quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Perelman e a Nova Retorica



Perelman e a Nova Retórica

"A argumentação filosófica apresenta-se como um apelo à razão, que eu traduzo na linguagem da argumentação, ou aquela da nova retórica, como um discurso que se dirige ao auditório universal. Uma argumentação racional caracteriza-se por uma intenção de universalidade, ela visa convencer, ou seja, garantir a adesão de um auditório que, na mente do filósofo, encarna a razão."                                                                                          
 Perelman

Ao conceber a própria razão como um auditório, a filosofia pode ser compreendida como um discurso dirigido a um auditório . Segundo Perelman, os filósofos teriam, ao pretenderem apelar à razão, explícita ou implicitamente dirigido ao auditório universal. A argumentação filosófica, que se pretende racional e universal, difere das demais argumentações humanas não pela ausência do elemento retórico.
O facto de a razão ter sido considerada, ao longo da tradição ocidental, uma faculdade humana inata, iluminada por Deus, determinou, em grande medida, a rejeição da retórica.

Perelman reconhece que os filósofos procuram, quase sempre, negar que visavam convencer algum auditório com a sua argumentação. 

Querer adaptar-se a um auditório convinha ao sofista, ao demagogo, ao retórico, e não ao filósofo sério, que deveria estar preocupado com a verdade, e não com a eficácia da sua argumentação. Em vez da adesão de um auditório, os filósofos preferiram buscar uma espécie de ascese, para melhor atingir a verdade. 

Em vez de opor filosofia e retórica, Perelman sustenta que a filosofia também pode ser compreendida retoricamente. Mas isso não significa que devamos abrir mão da ideia de razão e da pretensão de universalidade.  

Para Perelman, a argumentação filosófica difere dos outros argumentos retóricos por causa do auditório ao qual ela se dirige. E qual é?

Em vez de um discurso ad hominem, o filósofo  dirige-se a toda humanidade e o seu discurso é antes ad humanitatem, através de uma argumentação que, segundo Perelman, pode-se qualificar de racional.

A nova retórica não pretende remover ou substituir a lógica formal, mas acrescentar a ela um campo de raciocínio que, até agora, escapou a todo o esforço de racionalização, a saber, o raciocínio prático. Seu domínio é o estudo do pensamento crítico, da escolha razoável e do comportamento justificado. Ela se aplica sempre que a ação estiver ligada à racionalidade.

O problema não está na lógica formal ela mesma, a qual Perelman reconhece grande valor e importância.
 O que é alvo de crítica é a atrofia que se operou na noção de racionalidade, que passou a se aplicar apenas aos raciocínios formais, demonstrativos, típicos da matemática. 
Perelman pretende retirar do âmbito do irracional os outros diversos tipos de raciocínios que caracterizam a argumentação prática humana, aquela que se dá no domínio da praxis ou da ação humana. 

 Nas palavras de Perelman & Olbrechts-Tyteca:

 Nós esperamos que o nosso tratado provoque uma salutar reação, e que a sua simples presença impeça que no futuro se reduzam todas as técnicas de prova à lógica formal e que se veja como racional apenas a faculdade calculadora.Se uma concepção estreita da prova e da lógica acarretou uma concepção limitada da razão, o alargamento da noção de prova e o enriquecimento dalógica dela decorrente devem provocar uma reação, por sua vez, sobre a maneira pela qual é concebida a nossa faculdade de raciocinar.

 Perelman ressalta a distinção entre demonstração (lógica em sentido estrito, ou seja, os meios de prova que permitem concluir, a partir da verdade de certas proposições, aquela de outras proposições) e argumentação (que inclui a dialética e a retórica, ou seja, o conjunto das técnicas discursivas permitindo provocar ou aumentar a adesão do auditorio às teses que se apresentam ao seu assentimento), que é apresentada logo no primeiro capítulo do Tratado da Argumentação.



.Assim como a violência está fora do campo da argumentação, uma vez que impede a liberdade de adesão, também a demonstração e a evidência estão. 
Se traçarmos uma linha de intensidadede adesão, teremos, em um extremo, a decisão puramente arbitrária, injustificada, que se impõe pela violência, e, no outro extremo, a prova irrefutável, absolutamente evidente. Em nenhum desses dois extremos poderíamos falar em argumentação propriamente dita, entendida como uma prática discursiva dirigida ao livre assentimento. 
O afastamento da evidência é feito porque, na demonstração, a prova é evidente, ela obriga a mente a aderir, não deixando qualquer espaço para a liberdade de assentimento, para a escolha justificada, que é essencial na concepção perelmaniana da argumentação. 

Segundo Perelman & Olbrechts-Tyteca, demonstrações são intemporais e não há motivo para distinguir os auditórios aos quais se dirige, uma vez que se presume que todos se inclinam diante daquilo que é objetivamente válido”.

Vemos assim que nesse domínio está ausente a dimensão retórica, ou seja, não é relevante a análise do auditório, posto que o argumento formal se apresenta como intrinsecamente válido e as suas premissas como necessariamente verdadeiras.

Os Elementos da Argumentação 

A Teoria da Argumentação de Perelman é uma reabilitação  da antiga arte retórica concebida por Aristóteles, mas, poderia parecer à primeira vista, uma simples reedição dos antigos ensinamentos do filósofo grego. 

Perelman afirmou que seu trabalho se tratava de uma nova visão acerca da antiga retórica, mantendo com relação a esta, basicamente a idéia de auditório (PERELMAN, 1996:7). O filósofo belga destaca alguns pontos de suma importância para o entendimento desta nova retórica. O discurso é compreendido como argumentação. Orador e auditório são, respectivamente, aquele que apresenta o discurso e aqueles a quem o discurso é dirigido (PERELMAN, 1996:7). 
 Perelman promove interessante construção ao estabelecer discurso, auditório e orador como elementos da argumentação, entendida aqui em sentido amplo, como método para provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que lhes são apresentadas (PERELMAN, 1996:4). 

Defende a idéia de que auditório e orador são elementos em profunda e constante ligação. O auditório determina o modo de proceder do orador enquanto o orador deve se adaptar às características do auditório, de modo a alcançar melhores resultados. Dessa maneira, poderemos afirmar  que a argumentação  desenvolve-se em função do  auditório. 

O orador, Perelman destaca a importância da constante adaptação do discurso aos destinatários, afirmando que cabe ao auditório o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores (PERELMAN, 1996:27). 

O auditório, entendido, a priori, como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação.
 A partir de sua extensão, Perelman e Olbrechts-Tyteca apresentam -nos três modelos:
 - o primeiro é o auditório universal, constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais. 
- O segundo é o auditorio particular, formado apenas pelo interlocutor a quem se dirige, entendido como um diálogo. 
- O terceiro é o auditório singular  que abrange o próprio sujeito, quando delibera consigo próprio, hipótese em que coincidem os elementos auditório e orador (PERELMAN, 1996:33-34). 


Referem-se estes tipos de auditorios à visualização física dos destinatários do discurso?
 Essa dimensão física é facilmente visualizada num discurso verbal, todavia, não é bem estabelecida  num discurso escrito. 
O exemplo clássico é o do escritor que publica um livro, mas não sabe ao certo, no momento da elaboração  ou publicação, quem é o seu auditório. 
 Um dos grandes problemas colocados à frente do orador é descobrir quem de fato são os seus destinatários, os quais são imprescindíveis para o processo de adaptação e construção. Essa construção do auditório, à luz dos destinatários, não se trata de inovação dos nossos tempos, já sendo visualizada em Aristóteles, Cícero e Quintiliano, demonstrando estes autores que o conhecimento daqueles a quem se dirige a argumentação é uma condição prévia para o desenvolvimento de uma argumentação eficaz (PERELMAN, 1996:23). 

O tipo  de auditório,  que parece sem grande importância, acaba por se tornar essencial na definição de uma estratégia argumentativa pautada na convicção ou persuasão. Apesar das críticas sobre a imprecisão destes conceitos, oportuna lição nos ensina Atienza, ao demonstrar a distinção entre persuadir e convencer no pensamento perelmaniano. 
Tendo em vista ao auditório que se pretende argumentar, considera o filósofo espanhol que 

“uma argumentação persuasiva, para Perelman, é aquela que só vale para um auditório particular, ao passo que uma argumentação convincente é a que se pretende válida para todo ser dotado de razão” (ATIENZA, 2006:63). 

Nesse sentido, quando ocorre uma argumentação perante um único ouvinte, encarado como auditório particular, deve-se optar por uma estratégia argumentativa persuasiva, todavia, se o destinatário é encarado como auditório universal, deve-se optar por uma estratégia pautada no convencimento. Acredita-se que o interesse maior do estudo da argumentação, seja a descoberta de técnicas argumentativas passíveis de se impor a todos os auditórios. Tal objetivo seria possível mediante um discurso pautado na objetividade, alcançando um modelo ideal de argumentação que se imporia a auditórios compostos por homens competentes ou racionais (PERELMAN, 1996:29). 

O Auditório Universal 

Tendo em vista que a própria concepção de auditório utilizada por Perelman deriva da definição tradicional de Aristóteles, especificamente, nessa parte, o filósofo belga inova em uma noção fundamental  de seu pensamento, ao estabelecer o conceito de auditório universal (Auditoire Universel). 

E que significa AUDITÓRIO UNIVERSAL?


Mediante a idéia de que é a partir dos destinatários que toda argumentação se desenvolve, ele destaca o auditório universal como um auditório “constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais” (PERELMAN, 1996:33-34) e continuando a   citar Perelman, destaca-se que este auditório 
“é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas oposições de que tem consciência” (PERELMAN, 1996:37). 

Assim, para ele, o auditório universal é tido como um limite a ser atingidoTodavia, apesar dessa importância, ele não nega a imprecisão do conceito, uma vez que cada cultura ou cada indivíduo poderão ter sua concepção acerca do auditório universal (PERELMAN, 1996:37). Essa idéia desempenha importante papel como objeto de discussão aqui proposto, pois além de promover o parâmetro ideal de visualização do destinatário, permite ainda ao orador, em seu exercício de adaptação com relação àquele, escolher entre duas estratégias argumentativas: persuadir ou convencer (ATIEZA, 2006:63), as quais por também serem fonte de imprecisões, são igualmente objeto de forte crítica por parte de outros autores.
A consideração do caráter ideal, atribuído ao conceito de auditório universalpermite a Atienza ver aspectos positivos e negativos. 
- Sob o aspecto positivo, o pensador espanhol concorda com Alexy e sua atribuição ideal ao conceito de auditório universal, situado como parâmetro de racionalidade e objetividade (ATIENZA, 2006:81), concordando com o papel central exercido pelo auditório universal. 
- sob o aspecto negativo, destaca a noção obscura desenvolvida, apontando para tanto, as críticas de Aulis Aarnio e Letizia Gianformaggio (ATIENZA, 2006:81) no entanto  Alexy contempla um papel importante  à Teoria da Argumentação de Perelman no campo normativo, uma vez que os destinatários, considerados sob a forma de auditório universal, somente se convencem mediante argumentos racionais. Nota-se que, a aproximação entre auditório universal, convencimento e racionalidade é novamente alvo de deliberação (ALEXY, 2005:168). 
Assim, de uma forma mais lúcida, acerca dessa ligação, assevera o mestre alemão que esse estado (o auditório universal) corresponde à situação ideal de fala Habermas. 

“O que em Perelman é o acordo do auditório universal, é em Habermas o consenso alcançado sob condições ideais” (ALEXY, 2005:170). 

Acerca da racionalidade na argumentação, citando Alexy, observa-se estreita relação com a busca pela universalidade, “o apelo a uma universalidade, visando à realização do ideal de comunidade universal é a característica da argumentação racional” (ALEXY, 2005:140). 
Concluindo, no entender  do filósofo alemão, este conceito de Perelman (auditório universal) não é uno, mas contempla duas visões: a primeira formando um auditório que os indivíduos ou uma sociedade representam para si próprios, e a segunda como a totalidade de seres humanos participantes do discurso. Sendo assim, será a concordância alcançada por parte do auditório universal, o critério de racionalidade e objetividade da argumentação, uma vez que o auditório universal só é convencido mediante argumentos racionais. Neste ponto, reside o caráter objetivo, alcançando-se uma validade para todo ser racional, consequentemente empreende-se uma argumentação racional, ao considerar que 

“cada homem crê num conjunto de fatos, de verdades, que todo homem ‘normal’ deve, segundo ele, aceitar, porque são válidos para todo ser racional” (PERELMAN, 1996:31). 


Persuadir e Convencer

No Tratado da Argumentação Chaïm Perelman e Olbrechts-Tyteca diferenciam os procedimentos argumentativos, com base nos objetivos do orador, afirmando que se o objetivo deste está em obter um resultado, persuadir é mais do que convencer, entretanto, se a preocupação do orador reside no caráter racional da adesão, convencer é mais que persuadir (PERELMAN, 1996:30). 

A argumentação pode ser desenvolvida mediante um processo de persuasão ou de convencimento, a opção por um processo ou outro, como já dito, deriva da concepção que o orador faz do auditório e de suas extensões. 

Nesse sentido, para uma melhor compreensão, as extensões já concebidas são divididas em dois modelos: o auditório particular e o auditório universal.
- O primeiro compreende a argumentação realizada perante um indivíduo, bem como aquela realizada pelo orador consigo próprio. 
- O segundo compreende o auditório sob aspectos ideais, formado por todos os seres humanos racionais. Com isso, busca o filósofo belga ligar uma estratégia argumentativa a um auditório específico, ao propor 

“chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo ser racional” (PERELMAN, 1996:31). 


Assim, observando as diferentes formas que assumem as argumentações perante auditórios diversos, é nítido que a adaptação do orador ao seu auditório, não se refere somente à escolha dos argumentos a serem utilizados, mas também às estratégias de argumentação que devem variar de acordo com o auditório a que se destina. 

 A visão de Perelman, ao estabelecer que do ponto de vista racional, convencer é mais que persuadir, tornando uma argumentação formulada sob os ditames do convencimento, mais próxima do ideal de objetividade e racionalidade, ligada ao auditório universal. Por isso há uma convergência entre as concepções de auditório universal e situação ideal de fala, como parâmetros ideais de objetividade e racionalidade. 

 Carlos Augusto Lima Vaz

Referências 

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do discurso racional 
como teoria da fundamentação jurídica. 02 ed.. São Paulo: Editora Landy, 2005. 
ATIENZA, Manuel. As razões do Direito – Teorias da Argumentação Jurídica. 03 ed. 
São Paulo: Editora Landy, 2006. 
PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação – A 
Nova Retórica. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996. 
TOLEDO, Cláudia. Teoria da Argumentação Jurídica. Revista Forense. São Paulo, vol. 
395, p. 613-625, jan./fev., 2008.

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