Especificidade da Filosofia
«Vivemos o nosso
quotidiano sem entendermos quase nada do Mundo. Reflectimos pouco sobre o
mecanismo que gera a luz solar e que torna a vida possível, a gravidade que nos
cola a uma Terra que de outro modo nos projectaria girando para o Espaço, ou
sobre os átomos de que somos feitos e de cuja estabilidade dependemos
fundamentalmente.
Exceptuando as crianças (que não sabem o
suficiente para não fazerem as perguntas importantes), poucos somos os que
dedicamos algum tempo a indagar porque é que a natureza é assim; de onde veio o
cosmos ou se sempre aqui esteve; se um dia o tempo fluirá ao contrário e os
efeitos irão preceder as causas; ou se haverá limites definidos para o
conhecimento humano. Há crianças, e conheci algumas, que querem saber como é o
aspecto dos “buracos negros”; qual é o pedaço de matéria mais pequeno; porque é
que nos lembramos do passado e não do futuro; como é que, se inicialmente havia
o caos, hoje existe, aparentemente, a ordem; e porque é que há um universo.
Ainda é habitual,
na nossa sociedade, os pais e os professores responderem à maioria destas
questões com um encolher de ombros, ou com um apelo aos preconceitos religiosos
vagamente relembrados. Alguns sentem-se pouco à vontade com temas como estes,
porque expressam vivamente as limitações da compreensão humana.
Mas grande parte da
filosofia e da ciência tem evoluído através de tais demandas. Um número
crescente de adultos querem responder a questões desta natureza, e
ocasionalmente obtêm respostas surpreendentes. Equidistantes dos átomos e das
estrelas, estamos a expandir os nossos horizontes de exploração para
abrangermos tanto o infinitamente pequeno como o infinitamente grande.»
Sagan, Carl, “Introdução”, in Uma Breve
História do Tempo, de Stephen Whawking, Lisboa, Círculo de Leitores,
1988, pp. 11-12.
Radicalidade
«A filosofia poderá
ser perspectivada como uma reflexão radical sobre a realidade,
sobre o homem e sobre o mundo.
Como reflexão
radical a filosofia situa-se no plano de uma racionalidade interpretativa e
explicativa. Esta racionalidade interpretativa e explicativa implica que as
posições assumidas não se alicercem em crenças ou meras opiniões mas se
enraízem numa fundamentação que [...] lhes confira uma justificação
consistente.
Por consequência,
no âmbito da filosofia não terão sentido atitudes dogmáticas, visto que a
dogmatização [...] envolverá necessariamente a ausência de uma fundamentação
aberta.»
Sousa, M. C. H. de, As Ilusões da Razão,
Porto, Brasília Editora, pp. 17-18.
Universalidade
«Todos sentimos,
desde a infância, necessidade de explicar o universo. E construir uma imagem do
mundo, compreender como se ordenam todas as coisas em nós e à nossa volta, tem
sido sempre a história, o germe e a fonte de toda a filosofia. O homem nunca renuncia
ao desejo de conhecer. [...]. A filosofia não é mais do que a
tentativa, sempre renascente, do homem que procura explicar a si mesmo a
situação que ocupa no universo. [...]
O filósofo traz a
esta ânsia de explicação, a sua curiosidade, o seu amor pela certeza
intelectual e o seu gosto pela perfeição moral. [...]
O filósofo resume a
sua época, mas o seu pensamento não fica encerrado apenas dentro dele. O pensamento de
um filósofo é mais uma antecipação do futuro do que o comentário do presente; e
logo faz parte do próprio futuro porque contribui directamente para o
construir.»
Ducassé, P., As grandes Correntes da Filosofia,
Lisboa,
Publ. Europa-América, 6ª edição, s.d., pp. 5-6.
Autonomia
«Que é então
filosofia? Comecemos por dizer o que ela não é.Filosofia não é religião, não
é ciência — como a físico-química, a matemática, a biologia, a
astronomia, etc. — não é arte, não é o «espírito» de tal ou
qual raça, de tal ou qual povo — se é que esse «espírito» chega, de
facto, a ser alguma coisa, — não é sensibilidade — geral de
uma época ou peculiar de uma gens —, não é folclore —
isso muito menos — não é sequer, finalmente e em rigor, nem visão do mundo (Weltanschauung) nem
história da filosofia.
Filosofia não é religião. O
princípio desta, consideradas as coisas um pouco grosso modo, é a
autoridade e o seu objecto o «sagrado»; o princípio daquela a razão —
considere-se o termo na máxima latitude possível — e o seu objecto o ser —
considere-se ainda o termo na máxima latitude possível. [...]
Filosofia não é
ciência no sentido em que o são, por exemplo, a físico-química, a matemática, a
biologia, etc. Diferem pelo objecto e pelo método. [...] Filosofia
não é arte. Quer esta última palavra se empregue no
sentido antigo de tecnh, quer no sentido
mais moderno e mais restrito de «produção da beleza pela acção do ser
consciente». A razão está em que a arte se realiza, à raiz, no singular e no
concreto, ao passo que a filosofia pressupõe, sempre, o universal e um
certo abstracto. [...]
Filosofia é saber.
Um saber geral e gerante; um saber universal e universalizante; um saber que se
formula, actu, — ou seja formulável — numa certa ordem coerente de
sistema ou, ao menos, de temas maiores (imagem arquitectónica ou musical); um
saber reflexo, simultaneamente anterior e posterior às outras formas do saber:
anterior porque, fundando-se, as funda; posterior, em parte certamente, porque
reflexo».
ANTUNES, Manuel, “Haverá filosofias nacionais?”
in Brotéria. Revista Contemporânea de Cultura, tomo 64, 1957,
pp. 42-61
Lola
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