Kant: O Belo e o Sublime
Aquele cujo sentimento pertence
ao melancólico não é assim chamado por privar-se das alegrias da vida, por
afligir-se numa sombria melancolia, mas porque os seus sentimentos, caso
ultrapassem um determinado grau ou tomem uma direção equivocada em função de
certas razões, se reportam mais facilmente àquele estado que a outros. Ele
possui sobretudo um sentimento do sublime. Mesmo a beleza, da qual sem dúvida
possui o sentimento, precisa não apenas estimulá-lo, mas antes, visto que ao
mesmo tempo lhe inspira admiração, também deve comovê-lo. Embora desfrute de
contentamentos com mais austeridade, não o faz de maneira inferior. Todas as
comoções do sublime possuem em si mais encanto do que as atrações volteantes do
belo. Seu bem-estar consistirá mais em felicidade que em alegria. Ele é
constante. Para isso, subordina seus sentimentos a princípios. Aqueles são
tanto menos submetidos à inconstância e à mudança quanto mais universal é o
princípio ao qual se subordinam e, portanto, quanto mais abrangente é o
sentimento elevado, que compreende em si os sentimentos inferiores. Todos os
fundamentos particulares das inclinações encontram-se submetidos a muitas
exceções e modificações, caso não sejam derivados de tal princípio superior. O
bem disposto e amistoso Alceste diz: Amo e aprecio a minha mulher, pois é bela,
carinhosa e esperta. Como, porém, amá-la, se fosse desfigurada pela doença, se
tornasse rabugenta com a idade, e, depois de passado o primeiro momento de
admiração, não parecesse mais esperta do que qualquer outra? O que pode
resultar da inclinação, quando o fundamento já não está presente? Tomai, em
contrapartida, o benevolente e firme Adrasto, que diz a si mesmo: Dispensarei
amor e respeito a essa pessoa, pois é minha mulher. Esse caráter é nobre e generoso.
Seja lá como for que se modifiquem os atrativos de ocasião, ela permanece
sempre sua mulher. Mantém-se o fundamento nobre, sem que esteja submetido à
inconstância das coisas exteriores. Tal é a natureza dos princípios em
comparação com as disposições que nos exaltam apenas em ocasiões especiais, e
assim é o homem de princípios, oposto àquele acidentalmente impulsionado por um
movimento bondoso e amoroso. Se, porém, a voz secreta de seu coração sussurrar:
"Preciso ajudar aquele homem, pois ele sofre; não porque seja meu amigo ou
conhecido, ou porque o saiba capaz de retribuir com gratidão ao benefício. Não
é hora de raciocinar e se demorar em perguntas: ele é um homem, e o que
acontece a um homem também me diz respeito". Nesse caso, o seu comportamento
tem por base o mais elevado fundamento da benevolência na natureza humana, e é
sumamente sublime, quer por sua inalterabilidade, quer pela universalidade da
sua aplicação.
Prossigo com minhas observações.
O homem com uma disposição de ânimo melancólica pouco se preocupa com o que
outros julgam bom ou verdadeiro, tomando por base apenas a própria convicção.
Porque nele os fundamentos de ação assumem a natureza de princípios, não é
fácil inculcar-lhe outros pensamentos. A sua firmeza, ocasionalmente, também
degenera em teimosia. Vê a mudança das modas com indiferença, o seu brilho, com
desprezo. A amizade é sublime e, por isso, é própria para o seu sentimento. Ele
pode talvez perder um amigo volúvel; este, porém, não o perde tão facilmente.
Mesmo a recordação de uma amizade passada lhe é digna de veneração. A
conversação é bela, o silêncio pensativo é sublime. Sabe muito bem guardar
segredos, seus ou alheios. A sinceridade é sublime, e ele odeia mentiras ou
fingimento. Possui um elevado sentimento da dignidade da natureza humana.
Aprecia-se a si mesmo, e tem o ser humano como criatura que merece respeito.
Não tolera nenhuma subserviência abjeta, e seu nobre coração respira a
liberdade. Todas as correntes, das douradas que se carregam na corte aos
pesados ferros das galeras de escravos, lhe são abomináveis. É um severo juiz
de si próprio e dos outros, e não raramente se vê enfastiado do mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário