Existência de Deus
Ensinar sobre a Existência de
Deus
Relativamente poucos
filósofos se especializam na filosofia da religião, mas muitos leccionam cursos
introdutórios sobre problemas filosóficos nos quais um dos temas usuais é a
existência de Deus.A abordagem mais usual consiste em apresentar e reflectir sobre
os três argumentos tradicionais a favor da existência de Deus, e então o
problema do mal, após o qual a unidade sobre a existência de Deus termina.
O meu novo livro Religion Within Reason (“Religião dentro da Razão”) (Columbia University Press) sugere que
esta abordagem muitas vezes incorpora premissas enganadoras que não obstante podem
ser partilhadas por alunos e membros do corpo docente.
Um destes
pressupostos consiste na ideia de que se a existência de Deus fosse refutada, então
os compromissos de natureza religiosa seriam necessariamente despropositados. Várias
religiões, no entanto, rejeitam a noção de existe um Deus sobrenatural. Estas
incluem o Jainismo, o Budismo Theravada, o Mimamsaeo Hinduísmo Sânquia, tal
como versões “morte de Deus” do Cristianismo e o Judaísmo Reconstrucionista.
Eis, por exemplo,como
o Rabbi Mordecai M. Kaplan, um oponente do sobrenaturalismo, responde aos cépticos que perguntam porque é que, se a Bíblia não deve ser interpretada literalmente,
os judeus devem ainda assim celebrar o Sabat: “Nós celebramos o Sabat não tanto
por causa do relato da sua origem no Génesis, mas sim pelo papel que este ocupa
na vida espiritual do nosso povo e da Humanidade… O Sabat santifica as nossas
vidas ao ajudar-nos a sermos verdadeiramente humanos, e a transcendermos
aqueles instintos e paixões que fazem parte da nossa herança sub-humana.”
Consideremos, também, uma das figuras
maiores no movimento cristão “Morte de Deus”, o Bispo Anglicano de Woolwich John
A. T. Robinson, que nega a existência de um Deus “lá em cima,” ou “além.” Eis a
sua interpretação da Sagrada Comunhão: “Demasiadas vezes…deixa de ser uma
refeição sagrada, e torna-se num serviço religioso no qual nós viramos as costas
ao próximo vulgar e à comunidade e em devoção individualista fazemos a nossa
comunhão “com o Deus que está além”. Esta é essência da perversão religiosa,
quando a adoração do divino se torna numa forma de abandonar o mundo para
“estar com Deus” – mesmo se apenas para receber forças para voltar para ele. Neste
caso, todo o reino do não-religioso (a vida) é relegada ao profano.
É claro, uma religião
naturalista pode também ser desenvolvida sem ser derivada a partir de uma
sobrenatural. Considere, por exemplo, o ponto de vista do filósofo Charles
Franke, outro opositor do sobrenaturalismo, que mesmo assim acredita que a
religião, quando lhe é subtraída a irracionalidade, pode constituir uma
contribuição notável para a vida humana, ao libertar-nos da vaidade e da
maldade, e ao ajudar-nos a suportar a tragédia. Como ele diz, “não me parece
impossível que a religião possa atrair a aderência genuína e apaixonada dos
seus membros sem afirmar ser mais do que poesia na qual as pessoas possam
participar e retirar força e luz”.
Tais opções
naturalistas são filosoficamente respeitáveis. Escolher ou não alguma delas é
uma opção pessoal.
Professores e
estudantes devem também reconhecer que o teísmo não implica compromisso
religioso. No fim das contas, mesmo que alguém acredite que uma ou varias das
provas da existência de Deus são válidas, ainda se coloca a questão de integrar
ou não uma religião, e, se sim, qual. As provas não contêm nenhuma informação
que nos possa direccionar para qual religião, se alguma, é protegida por Deus.De
facto, Deus pode opor-se a toda a actividade religiosa. Talvez Deus não deseje
ser adorado, ser alvo de orações, ou até mesmo abençoe aqueles que se abstêm de
tais praticas.
E há ainda outro
pressuposto enganador implícito nas definições que normalmente são utilizadas:
um teísta acredita em Deus, um ateísta não acredita, e um agnóstico nem
acredita nem descrê em Deus. Repare também que a única hipótese que está a ser
considerada é a existência de Deus na sua concepção tradicional; nenhuma outra
alternativa sobrenatural é levada a sério.
Mas porque não?
Suponhamos, por
exemplo, que o mundo é o resultado do combate entre Deus e o Diabo. Ambos são
poderosos, mas nenhum dos dois é omnipotente.Quando tudo corre bem, a
benevolência de Deus encontra-se numa trajectória ascendente, quando os ocorrem
eventos desfavoráveis, a maleficência do Demónio encontra-se em alta.É esta
doutrina, historicamente associada com o Zoroastrianismo e o Maniqueísmo,
desnecessariamente complexa e portanto desmerecedora de consideração séria?
Não, pois, embora por um lado seja mais complexa do que o monoteísmo, porque
envolve duas entidades sobrenaturais em vez de um, por outro é mais simples,
pois não deixa nenhum aspecto do mundo para lá do entendimento humano.Afinal, o
monoteísmo enfrenta o problema do mal, enquanto que hipóteses dualísticas não têm nenhuma dificuldade em explicar tanto o bem e o mal.
Em suma, eu gostaria
de sugerir que quer os corpos docentes quer os alunos tenham em mente os quarto
pontos essenciais seguintes:
(1) crença na existência de Deus não é uma
condição necessária para entrar em compromissos religiosos;
(3) a existência de Deus não é a única hipótese
sobrenatural digna de discussão séria; e
(4) uma defesa bem-sucedida do teísmo
tradicional requer não só que este seja mais plausível do que o ateísmo, mas
também do que todas as outras alternativas sobrenaturais.
Não sugiro, é claro, que
não se ensinem as provas da existência de Deus e o problema do mal. Peço, no
entanto, que todos os participantes estejam alerta para quais o verdadeiro
alcance e consequências das conclusões retiradas dessa discussão.
Steven M. Cahn é Professor Emeritus de
Filosofia na City University of New York Graduate Center. Entre
os seus livros mais recentes estão The World of Philosophy, Exploring
Philosophy of Religion, e (com Christine Vitrano) Happiness and Goodness: Philosophical Reflections on
Living Well.
Por Steven M. Cahn
Tradução do inglês de Pedro Justo.
Muito Obrigado, querido aluno!
Lola
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