Robert Nozick
“De cada um como escolhem, a cada um
como são escolhidos.” (Robert Nozick)
Um dos livros que mais influenciou o
pensamento libertário americano foi Anarchy, State and Utopia, do
professor de filosofia de Harvard, Robert Nozick. Não é uma leitura fácil, e o
autor cria um clima de honestidade intelectual no decorrer da obra, pela enorme
quantidade de perguntas delicadas e complexas que ele mesmo não ousa responder
de forma definitiva. O tema é espinhoso, pois trata de uma teoria sobre a
filosofia política e o Estado, questionando inclusive a necessidade de sua
existência. O próprio autor reconhece que seria tolice de sua parte esperar que
tenha completado de forma satisfatória os pontos fundamentais da questão. A
busca pela verdade é uma tarefa contínua.
Logo na primeira frase do prefácio,
Nozick afirma que os indivíduos possuem direitos, e que existem certas coisas
que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer a eles, sem que esteja violando tais
direitos. O livro irá tratar, então, da natureza do Estado e suas funções
legítimas, se existirem. As conclusões de Nozick, antecipando o que os
argumentos irão sustentar depois, são que um Estado mínimo, limitado a funções
estreitas de proteção contra a força, roubo, fraude etc. é justificável, mas
qualquer Estado mais extenso irá violar os direitos pessoais, e, portanto, não
se justifica. A questão fundamental para a filosofia política, que antecede
questões sobre como o Estado deve ser organizado, é se deve mesmo existir algum
Estado em primeiro lugar. Nozick leva a sério a alegação anarquista de que o
Estado, agindo contra os direitos individuais, é imoral. Mas ele tenta mostrar
porque considera esta postura errada no que diz respeito ao Estado mínimo. Seu
esforço parte de uma abstração de como o Estado poderia ter surgido, a partir
de um estado de natureza, mesmo que ele não tenha surgido desta maneira.
Nozick utiliza a visão de Locke para
partir desse estado de natureza e chegar ao Estado mínimo. Para Locke, existem
inconveniências no estado de natureza que justificam um governo civil como
remédio adequado. Os indivíduos, julgando em causa própria, irão sempre
superestimar a magnitude de dano sofrido, e as paixões irão levá-los a punir os
outros de forma mais que proporcional ao que a compensação justa exigiria. Além
disso, no estado de natureza, o indivíduo pode não ter a força para impor seus
direitos. Para Nozick, então, associações de proteção surgiriam naturalmente da
anarquia, pressionadas por agrupamentos espontâneos. Algo já parecido com um
Estado mínimo apareceria como resultado de um processo natural de divisão de
trabalho, economias de escala e auto-interesse racional dos indivíduos. A
explicação que Nozick utiliza para sair do estado de natureza e chegar a algo
muito próximo de um Estado mínimo é similar ao que Adam Smith chamou de “mão
invisível”. O produto final parece ser obra de um ato intencional de alguém,
mas é fruto de um processo espontâneo onde cada indivíduo busca seus próprios
interesses.
Como premissa básica nesse processo,
Nozick considera a restrição libertária de que nenhum indivíduo pode ser
sacrificado pelo bem do outro. O princípio kantiano de que indivíduos são fins
e não meios está presente. Chega-se no princípio de não-agressão, o mesmo que
costuma ser levado em conta entre nações. Nozick pergunta qual diferença existe
entre indivíduos soberanos e nações soberanas que torna permitida a agressão
entre indivíduos. Por que indivíduos juntos, através do governo, podem fazer
com alguém aquilo que nenhuma nação pode fazer com outra? Nozick não defende o
Estado mínimo por justificativas utilitaristas, portanto, mas sim pelos
princípios que entende como correctos, com base nos direitos naturais dos
indivíduos. E ele alega que, da anarquia ao Estado mínimo, tais direitos não
seriam violados, já que resultariam de um processo natural, através de uma “mão
invisível”, onde haveria a necessidade de compensação aos indivíduos que
ficassem fora da agência protectora dominante, mais tarde transformada em
Estado, por ter o monopólio de facto da coerção.
A explicação de Nozick é, naturalmente,
bem mais elaborada que esse resumo feito aqui. Se no próprio livro alguns
pontos permanecem confusos, é de se esperar que o leitor não se dê por
satisfeito com um breve resumo. Ir direito à fonte é fundamental para melhor
entender os argumentos do autor. Seu raciocínio não ficou imune às críticas,
que surgiram de diferentes lados. Curiosamente, um dos que mais atacou a obra
foi Rothbard, quem é citado na lista de agradecimentos de Nozick como
responsável pelo seu estímulo ao interesse na teoria individualista dos
anarquistas.
Rothbard afirma que nenhum Estado surgiu
pela forma imaginada por Nozick, mas que, ao contrário, as evidências históricas
apontam para Estados provenientes da violência, conquista e exploração. A visão
imaculada de Estado de Nozick seria muito distante da realidade, segundo
Rothbard. Este defende, então, que Nozick deveria se unir aos
anarco-capitalistas e pregar a abolição de todos os Estados existentes, para
depois esperar o funcionamento da “mão invisível” que levaria ao Estado mínimo
defendido. Além disso, Rothbard considera um non sequitur a
conclusão que Nozick chega quando assume que haveria um acordo pacífico entre
as diferentes agências protectoras, resultando em um monopólio de
facto nas mãos de uma única e dominante agência. Para Rothbard,
poderiam existir centenas ou mesmo milhares de árbitros que seriam seleccionados
pelas partes envolvidas em disputas.
Outras críticas tão duras como essas são
expostas por Rothbard. A questão é mesmo polémica, e são muitas as perguntas
sem fácil resposta. O que se pode concluir com relativa convicção é que quanto
mais perto de um Estado mínimo, cuidando basicamente da segurança e garantindo
os direitos individuais contra agressões externas, mais justa e livre será a
sociedade em questão. Já seria um avanço e tanto mostrar que o Estado pode ser
um “mal necessário”, mas não um “deus” que irá solucionar todos os males do
mundo. Como seria fantástico se o debate sobre filosofia política fosse
dividido entre Nozick e Rothbard! Infelizmente, fazendo uma analogia com a
física, ainda se debate no país sobre se a Terra é quadrada ou redonda nessa
área política. E o pior é que a versão quadrangular vem sendo a dominante…
Texto presente em “Uma luz na
escuridão”, minha colectânea de resenhas de 2008.
Rodrigo Constantino, blog
Lola
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