quarta-feira, 4 de março de 2015

Desobediência civil e democracia










Desobediência civil e democracia



E em estados ditos democráticos justifica-se a desobediência civil? 

As sociedades ditas livres ou abertas são aquelas que procuram evitar abusos de poder negando a qualquer ser humano — governante ou governado, privilegiado ou desfavorecido — o direito de estar acima da lei. Mas as leis podem ser injustas e repressivas e as próprias sociedades democráticas não parecem estar imunes a esta crítica. Ora, nessas ocasiões é habitual verificar-se um desacordo entre a legalidade vigente e os princípios da consciência moral dos indivíduos. Estes não reconhecem legitimidade a uma determinada lei (ou a várias), não a consideram em conformidade com valores morais fundamentais. Assim, a legitimidade ou não das leis define-se em função dos valores que estão na sua base.

«Algumas pessoas argumentam que a violação da lei nunca se pode justificar: se não estamos satisfeitos com a lei, devemos tentar mudá-la através dos meios legais, como as campanhas, a redacção de cartas, etc. Mas há muitos casos em que tais protestos legais são completamente inúteis. Há uma tradição de violação da lei em tais circunstâncias conhecida por desobediência civil. A ocasião para a desobediência civil emerge quando as pessoas descobrem que lhes é pedido que obedeçam a leis ou a políticas governamentais que consideram injustas. A desobediência civil trouxe mudanças importantes no direito e na governação. Um exemplo famoso é o movimento das sufragistas britânicas, que conseguiu publicitar o seu objectivo de dar o voto às mulheres através de uma campanha de desobediência civil pública que incluía o auto-acorrentamento das manifestantes. A emancipação limitada foi finalmente alcançada em 1918, quando foi permitido o voto às mulheres com mais de 30 anos, em parte devido ao impacto da Primeira Guerra Mundial. No entanto, o movimento das sufragistas desempenhou um papel significativo na mudança da lei injusta que impedia as mulheres de participar em eleições supostamente democráticas. Mahatma Gandhi e Martin Luther King foram ambos defensores apaixonados da desobediência civil. O desafio de Martin Luther King ao preconceito racial através de métodos análogos aos de Ghandi ajudou a garantir direitos civis básicos para os Negros americanos nos estados americanos do Sul. Outro exemplo de desobediência civil está patente na recusa de alguns americanos em participarem na Guerra do Vietname, apesar de serem requisitados pelo governo. Alguns americanos justificaram esta atitude afirmando acreditar que matar é moralmente errado, pensando por isso que era mais importante violar a lei do que lutar e possivelmente matar outros seres humanos. Outros havia que não objectavam a todas as guerras, mas sentiam que a guerra no Vietname era injusta e que sujeitava os civis a grandes riscos, sem nenhuma boa razão. A dimensão da oposição à guerra no Vietname acabou por conduzir os Estados Unidos à retirada. Sem dúvida que a violação pública da lei alimentou esta oposição. A desobediência civil corresponde a uma tradição de violação não violenta e pública da lei, concebida para chamar a atenção para leis ou políticas injustas. Os que agem nesta tradição de desobediência civil não violam a lei unicamente para seu benefício pessoal; fazem-no para chamar a atenção para uma lei injusta ou uma política moralmente objectável e para publicitar ao máximo a sua causa. Por isso é que estes protestos ocorrem habitualmente em lugares públicos, de preferência na presença de jornalistas, fotógrafos e câmaras de televisão».

Nigel Warburton, Elemento Básicos de Filosofia, Gradiva, pp. 132-133

A desobediência civil revela-nos que há uma diferença que nunca deve ser esquecida entre obrigação moral e obrigação política ou jurídica, isto é, uma diferença entre os direitos das pessoas e os deveres dos cidadãos. Em suma, mostra-nos que não somos somente cidadãos, somos também pessoas. Contudo, estas considerações não impedem que seja um procedimento polémico.


In Plàtano Editora






                                                Lola


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