John
Rawls e a Justiça Social
Conceito de justiça social
Objetivo da teoria da
justiça de Rawls.
O objetivo da teoria política de Rawls é o de conciliar, na medida do possível,
igualdade e liberdade.Porque, se apenas houver liberdade, põe-se em causa a igualdade
(uns indivíduos possuirão sempre mais bens do que outros e os que possuem mais
possuirão sempre mais – a riqueza gera mais riqueza). Se apenas houver
igualdade, põe-se em causa a liberdade (limita-se a liberdade de os indivíduos
possuírem mais bens do que a quantidade de bens que possuem).
Uma sociedade justa é aquela em que:
- As pessoas são igualmente livres
- Não há desigualdades excessivas na distribuição de bens e de riqueza e
- A posição que cada qual ocupa no que respeita a bens e cargos mais desejados deriva do seu mérito e empenho, ou seja, cada um de nós é por ela responsável.
A posição que uma pessoa ocupa na
sociedade deve depender das suas escolhas
e do seu empenho e do seu mérito, mas há obstáculos.
Quando começamos a nossa vida nem todos estamos em iguais
condições. Uns nascem em meios sócio – económicos mais favoráveis do que
outros. Isto significa que se a nossa vida social fosse uma corrida uns
partiriam mais à frente do que outros. As circunstâncias sociais e económicas
em que nascemos e que eventualmente me favorecem não são mérito meu. São obra do
acaso ou da natureza. Mas prejudicam uns e beneficiam outros.
Como impedir que
as circunstâncias sociais sejam um entrave ao esforço e mérito, ou seja, como é possível combater as desigualdades devidas a fatores ambientais como a
posição social que detemos em virtude do nascimento.
John Rawls defende o princípio da igualdade de oportunidades.
O acesso às profissões
mais valorizadas deve estar ao alcance de todos. Não é justo que, devido a uma
condição económica desfavorável, não possa estudar e realizar o projeto de ser
engenheiro, arquiteto, médico ou outras profissões socialmente mais
reconhecidas. Mediante ajustes institucionais como bolsas de estudo, o Estado
deve garantir uma relativa igualdade na “corrida” às posições sociais mais
favoráveis.
Assim, procura neutralizar fatores que impedem que só o mérito, empenho e a
responsabilidade pessoal sejam decisivos para que alguém atinja os seus
objetivos no plano social.
O princípio
da igualdade de oportunidades...
O «princípio da igualdade de oportunidades» significa que cada um deve ter as
mesmas oportunidades de acesso às várias funções e posições sociais. De que
igualdade se trata? De uma igualdade semelhante à que acontece nas corridas de
atletismo. Numa corrida de 400 metros planos, as posições de saída dos atletas
são diferentes. Esta medida tem como objetivo compensar as desigualdades
geradas pela forma da pista, tornando possível a igualdade de condições de
saída. Imaginemos a seleção para postos de trabalho numa empresa. É justo que
as posições mais vantajosas e os restantes lugares sejam dados aos mais
qualificados. Contudo, a igualdade de oportunidades é mais do que isso. Exige
que todos os concorrentes aos lugares tenham tido a possibilidade de obter
qualificação apropriada na escola ou em qualquer outra instituição e não sejam discriminados
pelas circunstâncias sociais (não sejam prejudicados por fatores como o género,
origem cultural ou étnica ou as condições socio – económicas.
A igualdade de
oportunidades nao resolve o problema da
justiça social.
Rawls pensa que não. Porquê? Porque só é justo o resultado que decorre das
escolhas pelas quais somos responsáveis. Se estudamos pouco ou trabalhamos com
pouco empenho, não temos legitimidade para argumentar que não é justa a posição
social em que nos encontramos, dada a igualdade de oportunidades que tivemos.
Não aproveitámos as oportunidades. Mas há outro fator que pode desequilibrar.
Qual? Os dons da natureza. O que há de insuficiente na ideia de justiça social
como igualdade de oportunidades é que se esquece que o sucesso também depende
do talento natural ou dos dons da natureza. As diferenças socioeconómicas devem
derivar do exercício da liberdade individual em condições de igualdade. Ora, o
talento natural é um dom que não decorre da liberdade de escolha. Não somos
responsáveis pelos nossos talentos naturais – grau de inteligência, aptidões
musicais, físicas ‒ nem por limitações físicas e intelectuais herdadas. Sendo
assim, na corrida pelas melhores posições sociais, o talento natural é um
elemento perturbador na chegada à «meta».
O sucesso social de alguém favorecido
pela natureza – elevado QI, força, destreza – não é merecido no sentido em que
estes dons não são adquiridos mas oferecidos pela natureza. O
insucesso dos desfavorecidos pela natureza também não é merecido. O que fazer para que este obstáculo
impeça uma injusta desigualdade?
A solução de Rawls é esta: os mais favorecidos têm o direito de usufruir dos
bens cuja aquisição foi favorecida pelo talento natural desde que compensem os
menos favorecidos por desigualdades que não têm origem no mérito, ou seja, que
foram condicionadas por fatores que não são da sua responsabilidade. Por outras
palavras, posso, em virtude de dons que ninguém me pode subtrair, ganhar mais
do que os outros, ter melhor emprego e melhor estatuto social desde que isso
reverta a favor dos mais desfavorecidos. As pessoas que, em boa parte, devido
ao seu talento natural, acederam às profissões socialmente mais valorizadas e
mais bem pagas não devem ser as únicas a beneficiar com a sua situação. Ronaldo
não deve ser o único a beneficiar do talento e da capacidade que, em grande
parte, deriva de a natureza ter sido generosa com ele. A solução é proceder à
redistribuição da riqueza. Os mais favorecidos pela natureza devem contribuir –
impostos ‒ para a melhoria da situação económica dos que a natureza não
beneficiou.
O princípio da diferença...
É o princípio que responde à pergunta: “Como combater as desigualdades
decorrentes da sorte e da fortuna genética dos indivíduos?”
Os princípios da liberdade igual e da igualdade de oportunidades são
insuficientes para fundar uma sociedade justa. O princípio da diferença
pretende reduzir a amplitude da diferença de rendimentos e de bens entre
indivíduos que esteja fundada na lotaria da natureza: uns favorecidos em
talentos preciosos para triunfar num mundo competitivo e outros desfavorecidos
ou pouco favorecidos nesse aspeto. O princípio da diferença consiste em admitir
na sociedade algumas desigualdades ou diferenças económicas e sociais, desde
que essas mesmas desigualdades possam também beneficiar os mais desfavorecidos.
Se a minha fortuna aumentar e os indivíduos com mais dificuldades económicas
receberem cada um em troca X euros com esta minha ação, então a ação que
possibilitou o aumento da minha fortuna será justa para Rawls.
Porquê? Porque
também os mais desfavorecidos beneficiaram com esta minha ação.
O princípio da diferença nao defende o igualitarismo ou a igualdade estrita.
O princípio da diferença não defende o igualitarismo ou a igualdade
estrita. Estipula que os rendimentos e a riqueza devem ser igualmente
distribuídos, a não ser que a desigualdade seja vantajosa para todos os membros
da sociedade. Rawls acrescenta que deve ser vantajosa sobretudo para os menos
favorecidos.
Rawls admite a desigualdade económica porque...
- As pessoas mais talentosas sentirão menos estímulo para trabalhar e produzir se houver uma distribuição igualitária da riqueza.
- Menos produção de riqueza implica menos recursos para distribuir e prestar assistência através de taxas e impostos aos menos favorecidos.
- As oportunidades dos que têm menos são mais amplas num sistema de distribuição da riqueza que não é estritamente igualitário – todos a ganhar o mesmo ou aproximadamente – porque haverá mais recursos disponíveis para que os desfavorecidos invistam na educação e na formação profissional.
- a desigualdade funciona a favor da redução das desigualdades.
Para Rawls uma sociedade justa...
O princípio da igual liberdade, da
igualdade de oportunidades e da diferença são os princípios que deve seguir uma
sociedade que queira ser justa.
Rawls pensa que este modelo económico, social e político é condição
necessária para que se possa falar de sociedade justa ou de justiça social.
Porque...
Rawls pensa que este seria o tipo de sociedade que escolheriam pessoas que não
soubessem, no momento de criar uma sociedade, o seguinte:
- O que seriam (se seriam homens ou mulheres, se pertenceriam a esta ou àquela etnia, se seriam muito ou pouco inteligentes, dotados de muita força ou fracos, com muita destreza e habilidade física ou não).
- Em que meio económico – social iriam nascer (se pobres ou ricos ou pertencentes à classe média).
- Que profissão ou estatuto social iriam ter.
Se as pessoas se encontrassem nesta posição original e cobertas por este véu de
ignorância acerca dos seus dotes naturais, da sua condição económica e social
futura, escolheriam os princípios de justiça que Rawls apresentou.
Não iriam escolher uma sociedade em que, por exemplo, um certo grupo racial,
uma certa etnia ou um dado género fossem discriminados. Porquê? Porque não
sabendo qual vai ser a sua condição é razoável que queiram uma sociedade em que
há liberdade igual.
Não iriam escolher uma sociedade em que não se defende a igualdade de
oportunidades porque poderiam vir a pertencer a classes desfavorecidas no
acesso às melhores profissões.
Não iriam escolher uma sociedade em que os mais desfavorecidos quer em dotes
naturais quer em meios económicos seriam a bem dizer abandonados à sua sorte ou
ficariam dependentes da compaixão ou boa vontade dos mais favorecidos.
Nesta situação optaríamos por uma sociedade que assegurasse as liberdades
básicas, nos desse a oportunidade de melhorar a nossa condição social e que
impedisse um fosso gigantesco entre favorecidos e desfavorecidos.
A posição original...
A posição original é uma situação imaginária ou hipotética de total
imparcialidade – as pessoas pensam no que é justo e não simplesmente no que é
pessoalmente vantajoso – em que pessoas racionais, livres e iguais criam uma
sociedade regida por princípios de justiça. Para que tal imparcialidade se
verifique, essas pessoas devem estar «cobertas» por um «véu de ignorância».
O “véu de ignorância”...
O “véu de ignorância” é o desconhecimento por parte de cada indivíduo da
sua condição social e económica no momento do estabelecimento do contrato
social, no momento em que dão origem a uma determinada forma de sociedade.
O “véu da
ignorância”permite...
Vai possibilitar que, devido ao desconhecimento da sua situação social e
económica, os indivíduos exijam uma organização da sociedade que seja dentro
dos possíveis a mais vantajosa e melhor para todos, não inferiorizando qualquer
grupo de indivíduos. Neste sentido, vão exigir que a sociedade promova os
valores básicos que permitam a todos ter uma vida aceitável, designadamente a
mesma liberdade para todos e o mínimo de desigualdades sociais e económicas.
Para Rawls o princípio
maximin...
O princípio maximin é uma estratégia de decisão que pessoas razoáveis seguem,
numa situação de incerteza – o véu de ignorância – pessoas razoáveis seguem. É
a estratégia do menor mal. São preferíveis princípios de justiça que estejam na
base de uma sociedade em que o pior não será muito mau do que uma sociedade
que, por exemplo, haja muita pobreza e muita riqueza. A sociedade preferível é
aquela em que a pobreza e a riqueza sejam moderadas. Se escolher uma sociedade
em que a pobreza extrema convive com a riqueza extrema corro o risco de fazer
parte do grupo de pessoas que serão extremamente pobres.
Críticas à teoria de Rawls...
Uma das principais críticas a Rawls é a difícil harmonização entre os
princípios da igual liberdade e da diferença.
Em primeiro lugar, pode haver
igual liberdade se não houver igual riqueza? Quem mais bens possui não tem mais
liberdade? Maior poder económico não significa poder fazer mais coisas,
sobretudo influenciar as decisões de quem governa a seu favor? Se isto for
verdade, o princípio de diferença, admitindo as desigualdades económicas,
restringe indevidamente o princípio de igual liberdade.
Em segundo lugar, se as
pessoas têm igual liberdade de adquirir bens e riqueza, limitar a quantidade de
bens que uma pessoa pode adquirir ou receber restringe a liberdade de cada
indivíduo.
Assim... uma correta aplicação do princípio da liberdade igual
negaria o princípio de diferença.
Criticas ao princípio da diferença...
O princípio da diferença diz que as desigualdades de rendimento são permitidas
se beneficiarem os menos favorecidos.
Mas será isto sempre correto?
Não haverá pessoas que possuem mais bens porque trabalham e se empenham mais e outras porque optam por trabalhar menos e «gozar a vida»?
Os críticos de Rawls pensam que, antes de transferirmos recursos e bens para melhorar a posição dos que têm menos rendimentos, devemos primeiro saber como chegaram a essa posição menos favorecida.
Não haverá pessoas que possuem mais bens porque trabalham e se empenham mais e outras porque optam por trabalhar menos e «gozar a vida»?
Os críticos de Rawls pensam que, antes de transferirmos recursos e bens para melhorar a posição dos que têm menos rendimentos, devemos primeiro saber como chegaram a essa posição menos favorecida.
Alguns poderão estar nessa posição porque estão incapacitados para trabalhar ou
porque não conseguem encontrar trabalho.
Mas outros podem ter escolhido não trabalhar ou trabalhar muito pouco. Merecem igualmente beneficiar do trabalho dos outros?
Mas outros podem ter escolhido não trabalhar ou trabalhar muito pouco. Merecem igualmente beneficiar do trabalho dos outros?
Não será injusto que as pessoas esforçadas sejam obrigadas indiretamente a
contribuir para melhorar o nível de vida dos que, sendo capazes, são contudo
preguiçosos?
Será isto correto?
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