A Sofística
Após as
grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império persa, houve um triunfo
político da democracia, como acontece todas as vezes que o povo sente, de
repente, a sua força. E visto que o domínio pessoal, em tal regime, depende da
capacidade de conquistar o povo pela persuasão, compreende-se a importância
que, em situação semelhante, devia ter a oratória e, por conseguinte, os
mestres de eloqüência.
Os sofistas, àvidos de conquistar fama e riqueza no
mundo, tornaram-se mestres de eloqüência, de retórica, ensinando aos homens
ávidos de poder político a maneira de consegui-lo. Diversamente dos filósofos
gregos em geral, o ensinamento dos sofistas não era ideal, desinteressado, mas
sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino abraçava todo o saber, a
cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como meio para fins práticos
e empíricos e, portanto, superficial.
A época de ouro da
sofística foi - pode-se dizer - a segunda metade do século V a.C.
O centro foi
Atenas, a Atenas de Péricles, capital democrática de um grande império marítimo
e cultural. Os sofistas maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade,
continuando até depois de Sócrates, embora sem importância filosófica.
Protágoras foi o maior de todos, chefe de
escola e teórico da sofística.
A retórica é a arte de convencer os
outros pelo discurso, convencer de que a opinião apresentada é melhor e mais
justa.
A retórica nasceu no século V
a.C., na Sicília, e foi introduzida em Atenas pelo
sofista Górgias, desenvolvendo-se nos círculos políticos e judiciais
da Grécia antiga. A idéia original visava persuadir uma audiência dos mais
diversos assuntos, mas acabou por tornar-se sinônimo da arte de bem falar.
Os sofistas eram pensadores da Grécia
Antiga dos séculos IV V a.C. que praticavam a retórica. Eles ensinavam em
vários locais, viajando por várias cidades. O foco de seus ensinamentos
concentrava-se no logos ou discurso, com foco em estratégias de
argumentação.
Os mestres sofistas alegavam que podiam
“melhorar” seus discípulos. Eles ensinavam sobre vários conhecimentos: física,
química, geometria, medicina, astronomia, retórica, artes e a
filosofia em si.
Diferente de Sócrates que ensinava pela paixão, essas aulas
eram cobradas pelos cidadãos que queriam aprender, e era cobrado caro. A visão
de mundo dos sofistas era egoísta e utilitária diante dos problemas
práticos, o que opôs os sofistas ao
filósofo Sócrates e seus discípulos.
Os sofistas dominavam técnicas de
convencimento e discurso, a retórica, eles se preocupavam em dominar essas
técnicas de um modo que quem está ouvindo se convencesse rapidamente sobre o
que estavam discursando. Os sofistas não se preocupavam se aquilo que estavam
falando era vera verdade, porque o essencial para eles era conquistar a opinião
do público.
Ao contrário da maiêutica de
Sócrates, a retórica dos sofistas não se propunha a levar o interlocutor a
questionar-se sobre a verdade dos fatos, dos princípios éticos ou dos
sentimentos, mas buscava passar ao ouvinte ideologias que sejam aproveitáveis
para manipulação do povo.
Uma das mais famosas doutrinas
sofistas é a teoria do contra-argumento. Eles ensinavam que todo argumento
poderia ser contraposto por outro, e que a efetividade de um argumento
residiria na verossimilhança(aparência de verdadeiro, mas não
necessariamente verdadeiro) perante uma platéia. Defendiam a ideia de que a
verdade surgia pelo consenso dos homens.
O termo “sofista” tem uma conotação
pejorativa nos dias de hoje, mas na Grécia antiga os sofistas eram
profissionais muito bem remunerados e respeitados.
Para além de formar o homem,
a educação deve, sobretudo, formar o cidadão. A finalidade cívica da educação
passa, claramente, a primeiro plano.
É originariamente grega a ideia, tão
actual, de que a educação é a preparação para a cidadania.
Habitante da Pólis, o homem
só é o que é porque vive na cidade e sem ela não é nada. E o que diz respeito à
cidade, é comum, isto é, afecta a todos enquanto comunidade e afecta cada um
enquanto cidadão ou membro dessa comunidade. Neste sentido, é evidente que,
antes de mais, o homem é um político (zoon politikon), como bem o captou
Aristóteles, distinguindo-o, assim, do animal pela sua qualidade de cidadão; e
o Biós politikos, que é a forma própria e sublime da vida do homem como
habitante da pólis.
A consciência da cidadania
desde cedo faz sentir a necessidade de uma nova educação, uma vez que, a antiga
educação, com o seu receituário básico, simples e elementar de ginástica e
música, não servia para a formação do cidadão, nem correspondia às novas necessidades
individuais nem às novas exigências sociais e políticas.
Politicamente, a forma
democrática de organização do Estado foi a forma de governo escolhida pela
Cidade-Estado de Atenas. Ora, no estado democrático ateniense, a exigência de
todos os indivíduos enquanto homens livres, ou seja, cidadãos, participarem activamente
no Estado e na vida pública são deveres cívicos, e assim a participação nas
assembleias torna-se indispensável.
Neste contexto, compreende-se que tenha
surgido uma nova estirpe de "educadores", os sofistas - com o
estrondoso sucesso que se lhes conhece - que se apresentam como professores no
sentido actual do termo, (os primeiros professores da história) e que oferecem,
a troco de dinheiro (só por curiosidade, Protágoras pedia dez mil dracmas pelos
seus serviços!... Note-se que uma dracma representava o salário diário de um
operário qualificado...) o ensino da "virtude", o ensino da aretê
política ou, como também lhe chamam os sofistas, a technê política (technê, em
grego, significa técnica, ofício, habilidade, arte, ciência aplicada).
Os sofistas convertem, pois,
a educação numa técnica ou numa arte, na qual eles são mestres e, por isso,
capazes de a transmitirem e de a ensinarem. Assim os jovens, seus alunos, que
vierem a dominar a technê política alcançarão, a aretê política.
Mas esta technê política,
está em conexão com as finalidades práticas que se propõe - formação de homens
de Estado e de dirigentes da vida pública - e vai conduzir à valorização do
homem (cidadão individualmente considerado) e vai orientar-se num sentido
amoral ou mesmo imoral. Os seus contemporâneos vão acusar os sofistas de
imoralidade.
Deste modo, um homem situado
no coração da pólis, quer vencer na vida política, quer fazer valer os seus
interesses ou as suas convicções, quer ganhar um lugar de destaque, quer ser
eleito para cargos públicos, quer ser governante e aceder ao poder.
Para isso,
para ter êxito político, precisa de saber falar bem, de encantar o auditório,
de construir discursos persuasivos, de formular os argumentos que justifiquem e
validem as suas posições, fazendo-as prevalecer como as melhores.
Precisa,
pois, da arte sofística da oratória, da retórica e da dialéctica. Mas porque o
que é necessário é ter sucesso na vida pública e política, vencer a todo o
custo e a qualquer preço, e isso só é possível convencendo os outros das minhas
razões, retórica e dialéctica tornam-se armas potentíssimas que é preciso saber
esgrimir com perícia; técnicas cujo domínio permite utilizá-las segundo as
nossas conveniências, mas técnicas que se podem aplicar a qualquer conteúdo.
Ora, os artífices desta técnica são os sofistas, ("Sofistas e oradores são
a mesma coisa" PLATÃO, Górgias, 520b), pelo que o Górgias, condenando a
retórica que conduz à imoralidade, condena simultaneamente toda a sofística.
Não admira que os sofistas
venham a ser acusados de imoralidade, de administrar uma educação perversa e
pervertida, de corromper a juventude e de sublevar os valores tradicionais,
minando as bases da ordem social e da política estabelecida.
Para saber um pouco mais...
O palco dos sofistas? As
casas particulares, as aulas improvisadas... Os sofistas viajavam de cidade em
cidade à procura de alunos, levando consigo aqueles que já conseguiam
arrebanhar. Poderão eles ser considerados pensadores? Talvez apenas pedagogos,
educadores dos homens. Por um lado, educadores do espírito pela transmissão de
um saber enciclopédico; por outro, a formação do espírito nos seus diversos
campos. Um grande antagonismo espiritual... "Ao lado da formação meramente
formal do entendimento, existiu igualmente nos sofistas uma educação formal no
mais alto sentido da palavra, a qual não consistia já numa estruturação do
entendimento e da linguagem, mas partia da totalidade das forças espirituais. É
Protágoras quem a representa." Para este sofista, são a poesia e a música
as principais forças modeladoras da alma, assim como a gramática, a dialéctica
e a retórica. Sempre em busca da conquista de plateias, os sofistas procuravam
desenvolver o dom de pronunciar discursos convincentes e oportunos, usando
palavras decisivas e bem fundamentadas.
Os sofistas vinculam-se à
tradição educativa dos grandes poetas, desde Homero a Hesíodo, de Simónides a
Píndaro. Estes últimos tornaram a poesia no palco de uma discussão intensa
sobre educação, ao levarem o problema da possibilidade de ensinar a arete para
os seus poemas. Os sofistas fizeram o resto, fornecendo livros dos grandes
poetas aos seus discípulos e transportando para o seio da sua prosa artística
os mais diversos géneros de poesia moral e interpretando, metodicamente, os
grandes poetas, a cujos ensinamentos se vincularam afincadamente. No entanto,
esta interpretação era fria, imediata e intemporal. Os sofistas não embebiam o
poema em si, mas sim todo o conhecimento que este lhes pudesse transmitir. Para
eles, Homero é uma útil enciclopédia, onde figuram regras fulcrais para a vida
e todos os conhecimentos humanos, como a construção de carros, as
estratégias... "A educação heróica da epopeia e da tragédia é interpretada
de um ponto de vista francamente utilitário."
Para os sofistas, o uso dos
poemas justifica-se pelo facto de estes permitirem alcançar uma pronúncia e
dicção correcta das palavras
Acerca da Sofística
“O choque provocado pelos
sofistas – sucesso e escândalo – na sociedade ateniense foi profundo. Ele
reflecte-se na literatura da época, nomeadamente no teatro de Eurípides e de
Aristófanes, que desde os anos 430 para o primeiro e 420 para o segundo põem em
cena as múltiplas formas que a arte da palavra assume, maravilhando-se com o
poder do discurso e das inovações recentes introduzidas neste domínio, mas
denunciando os discursos demasiado hábeis e os professores de subtileza
argumentativa, empregando as palavras sophos, sophisma e sophistês. Textos
escritos mais tardiamente, mas referindo-se ao mesmo período do último terço do
século V, contêm um testemunho semelhante: em particular certos diálogos de
Platão, nos quais Sócrates conversa com os principais sofistas sobre retórica,
ou tal passagem de Tucídides que faz dizer a Cléon, em 427, que os Atenienses,
apaixonados pelas justas de palavras e por argumentos novos, importam os procedimentos
dos sofistas para a eloquência deliberativa e transformam esta em
política-espectáculo: «gentes dominadas pelo prazer de escutar», são, quando se
sentam na assembleia, «semelhantes mais a um público lá instalado para sofistas
do que a cidadãos que deliberam sobre a sua cidade» (Tucídides, III, 38, 7). A
atracção pedagógica que exerciam os professores de eloquência traduz-se no
topos da visita ao sofista, que consiste em mostrar um futuro aluno ansioso por
ser aceite pelo mestre e pronto a se lhe entregar com toda a confiança,
contanto que ele o ensine a falar (Aristófanes, Nuvens, 427 e ss.; Platão,
Protágoras, 312).
A convergência destes
textos, tão diferentes nos seus objectivos, atesta a amplitude das inovações
introduzidas pelos sofistas. Desde logo, a sofística e a retórica serão ligadas
para sempre no pensamento antigo, mesmo se a sofística não se reduz à retórica,
mesmo se numerosos oradores se recusam a ser apelidados de sofistas. Platão
insiste nisso não sem malícia: a despeito de todas as diferenças que podem ser
estabelecidas entre as duas categorias, «sofistas e oradores confundem-se,
misturam-se, sobre o mesmo domínio, em torno dos mesmos assuntos» (Górgias, 465
c, 520 a).
E de facto, com os sofistas, a palavra constitui-se em disciplina
autónoma e teorizada. O objecto «falar» foi isolado e torna-se em si mesmo
objecto de reflexão e de arte. Esta arte engloba as teorias sobre a persuasão e
sobre os fundamentos filosóficos do discurso, investigações técnicas (no
domínio da argumentação e do estilo), um ensino. Os discursos começaram a ser
publicados e não apenas pronunciados. O cadinho destas inovações foi Atenas,
onde todos os sofistas permaneciam mais ou menos longamente.”
Laurent Pernot, La rhétorique dans l'antiquité,
pp. 34-36.
(Adaptado)
O ensino
“A prática oratória
apoiava-se sobre um ensino muito activo. Numerosos eram os mestres de retórica
existentes em Atenas, desde os mais reputados aos mais modestos. Numerosas eram
as escolas, caracterizadas por níveis diferentes e finalidades diferentes. Podia
aprender-se a falar, como disse Platão, seja em vista da «arte» (tekhnê), seja
em vista da «educação» (paideia) (Protágoras, 312), quer dizer, seja a fim de
fazer da retórica uma profissão, seja de maneira desinteressada, a fim de se
instruir e de se cultivar. Os métodos eram certamente variados e em grande
parte orais. Pode facilmente imaginar-se que compreendiam lições teóricas,
estudos de casos, a aprendizagem de discursos modelos propostos pelo mestre,
exercícios práticos de composição, sobre assuntos reais ou fictícios, e ainda
justas entre estudantes, sem esquecer o treino do gesto e da voz.
A escola que conhecemos
melhor é a de Isócrates [...]. O ciclo de estudos durava até três ou quatro
anos. Os estudantes, vindos não apenas da Ática, mas de todo o mundo grego,
pagavam honorários elevados e ofereciam presentes, mediante os quais lhes eram
propostos dois modos de ensino. Primeiro, sobre o que o mestre chamava as
ideiai, palavra muito ampla que designa todas as «formas» do discurso, desde o
conteúdo (acusação, elogio, etc.) até às figuras de estilo, passando pelas
ideias, os temas e as formas de raciocínio, ou seja, todo o espectro da arte da
palavra. Depois a audição de discursos compostos pelo mestre, que eram
discutidos e explicados em comum, numa atmosfera de seminário [...]. Para além
dos preceitos técnicos, Isócrates considerava fornecer uma formação completa,
ao mesmo tempo intelectual e moral, em nome da convicção de que não é possível
falar bem sem pensar bem e ser um homem de bem. Realista, até mais não, o
mestre sublinhava que a educação não pode tudo e que ela não dá frutos, a menos
que encontre um terreno favorável: as lições e os exercícios devem apoiar-se
sobre os dons naturais. Os numerosos alunos saídos da escola de Isócrates
ilustram o carácter generalista duma educação que formou oradores, escritores
(como os historiadores Teopompo e Éforo), cidadãos activos nos negócios
públicos e homens políticos importantes, entre os quais o estratego Timóteo,
filho de Conon.
O ensino ateniense recorria
a textos escritos: discursos-modelos, recolhas de exórdios e de perorações, e
sobretudo a esses manuais ou tratados a que chamavam Tekhnai («Artes»,
subentendido «de retórica»). Os Tekhnai, na maior parte, incidiam sobre o
género judiciário; utilitários, forneciam os meios de compor sem esforço um
defensor.”
Laurent Pernot, La rhétorique dans l'antiquité,
pp. 60-61.
(Adaptado)
A Retórica
“Esta, dizíamos, é uma arte.
Este termo, tradução do grego technè, é ambíguo, e é-o mesmo duplamente. Primeiro,
porque designa igualmente bem um saber-fazer espontâneo como uma competência
adquirida pelo ensino. Em seguida, porque designa ora uma simples técnica, ora
pelo contrário o que na criação ultrapassa a técnica e pertence ao «génio» do
criador. Em qual ou em quais destes sentidos se pensa quando se diz que a
retórica é uma arte? Em todos.
Em primeiro lugar, existe
uma retórica espontânea, uma aptidão para persuadir pela palavra que não é
talvez inata — não entremos aqui neste debate —, mas que também não é devida a
uma formação específica; e, depois, uma retórica que se ensina, sob o nome, por
exemplo, de «técnicas de expressão e de comunicação», e que serve para formar
vendedores ou homens políticos, a ensinar-lhes o que outros vendedores, outros
homens políticos, parecem saber naturalmente.
Quais são os mais eficazes, quais
sabem «melhor como preceder»?
Sem dúvida os segundos. Mas nos segundos, tal
como nos primeiros, encontramos os mesmos procedimentos, intelectuais e
afectivos, estes procedimentos que fazem da retórica uma técnica.
Mas trata-se de uma simples
técnica? Não, trata-se de bem mais. O verdadeiro orador é um artista no sentido
em que descobre argumentos tanto mais eficazes quanto não os esperávamos,
figuras de que ninguém teria tido a ideia e que se revelam adequadas; um
artista cujos desempenhos não são programáveis e não se impõem senão mais
tarde. Les Provinciales de Pascal (sempre ele, mas em retórica é
incontornável!) dão um belo exemplo; onde os seus amigos jansenistas esperavam
uma argumentação técnica, que não teria deixado de ser enfadonha, Pascal
retomou as mesmas ideias sob a forma de um panfleto irónico, eficaz porque
claro e divertido, e que ainda nos diz respeito. A arte de persuadir criou bastantes obras-primas.”
Olivier Reboul, Introduction à la rhétorique, p.
6.
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