Acção é acontecimento?
Define-se por vezes uma acção como o fazer intencional
de alguém.
O fenómeno da acção humana deve a sua importância tanto a questões
sobre o estatuto metafísico dos agentes, como a questões éticas e legais sobre
a liberdade e responsabilidades humanas.
Recentemente, muitos filósofos
pensaram que uma explicação (do fenómeno) da acção devia passar por uma
explicação das acções (enquanto acontecimentos).
Quando se define uma acção
como o fazer intencional de alguém, as acções são entendidas como um género de
acontecimento, sendo estes entendidos como particulares que podem ser descritos
de múltiplas maneiras.
Deste ponto de vista, o movimento dos dedos de Jane no
teclado, que resulta em sons de piano, é o acto de tocar piano
da Jane. Assim, Jane faz duas coisas — movimenta os seus dedos e toca piano —
apesar de haver aqui apenas uma acção. Tipicamente, quem faz algo faz várias
coisas "ligadas", cada uma das quais é feita fazendo outra
ou ao fazer outra. [Chama-se "acção básica" ao que
se faz directamente, e não fazendo outra coisa; o movimento dos dedos de Jane
no piano constitui uma acção básica; tocar piano, não.] De acordo com a
definição, para existir uma acção uma pessoa só tem de ter feito
intencionalmente pelo menos uma das coisas que fez. Assim, quando Jane acorda
os vizinhos isso pode ser uma acção, ainda que não os tenha acordado
intencionalmente: é uma acção se os acordou porque estava a tocar piano e se
estava a tocar piano intencionalmente. [Ainda que não os tenha acordado
intencionalmente, acordá-los é uma acção de Jane.]
Quando se combina esta definição com a ideia que é ao
mover os seu corpo que uma pessoa faz algo, afirma-se que as acções
são movimentos corporais: toda a acção é um acontecimento de uma pessoa
movimentar o seu corpo (todo ou em parte).
A definição não é incontroversa. Alguns filósofos
(como Goldman) negam que uma pessoa fazer uma coisa possa ser o mesmo do que
ela fazer outra; pensam que os acontecimentos devem ser "estritamente
individuados", e não "latamente individuados", de modo que só
algumas acções, mas não todas, são movimentos corporais.
Outros filósofos negam
que as acções sejam acontecimentos, de todo em todo: ou pensam que não há
acontecimentos particulares, ou aceitam a existência de acontecimentos mas
declaram que as acções não são acontecimentos.
Mesmo um proponente da definição aceita que ela não
abrange todos os casos em que se podem fazer atribuições de acção responsável.
1. Pode-se dizer que uma pessoa fez algo ao manter-se
totalmente quieta — não ocorrendo, aparentemente, quaisquer acontecimentos. Em
tais casos, parece intuitivamente correcto dizer que há uma acção particular só
se a pessoa ficouintencionalmente quieta. Assim, pode-se ainda
pensar que "fazer algo intencionalmente" é a marca da acção: pode-se
pensar que a definição original está basicamente correcta, mas tem de se
admitir que nem sempre há um acontecimento quando há uma acção particular, e
que nenhuma ligação completamente geral existe entre as acções e os movimentos
corporais.
2. Uma pessoa pode ser responsável por fazer algo que
não fez intencionalmente: por exemplo, quando ela dá origem a um fogo ao deitar
fora, descuidadamente, o seu cigarro acesso. Para abranger casos como este, são
necessários mais recursos do que a palavra "intencionalmente". Mas uma
elucidação complementar de "intencionalmente" pode pôr a nu uma série
de conceitos que podem por sua vez iluminar uma concepção lata da acção
responsável.
Pode-se argumentar que quando uma pessoa faz algo
intencionalmente isso resulta sempre de essa pessoa ter uma crença qualquer e
um desejo, que conjuntamente constituem a razão que ela tem para fazer o que
fez.
A definição de acção pode então ser parte de uma perspectiva de acordo com
a qual é um certo género de história causal que distingue as acções de outros
acontecimentos. Esta perspectiva caiu em descrédito nas décadas de cinquenta e
sessenta do séc. XX, mas a sua credibilidade foi entretanto restabelecida. Esta
perspectiva tem muitas variantes. Numa versão empirista tradicional, toda a
acção é causada por uma volição.
Por vezes, a versão tradicional é substituída
pela tese de que toda a acção é em si o acontecimento de alguém tentar fazer
algo: a sugestão é que uma pessoa é levada a tentar fazer o que tem razões para
fazer e, então, quando a sua tentativa tem realmente o efeito que ela quer,
como acontece geralmente, é ela que faz isso intencionalmente.
Apresentar as razões de uma pessoa é uma questão de
dizer por que razão ela fez o que fez, de modo que a ideia de
que há um tipo especial de explicação — a explicação de acções — entra em jogo
quando se concebem as acções como o resultado de alguém ter razões. [E é um
problema filosófico adicional saber qual é a diferença, se existir alguma,
entre ter razões para fazer algo e ser causado a fazer algo.]
Introduz-se
também a ideia de que há um tipo especial de raciocínio a partir da qual se
gera a acção — o raciocínio, deliberação ou razão prática, a explicação do qual
exige compreender (pelo menos) a crença, o desejo, a valorização, a intenção e
a escolha.
Jennifer Hornsby
Birkbeck College, Universidade de Londres
Tradução de Desidério Murcho
Texto retirado de Oxford
Companion to Philosophy,
org. por Ted Honderich (OUP, 1995)
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