Imperativos
A diferença entre imperativos hipotéticos e
imperativo categórico
«Grande
parte da nossa conduta é governada por «deveres». O padrão é: temos um
determinado desejo (ser jogadores de xadrez melhores, ir para a faculdade de
Direito); reconhecemos que um certo percurso nos ajudará a obter o que
desejamos (estudar os jogos de Kasparov, fazer a inscrição para os exames de
acesso); e por isso concluímos que devemos seguir o plano indicado. Kant chamou
a isto «imperativos hipotéticos» porque nos dizem o que fazer
desde que tenhamos os desejos relevantes. Uma pessoa que não quisesse
melhorar o seu jogo de xadrez não teria qualquer razão para estudar os jogos de
Kasparov; alguém que não quisesse ir para a faculdade de Direito não teria
qualquer razão para fazer os exames de admissão. Uma vez que a força de
obrigatoriedade do «dever» depende de termos ou não o desejo relevante, podemos
escapar à sua força renunciando simplesmente ao desejo. Assim, se deixarmos de
querer ir para a faculdade de Direito, podemos escapar à obrigação de fazer o
exame.
Pelo
contrário, as obrigações morais não dependem de desejos específicos que
possamos ter. A forma de uma obrigação moral não é «Se queremos isto ou
aquilo, então devemos fazer isto e aquilo». Os requisitos morais são, ao invés,
categ6ricos: têm a forma, «Deves fazer isto e aquilo, sem mais». A regra moral
não é, por exemplo, que devemos ajudar as pessoas se nos importamos com elas ou
se temos outro objectivo que possamos alcançar ao auxiliá-las. A regra é, pelo
contrário, que devemos ser prestáveis para as pessoas independentemente dos
nossos desejos e necessidades particulares. É por isso que, ao contrário dos
«deveres» hipotéticos, não se pode evitar as exigências morais dizendo,
simplesmente, «mas isso não me interessa».
Os
«deveres» hipotéticos são fáceis de entender. Exigem apenas que adoptemos os
meios necessários para alcançar os fins que procuramos. Por outro lado, os
«deveres» categóricos são misteriosos. Como podemos estar obrigados a
comportar-nos de uma certa maneira independentemente dos fins que queremos
atingir? (…) Kant defende que, assim como os «deveres» hipotéticos são
possíveis porque temos desejos, os «deves» categóricos são possíveis porque
temos razão. Os «deveres» categóricos são obrigatórios para os agentes
racionais simplesmente porque são racionais. Como pode isto ser? Porque, afirma
Kant, os deveres categóricos derivam de um princípio que todos os seres
racionais têm de aceitar. Kant chama a este princípio «imperativo categórico».
(…)
Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao
mesmo tempo querer que se
torne lei universal.
Este
princípio resume um procedimento para decidir se um acto é moralmente
permissível. Quando estamos a ponderar fazer uma determinada acção, temos
de:
1º
Perguntar que regra estaríamos a seguir se realizássemos essa acção.
(Esta será a «máxima» do acto.)
2º
Depois, temos de perguntar se estaríamos dispostos a que essa regra
fosse seguida por todos e em todas as situações. (Isso transformá-la-ia
numa «lei universal», no sentido relevante.) A ser assim, a regra pode ser
seguida, e o acto é permissível. No entanto, se não queremos que todas
as pessoas obedeçam à regra, então não podemos seguir a regra, e o acto é
moralmente proibido.
Kant dá
vários exemplos para explicar como isto funciona. Suponhamos, diz Kant, que um
homem precisa de pedir dinheiro emprestado, e sabe que ninguém lho emprestará a
menos que prometa devolvê-lo. Mas ele sabe igualmente que será incapaz de o
devolver. Enfrenta, pois, este problema: deverá prometer pagar a dívida,
sabendo que não pode fazê-lo, de maneira a persuadir alguém a conceder-lhe o
empréstimo? Se fizesse isso, a «máxima do acto» (a regra que estaria a seguir)
seria: Sempre que precisares de um empréstimo, promete pagá-lo, independentemente
de pensares ou não que podes de facto pagá-lo.
Vejamos;
poderia esta regra tomar-se uma lei universal? É óbvio que não, porque se
derrotaria a si,mesma. Uma vez transformada em prática universal, ninguém mais
acreditaria em tais promessas, e por isso ninguém faria empréstimos. Nas
palavras do próprio Kant, «ninguém acreditaria no que lhe fosse prometido,
limitando-se a rir perante tal asserção por ser vão fingimento».
Outro dos
exemplos de Kant tem que ver com o exercício da caridade. Imaginemos, diz Kant,
que alguém recusa auxiliar os necessitados, dizendo para si: «Que tenho eu a
ver com isso? Deixemos cada um ser feliz como os céus desejam, ou como cada um
consegue por si. Nada tirarei nem invejarei ao próximo; mas não tenho qualquer
desejo de contribuir para a sua riqueza ou para o seu auxílio quando disso
tenha necessidade.» Trata-se, uma vez mais, de uma regra que não podemos querer
ver transformada em lei universal. Pois algures, no futuro, esse próprio homem
precisará da assistência dos outros, e não quererá queos outros
sejam indiferentes ao seu problema.»
J.
Rachels, Elementos de Filosofia Moral,
Lisboa, Gradiva, pp. 176-179
Lola
Sem comentários:
Enviar um comentário