sábado, 17 de maio de 2014

Karl Popper e a indução


Karl Popper e a indução

Entrevista  a Karl Popper

Rai - Qual é o critério de cientificidade de uma teoria?

Popper — Nas minhas primeiras publicações propus como critério do carácter científico (ou empírico porque em inglês o termo "ciência" denota a ciência empírica) a falsificabilidade ou controlabilidade, isto é, a possibilidade de submeter a teoria a controlo. Procurei mostrar que a controlabilidade equivale à falsificabilidade. Uma teoria é controlável se existem ou podemos conceber testes que possam refutá-la. Trata-se de algo semelhante ao exame de um estudante. Um estudante é examinável se existem possíveis perguntas que permitam testar se não sabe nada ou se sabe o suficiente para passar no exame.
Falsificabilidade significa que uma teoria pode ser examinada e, no caso de não passar no exame, ser declarada falsa. Mas isto não significa que essa teoria seja de deitar para o caixote. Podemos de facto, corrigir a nossa teoria, modificá-la. E, por vezes as correcções, mesmo limitadas, podem fazer uma enorme diferença, pode acontecer que uma pequena correcção reforce de tal modo a teoria que ela acabe por explicar muito mais do que esperaríamos. O falsificacionismo pode conduzir, nos casos extremos, à rejeição total de uma teoria e, noutros casos, pode conduzir a um melhoramento extraordinário. Segundo a minha concepção, todos os testes ou controlos científicos, os experimentos, são tentativas de refutação.

Rai — Isso é verdade no que respeita a uma refutação conseguida. Mas e quando não conseguimos refutar ou provar a falsidade de uma teoria?

Popper - Se o teste não refutar a teoria, só podemos dizer que a teoria passou no exame. Não podemos dizer muito mais. Não tem grande significado o facto de a teoria passar numa certa prova. Significa simplesmente que nada nos obriga a abandonar a teoria e que, se até agora não a tínhamos levado muito a sério, é altura de o fazer. Mas isto não nos leva a muito. E muito menos a afirmar que a teoria seja verdadeira. O que podemos dizer é que a teoria foi controlada sem ser refutada e nada mais. Não podemos chamar "verificação" à passagem no exame ou teste a que a teoria foi submetida. À letra, o termo verificação significa tornar verdadeira uma teoria, "veri-ficar-la" (verificar vem do latim verum facere). Na realidade, não podemos "fazer verdadeira" nenhuma teoria, nem mesmo mostrar que é verdadeira. O único objectivo dos testes a que submetemos as teorias é o de falsificá- -las, não o de verificá-las.

Entrevista de Karl Popper à R. A. I. em 26 de Julho de 1989
no site da Enciclopedia Multimediale delle Scienze Filosofiche
http://www.emsf.rai.it/interviste/
(Adaptado)

Popper: a indução não é um procedimento científico

De acordo com uma tese que tem bastante aceitação — e a que aqui nos oporemos —, as ciências empíricas podem caracterizar-se pelo facto de empregarem os chamados "métodos indutivos": segundo esta tese, a lógica da investigação científica seria idêntica à lógica indutiva, ou seja, à análise lógica de tais métodos indutivos.
É vulgar chamar "indutiva" a uma inferência quando passa de enunciados singulares (chamados, às vezes, enunciados "particulares"), tais como descrições dos resultados de observações ou de experiências, para enunciados universais, tais como hipóteses e teorias.
Ora bem, de um ponto de vista lógico, está longe de ser óbvio que a inferência de enunciados universais a partir de enunciados particulares, por mais elevado que seja o seu número, esteja por si mesma justificada; pois qualquer conclusão a que cheguemos por esta via corre sempre o risco de um dia se tornar falsa: assim, seja qual for o número de exemplares de cisnes brancos que tenhamos observado, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes sejam brancos.
A obra de Hume devia ter mostrado claramente que o princípio da indução pode facilmente gerar incoerências que só poderemos evitar, se é que podemos — com muita dificuldade. […]
Acredito que a teoria — pelo menos alguma teoria ou expectativa rudimentar — vem sempre primeiro; que precede sempre a observação: e que o papel fundamental das observações e dos testes experimentais é mostrar que algumas das nossas teorias são falsas e, assim, estimular-nos a produzir outras melhores.
Consequentemente, afirmo que não partimos de observações, mas sempre de problemas — de problemas práticos ou de uma teoria que caiu em dificuldades. Uma vez que defrontemos um problema, podemos começar a trabalhar nele. Podemos fazê-lo por meio de tentativas de duas espécies: podemos prosseguir tentando primeiro supor ou conjecturar uma solução para o nosso problema; e podemos depois tentar criticar a nossa suposição, habitualmente fraca. Às vezes, uma suposição ou uma conjectura podem suportar por certo tempo a nossa crítica e os nossos testes experimentais. Mas, via de regra, logo descobrimos que as nossas conjecturas podem ser refutadas ou que não resolvem o nosso problema ou que só o solucionam em parte; e verificamos que mesmo as melhores soluções — aquelas capazes de resistir à crítica mais severa das mentes mais brilhantes e engenhosas — logo dão origem a novas dificuldades, a novos problemas. Assim, podemos dizer que o crescimento do conhecimento avança de velhos problemas para novos problemas, por meio de conjecturas e refutações.

Montagem e adaptação de textos de Karl POPPER,
Conhecimento Objectivo e A Lógica da Descoberta Científica.


In Blog Teorias e argumentos



  Lola


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