a todos os auditórios. Tal objetivo seria possível mediante um discurso pautado na objetividade, alcançando um modelo ideal de argumentação que se imporia a auditórios compostos por homens competentes ou racionais (PERELMAN, 1996:29).
O Auditório Universal
Tendo em vista que a própria concepção de auditório utilizada por Perelman deriva da definição tradicional de Aristóteles, especificamente, nessa parte, o filósofo belga inova em uma noção fundamental de seu pensamento, ao estabelecer o conceito de auditório universal (Auditoire Universel).
E que significa AUDITÓRIO UNIVERSAL?
Mediante a idéia de que é a partir dos destinatários que toda argumentação se desenvolve, ele destaca o auditório universal como um auditório “constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais” (PERELMAN, 1996:33-34) e continuando a citar Perelman, destaca-se que este auditório
“é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas oposições de que tem consciência” (PERELMAN, 1996:37).
E que significa AUDITÓRIO UNIVERSAL?
Mediante a idéia de que é a partir dos destinatários que toda argumentação se desenvolve, ele destaca o auditório universal como um auditório “constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais” (PERELMAN, 1996:33-34) e continuando a citar Perelman, destaca-se que este auditório
“é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas oposições de que tem consciência” (PERELMAN, 1996:37).
Assim, para ele, o auditório universal é tido como um limite a ser atingido. Todavia, apesar dessa importância, ele não nega a imprecisão do conceito, uma vez que cada cultura ou cada indivíduo poderão ter sua concepção acerca do auditório universal (PERELMAN, 1996:37). Essa idéia desempenha importante papel como objeto de discussão aqui proposto, pois além de promover o parâmetro ideal de visualização do destinatário, permite ainda ao orador, em seu exercício de adaptação com relação àquele, escolher entre duas estratégias argumentativas: persuadir ou convencer (ATIEZA, 2006:63), as quais por também serem fonte de imprecisões, são igualmente objeto de forte crítica por parte de outros autores.
.
A consideração do caráter ideal, atribuído ao conceito de auditório universal, permite a Atienza ver aspectos positivos e negativos.
- Sob o aspecto positivo, o pensador espanhol concorda com Alexy e sua atribuição ideal ao conceito de auditório universal, situado como parâmetro de racionalidade e objetividade (ATIENZA, 2006:81), concordando com o papel central exercido pelo auditório universal.
- sob o aspecto negativo, destaca a noção obscura desenvolvida, apontando para tanto, as críticas de Aulis Aarnio e Letizia Gianformaggio (ATIENZA, 2006:81) no entanto Alexy contempla um papel importante à Teoria da Argumentação de Perelman no campo normativo, uma vez que os destinatários, considerados sob a forma de auditório universal, somente se convencem mediante argumentos racionais. Nota-se que, a aproximação entre auditório universal, convencimento e racionalidade é novamente alvo de deliberação (ALEXY, 2005:168).
- Sob o aspecto positivo, o pensador espanhol concorda com Alexy e sua atribuição ideal ao conceito de auditório universal, situado como parâmetro de racionalidade e objetividade (ATIENZA, 2006:81), concordando com o papel central exercido pelo auditório universal.
- sob o aspecto negativo, destaca a noção obscura desenvolvida, apontando para tanto, as críticas de Aulis Aarnio e Letizia Gianformaggio (ATIENZA, 2006:81) no entanto Alexy contempla um papel importante à Teoria da Argumentação de Perelman no campo normativo, uma vez que os destinatários, considerados sob a forma de auditório universal, somente se convencem mediante argumentos racionais. Nota-se que, a aproximação entre auditório universal, convencimento e racionalidade é novamente alvo de deliberação (ALEXY, 2005:168).
Assim, de uma forma mais lúcida, acerca dessa ligação, assevera o mestre alemão que esse estado (o auditório universal) corresponde à situação ideal de fala Habermas.
Acerca da racionalidade na argumentação, citando Alexy, observa-se estreita relação com a busca pela universalidade, “o apelo a uma universalidade, visando à realização do ideal de comunidade universal é a característica da argumentação racional” (ALEXY, 2005:140).
Concluindo, no entender do filósofo alemão, este conceito de Perelman (auditório universal) não é uno, mas contempla duas visões: a primeira formando um auditório que os indivíduos ou uma sociedade representam para si próprios, e a segunda como a totalidade de seres humanos participantes do discurso. Sendo assim, será a concordância alcançada por parte do auditório universal, o critério de racionalidade e objetividade da argumentação, uma vez que o auditório universal só é convencido mediante argumentos racionais. Neste ponto, reside o caráter objetivo, alcançando-se uma validade para todo ser racional, consequentemente empreende-se uma argumentação racional, ao considerar que
Persuadir e Convencer
No Tratado da Argumentação Chaïm Perelman e Olbrechts-Tyteca diferenciam os procedimentos argumentativos, com base nos objetivos do orador, afirmando que se o objetivo deste está em obter um resultado, persuadir é mais do que convencer, entretanto, se a preocupação do orador reside no caráter racional da adesão, convencer é mais que persuadir (PERELMAN, 1996:30).
A argumentação pode ser desenvolvida mediante um processo de persuasão ou de convencimento, a opção por um processo ou outro, como já dito, deriva da concepção que o orador faz do auditório e de suas extensões.
Nesse sentido, para uma melhor compreensão, as extensões já concebidas são divididas em dois modelos: o auditório particular e o auditório universal.
- O primeiro compreende a argumentação realizada perante um indivíduo, bem como aquela realizada pelo orador consigo próprio.
- O segundo compreende o auditório sob aspectos ideais, formado por todos os seres humanos racionais. Com isso, busca o filósofo belga ligar uma estratégia argumentativa a um auditório específico, ao propor
“chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo ser racional” (PERELMAN, 1996:31).
Assim, observando as diferentes formas que assumem as argumentações perante auditórios diversos, é nítido que a adaptação do orador ao seu auditório, não se refere somente à escolha dos argumentos a serem utilizados, mas também às estratégias de argumentação que devem variar de acordo com o auditório a que se destina.
A visão de Perelman, ao estabelecer que do ponto de vista racional, convencer é mais que persuadir, tornando uma argumentação formulada sob os ditames do convencimento, mais próxima do ideal de objetividade e racionalidade, ligada ao auditório universal. Por isso há uma convergência entre as concepções de auditório universal e situação ideal de fala, como parâmetros ideais de objetividade e racionalidade.
A visão de Perelman, ao estabelecer que do ponto de vista racional, convencer é mais que persuadir, tornando uma argumentação formulada sob os ditames do convencimento, mais próxima do ideal de objetividade e racionalidade, ligada ao auditório universal. Por isso há uma convergência entre as concepções de auditório universal e situação ideal de fala, como parâmetros ideais de objetividade e racionalidade.
Carlos Augusto Lima Vaz
Referências
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do discurso racional
como teoria da fundamentação jurídica. 02 ed.. São Paulo: Editora Landy, 2005.
ATIENZA, Manuel. As razões do Direito – Teorias da Argumentação Jurídica. 03 ed.
São Paulo: Editora Landy, 2006.
PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação – A
Nova Retórica. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996.
TOLEDO, Cláudia. Teoria da Argumentação Jurídica. Revista Forense. São Paulo, vol.
395, p. 613-625, jan./fev., 2008.
http://periodicoalethes.com.br/media/pdf/1/a-teoria-da-argumentacao-de-chaim-perelman.pdf (adaptado)
Para saber mais acerca do conceito de auditório universal em Chaim Perelman:
Lola
Sem comentários:
Enviar um comentário