segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Voluntário e involuntário em Aristóteles





Voluntário e involuntário em Aristóteles


" Visto que a virtude se relaciona com paixões e ações, e é às paixões e ações voluntárias que se dispensa louvor e censura, enquanto as involuntárias merecem perdão e às vezes piedade, é talvez necessário a quem estuda a natureza da virtude distinguir o voluntário do involuntário. Tal distinção terá também utilidade para o legislador no que tange à distribuição de honras e castigos.

São, pois, consideradas involuntárias aquelas coisas que ocorrem sob compulsão ou por ignorância; e é compulsório ou forçado aquilo cujo princípio motor se encontra fora de nós e para o qual em nada contribui a pessoa que age e que sente a paixão — por exemplo, se tal pessoa fosse levada a alguma parte pelo vento ou por homens que dela se houvessem apoderado.
Mas, quanto às coisas que se praticam para evitar maiores males ou com algum nobre propósito (por exemplo, se um tirano ordenasse a alguém um ato vil e esse alguém, tendo os pais e os filhos em poder daquele, praticasse o ato para salvá-los de serem mortos), é discutível se tais atos são voluntários ou involuntários. Algo de semelhante acontece quando se lançam cargas ao mar durante uma tempestade; porque, em teoria, ninguém voluntariamente joga fora bens valiosos, mas quando assim o exige a segurança própria e da tripulação de um navio, qualquer homem sensato o fará.
Tais atos, pois, são mistos, mas assemelham-se mais a atos voluntários pela razão de serem escolhidos no momento em que se fazem e pelo fato de ser a finalidade de uma ação relativa às circunstâncias. 

Ambos esses termos, "voluntário" e "involuntário", devem portanto ser usados com referência ao momento da ação.

Ora, o homem age voluntariamente, pois nele se encontra o princípio que move as partes apropriadas do corpo em tais ações; e aquelas coisas cujo princípio motor está em nós, em nós está igualmente o fazê-las ou não as fazer.
 Ações de tal espécie que ninguém as escolheria por si mesmas.
Por ações dessa espécie os homens são até louvados algumas vezes, quando suportam alguma coisa vil ou dolorosa em troca de grandes e nobres objetivos alcançados; no caso contrário são censurados, porque expor-se às maiores indignidades sem qualquer finalidade nobre ou por um objetivo insignificante é próprio de um homem inferior.
Algumas ações, em verdade, não merecem louvor, mas perdão, quando alguém faz o que não deve sem sofrer uma pressão superior às forças humanas e que homem algum poderia suportar. 

Mas há talvez atos que ninguém nos pode forçar a praticar e a que devemos preferir a morte entre os mais horríveis são, por conseguinte, voluntárias, mas em abstrato talvez sejam involuntárias, pois sofrimentos; e os motivos que "forçaram" o Alcmêon de Eurípides a matar a própria mãe nos parecem absurdos. É por vezes difícil determinar o que se deveria escolher e a que custo, e o que deveria ser suportado em troca de que vantagem; e ainda mais difícil é permanecer firme nas resoluções tomadas, pois por via de regra o que se espera é doloroso e o que somos forçados a fazer é vil; donde serem objeto de louvor e censura aqueles que foram ou que não foram compelidos a agir.






Que espécie de ações se devem, pois, chamar forçadas? Respondemos que, sem ressalvas de qualquer espécie, as ações são forçadas quando a causa se encontra nas circunstâncias exteriores e o agente em nada contribui. Quanto às coisas que em si mesmas são involuntárias, mas, no momento atual e devido às vantagens que trazem consigo, merecem preferência, e cujo princípio motor se encontra no agente, essas são, como dissemos, involuntárias em si mesmas, porém, no momento atual e em troca dessas vantagens, voluntárias. E têm mais semelhança com as voluntárias, pois que as ações sucedem nos casos particulares e, nestes, são praticadas voluntariamente. 

Que espécies de coisas devem ser preferidas, e em troca de quê? Não é fácil determiná-lo, pois existem muitas diferenças entre um caso particular e outro.
Se alguém afirmasse que as coisas nobres e agradáveis têm um poder compulsório porque nos constrangem de fora, para ele todos os atos seriam compulsórios e forçados, pois tudo que fazemos tem essa motivação. E os que agem forçados e contra a sua vontade, agem com dor, mas os que praticam atos por sua satisfação própria ou pelo que aqueles têm de nobre fazem-no com prazer.

É absurdo responsabilizar as circunstâncias exteriores e não a si mesmo, julgando-se facilmente arrastado por tais atrativos, e declarar-se responsável pelos atos nobres enquanto se lança a culpa dos atos vis sobre os objetos agradáveis.
O compulsório parece, pois, ser aquilo cujo princípio motor se encontra do lado de fora, para nada contribuindo quem é forçado.






Tudo o que se faz por ignorância é não-voluntário, e só o que produz dor e arrependimento é involuntário. Com efeito, o homem que fez alguma coisa devido à ignorância e não se aflige em absoluto com o seu ato não agiu voluntariamente, visto que não sabia o que fazia; mas tampouco agiu involuntariamente, já que isso não lhe causa dor alguma. E assim, das pessoas que agem por ignorância, as que se arrependem são consideradas agentes involuntários, e as que não se arrependem podem ser chamadas agentes não-voluntários, visto diferirem das primeiras; em razão dessa própria diferença, devem ter uma denominação distinta.






Agir por ignorância parece diferir também de agir na ignorância, pois do homem embriagado ou enfurecido diz-se que age não em resultado da ignorância, mas de uma das causas mencionadas, e contudo sem conhecimento do que faz, mas na ignorância.
Ora, todo homem perverso ignora o que deve fazer e de que deve abster-se, e é em razão de um erro desta espécie que os homens se tornam injustos e, em geral, maus. Mas o termo "involuntário" não é geralmente usado quando o homem ignora o que lhe traz vantagem — pois não é o propósito equivocado que causa a ação involuntária (esse conduziria antes à maldade), nem a ignorância do universal (pela qual os homens são passíveis de censura), mas a ignorância dos particulares, isto é, das circunstâncias do ato e dos objetos com que ele se relaciona. São justamente esses que merecem piedade e perdão, porquanto a pessoa que ignora qualquer dessas coisas age involuntariamente.
Talvez convenha determinar aqui a natureza e o número de tais atos. Um homem pode ignorar quem ele próprio é, o que está fazendo, sobre que coisas ou pessoas está agindo, e às vezes também qual é o instrumento que usa, com que fim (pode pensar, por exemplo, que está protegendo a segurança de alguém) e de que maneira age (se com brandura ou com violência, por exemplo).
Ora, nenhuma destas coisas um homem pode ignorar, a não ser que esteja louco, e também é claro que não pode ignorar o agente, pois como é possível desconhecer a si mesmo? Mas é possível ignorar o que se está fazendo: costumamos dizer, com efeito, "ele deixou escapar estas palavras sem querer", ou "não sabia que se tratava de um segredo", como se expressou Esquilo a respeito dos mistérios, ou como aquele homem que disparou a catapulta e desculpou-se alegando que só queria mostrar o seu funcionamento e ela disparara por si.
Também é possível confundir nosso filho com um inimigo, como ocorreu com Mérope, ou pensar que uma lança pontiaguda tem a ponta embotada, ou que uma pedra é pedra-pomes; e pode-se dar a um homem uma poção para curá-lo, e ao invés disso matá-lo; e também ferir um adversário quando se pretende apenas tocá-lo, como acontece no pugilato.






A ignorância pode relacionar-se, portanto, com qualquer dessas coisas — isto é, qualquer das circunstâncias do ato; e do homem que ignorava uma delas diz-se que agiu involuntariamente, sobretudo se ignorava os pontos mais importantes, que, na opinião geral, são as circunstâncias e a finalidade do ato. Além disso, a prática de um ato considerado involuntário em virtude de uma ignorância desta espécie deve causar dor e trazer arrependimento.

Como tudo o que se faz constrangido ou por ignorância é involuntário, o voluntário parece ser aquilo cujo princípio motor se encontra no próprio agente que tenha conhecimento das circunstâncias particulares do ato. É de presumir que os atos praticados sob o impulso da cólera ou do apetite não mereçam a qualificação de involuntários. Porque, em primeiro lugar, se fossem tais, nenhum dos outros animais agiria voluntariamente, e as crianças tampouco; e, em segundo lugar, seria o caso de perguntar se o que se entende por isso é que não praticamos voluntariamente nenhum dos atos devidos ao apetite ou à cólera, ou se praticamos voluntariamente os atos nobres e involuntariamente os vis. 

Não é absurdo isso, quando a causa é uma só e a mesma? Inegavelmente, seria estranho qualificar de involuntárias as coisas que devemos desejar; e é certo que devemos encolerizar-nos diante de certas coisas e apetecer outras: por exemplo, a saúde e a instrução.

Por outro lado, o involuntário é considerado doloroso, mas o que está de acordo com o apetite é agradável. Ainda mais: qual a diferença, no que tange à involuntariedade, entre os erros cometidos a frio e aqueles em que caímos sob a ação da cólera? Ambos devem ser evitados, mas as paixões irracionais não são consideradas menos humanas do que a razão; por conseguinte, também as ações que procedem da cólera ou do apetite são ações do homem. Seria estranho, pois,tratá-las como involuntárias."



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http://portalgens.com.br/portal/images/stories/pdf/aristoteles_etica_a_nicomaco_poetica.pdf




                                               Lola

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