do mundo
Peter Singer é um filósofo polêmico por pedir coerência prática com o
que pensamos e o que dizemos defender. Se amamos os animais, por que os
comemos? Se colocamos o valor da vida acima dos objetos, por que gastamos tanto
comprando tais objetos em vez de ajudarmos instituições de caridade?
Em entrevista ao Cambrige Tab,
Singer nos confronta com uma conclusão: nossa ideia de certo e errado parte de
nosso repertório pessoal de atitudes - e aquilo que não fazemos é simplesmente
negligenciado: o que fazemos é correto e o que não fazemos não existe.
Cambridge Tab: É o conceito de caridade mal interpretado atualmente?
Peter Singer: Creio que o
grande erro é a caridade não ser obrigatória. Minha luta é fazer com que as
pessoas percebam que é algo essencial para uma vida ética. Presumindo que elas
possuam uma renda adequada – que possibilite gastos extras – estou tentando
mostrar que o altruísmo é tão importante para a vida ética quanto o “não
matar".
Cambridge Tab: Qual o problema com a ideia de moral convencional?
Peter Singer: As pessoas tendem a determinar
o que é certo e errado com base no que elas fazem e acabam negligenciando o que
elas não fazem. Quando o simples fato de permitimos o acontecimento de coisas
pode trazer consequências muito mais sérias do que as infrações a regras morais
que muitos acreditam ser relevantes.
Cambridge Tab: existe altruísmo demais?
Peter Singer: Penso que existe
um nível além do que você gostaria de ir sim. É um nível extremo, sendo que
temos tanto em meio a pessoas com tanta necessidade. Mas, não acho que este
seja o padrão a ser pedido numa sociedade que dá tão pouco. É melhor trabalhar
dentro de um campo mais alcançável de ação. Giving what we can [ONG criada pelo
filósofo australiano Toby Ord, da qual Singer é membro] argumenta em favor da
doação dos básicos 10%. No meu livro, A vida que podemos salvar [no
Brasil, pela editora Gradiva], existe um ideal diferente, que inicia mais baixo
e termina mais alto e que depende do quanto você ganha. Felizmente, uma vez que
as pessoas começam algo significativo, elas descobrem que não é difícil, que é
até recompensador, e constroem seus caminhos em direção a isso.
Cambridge Tab: Como você define uma carreira bem-sucedida?
Peter Singer: É a carreira da qual o mundo
mais se beneficia. Sua carreira é algo que demanda muito da sua energia e tempo
– 80 mil horas – e, portanto, devemos ser conscientes de optarmos por sermos
agentes de mudança significativa, e esperarmos satisfação e bem-estar de nossas
carreiras. Mas, este é um conselho geral; a decisão depende também de aptidões
individuais.
Cambridge Tab: A busca por altruísmo efetivo em me tornar um
agente financeiro é fundamentalmente contraditório?
Peter Singer: De certa forma,
precisamos aceitar o argumento de Will Crouch [filósofo britânico ligado ao
altruísmo efetivo]: se você não se tornar um altruísta, alguém o fará e terá o
mesmo impacto que você teria. Se você não se tornar um agente financeiro em
busca de altruísmo efetivo, alguém se tornará um agente financeiro no seu lugar
e causará o mesmo dano que você teria causado, mas sem doar nada.
Cambridge Tab: O altruísmo efetivo dá ênfase à razão. Quais são os
perigos de uma racionalidade excessiva?
Peter Singer: Se seguirmos minha posição
logicamente, diremos que é errado gastarmos mais com nós mesmos, com nossos
filhos ou com um parente doente em vez de darmos para pessoas que necessitam
mais do que nós. Mas, o que sugiro é que devemos tentar que as pessoas façam
algo altruísta e que também não sejam muito autocríticas se não forem até o
fundo disso.
Cambridge Tab: São altruísmo efetivo e combate à pobreza mundial
suas perspectivas menos contestáveis?
Peter Singer: Muitas pessoas contestam
minhas posições sobre bioética e o valor da vida com base em visões religiosas.
Ao mesmo tempo, existem cristãos que levam muito a sério o que atribuem como
dito por Jesus disse, que devemos ir muito longe no trabalho de ajudarmos os
necessitados. Para eles, o altruísmo efetivo é a menos contestável das minhas
posições. Para outros – e estou pensando nos seguidores de Ayn Rand – que
pensam que todos devem apenas ganhar dinheiro, que o egoísmo é bom, que o
mercado os recompensa por darem aos seus clientes o que precisam, o altruísmo
efetivo é controverso.
Creio que este tipo de raciocínio contamina tanto a motivação – e acho que
estão confusos sobre isso – e o direito de manter o que você ganhou. Não estou
dizendo que não há direito sobre propriedade. Pode ser que haja este direito,
mas, se quisermos que seja ético, é preciso compartilhar muito do que ganhamos.
Cambridge Tab: sem os mandamentos religiosos ou um imperativo
categórico, existe ousadia suficiente para as pessoas seguirem a ética
utilitarista?
Peter Singer: Uma coisa
interessante do movimento pelo altruísmo efetivo é como as pessoas religiosas
ou não concordam em seus objetivos. Com base nas evidências até aqui, eu diria
que sim, muitas pessoas são suficientemente motivadas por saberem a diferença
que podem gerar sem uma religião que as embase. Não sei se algum dia
concluiremos outra coisa. Acho que o movimento segue crescendo, mas, em algum
momento, começará a se acomodar, porque ainda existem muitos que não são
motivados pelo impacto que causam. No mais, não quero ligar altruísmo e
utilitarismo.
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