Karl Popper e a indução
Entrevista a
Karl Popper
Rai - Qual é o
critério de cientificidade de uma teoria?
Popper — Nas minhas
primeiras publicações propus como critério do carácter científico (ou empírico
porque em inglês o termo "ciência" denota a ciência empírica) a
falsificabilidade ou controlabilidade, isto é, a possibilidade de submeter a
teoria a controlo. Procurei mostrar que a controlabilidade equivale à
falsificabilidade. Uma teoria é controlável se existem ou podemos conceber
testes que possam refutá-la. Trata-se de algo semelhante ao exame de um
estudante. Um estudante é examinável se existem possíveis perguntas que
permitam testar se não sabe nada ou se sabe o suficiente para passar no exame.
Falsificabilidade
significa que uma teoria pode ser examinada e, no caso de não passar no exame,
ser declarada falsa. Mas isto não significa que essa teoria seja de deitar para
o caixote. Podemos de facto, corrigir a nossa teoria, modificá-la. E, por vezes
as correcções, mesmo limitadas, podem fazer uma enorme diferença, pode
acontecer que uma pequena correcção reforce de tal modo a teoria que ela acabe
por explicar muito mais do que esperaríamos. O falsificacionismo pode conduzir,
nos casos extremos, à rejeição total de uma teoria e, noutros casos, pode
conduzir a um melhoramento extraordinário. Segundo a minha concepção, todos os
testes ou controlos científicos, os experimentos, são tentativas de refutação.
Rai — Isso é
verdade no que respeita a uma refutação conseguida. Mas e quando não
conseguimos refutar ou provar a falsidade de uma teoria?
Popper - Se o teste
não refutar a teoria, só podemos dizer que a teoria passou no exame. Não
podemos dizer muito mais. Não tem grande significado o facto de a teoria passar
numa certa prova. Significa simplesmente que nada nos obriga a abandonar a
teoria e que, se até agora não a tínhamos levado muito a sério, é altura de o
fazer. Mas isto não nos leva a muito. E muito menos a afirmar que a teoria seja
verdadeira. O que podemos dizer é que a teoria foi controlada sem ser refutada
e nada mais. Não podemos chamar "verificação" à passagem no exame ou
teste a que a teoria foi submetida. À letra, o termo verificação significa
tornar verdadeira uma teoria, "veri-ficar-la" (verificar vem do latim
verum facere). Na realidade, não podemos "fazer verdadeira" nenhuma
teoria, nem mesmo mostrar que é verdadeira. O único objectivo dos testes a que
submetemos as teorias é o de falsificá- -las, não o de verificá-las.
Entrevista de Karl
Popper à R. A. I. em 26 de Julho de 1989
no site da
Enciclopedia Multimediale delle Scienze Filosofiche
http://www.emsf.rai.it/interviste/
(Adaptado)
Popper: a indução não é
um procedimento científico
De acordo com uma
tese que tem bastante aceitação — e a que aqui nos oporemos —, as ciências
empíricas podem caracterizar-se pelo facto de empregarem os chamados
"métodos indutivos": segundo esta tese, a lógica da investigação
científica seria idêntica à lógica indutiva, ou seja, à análise lógica de tais
métodos indutivos.
É vulgar chamar
"indutiva" a uma inferência quando passa de enunciados singulares
(chamados, às vezes, enunciados "particulares"), tais como descrições
dos resultados de observações ou de experiências, para enunciados universais,
tais como hipóteses e teorias.
Ora bem, de um
ponto de vista lógico, está longe de ser óbvio que a inferência de enunciados
universais a partir de enunciados particulares, por mais elevado que seja o seu
número, esteja por si mesma justificada; pois qualquer conclusão a que
cheguemos por esta via corre sempre o risco de um dia se tornar falsa: assim,
seja qual for o número de exemplares de cisnes brancos que tenhamos observado,
isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes sejam brancos.
A obra de Hume
devia ter mostrado claramente que o princípio da indução pode facilmente gerar
incoerências que só poderemos evitar, se é que podemos — com muita dificuldade.
[…]
Acredito que a
teoria — pelo menos alguma teoria ou expectativa rudimentar — vem sempre
primeiro; que precede sempre a observação: e que o papel fundamental das
observações e dos testes experimentais é mostrar que algumas das nossas teorias
são falsas e, assim, estimular-nos a produzir outras melhores.
Consequentemente,
afirmo que não partimos de observações, mas sempre de problemas — de problemas
práticos ou de uma teoria que caiu em dificuldades. Uma vez que defrontemos um
problema, podemos começar a trabalhar nele. Podemos fazê-lo por meio de
tentativas de duas espécies: podemos prosseguir tentando primeiro supor ou
conjecturar uma solução para o nosso problema; e podemos depois tentar criticar
a nossa suposição, habitualmente fraca. Às vezes, uma suposição ou uma
conjectura podem suportar por certo tempo a nossa crítica e os nossos testes
experimentais. Mas, via de regra, logo descobrimos que as nossas conjecturas
podem ser refutadas ou que não resolvem o nosso problema ou que só o solucionam
em parte; e verificamos que mesmo as melhores soluções — aquelas capazes de
resistir à crítica mais severa das mentes mais brilhantes e engenhosas — logo
dão origem a novas dificuldades, a novos problemas. Assim, podemos dizer que o
crescimento do conhecimento avança de velhos problemas para novos problemas,
por meio de conjecturas e refutações.
Montagem e
adaptação de textos de Karl POPPER,
Conhecimento
Objectivo e A Lógica da Descoberta Científica.
Lola
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