Princípio da razão suficiente
Leibniz, razão suficiente e o Ser necessário
"Ora, essa razão suficiente da
existência do Universo não poderia encontrar-se na cadeia das coisas
contingentes, ou seja, dos corpos e das representações nas almas. Isso porque a
matéria, sendo indiferente em si mesma ao movimento e ao repouso, e a um
movimento tal ou outro, não seria possível encontrar a razão do movimento e
ainda menos de um tal movimento. E qualquer que seja o movimento que está na
matéria, provém ele de um precedente e este ainda de outro precedente e assim
por diante tão longe quanto se queira ir, pois permanece sempre a mesma
questão. Assim, é necessário que a razão suficiente - que não tem necessidade
de uma outra razão - esteja fora dessa cadeia de coisas contingentes e se
encontre em uma substância que dela seja a causa ou que seja um Ser necessário
que porte a razão de sua existência nele mesmo. Contrariamente, não haveria uma
razão suficiente onde se pudesse terminar. E essa última razão das coisas é
chamada Deus."
GOTTFRIED W. LEIBNIZ,
Principes
de la Nature et de la Grâce fondés en Raison, cap.8
(tradução própria
direto do original em francês)
O matemático, físico e filósofo
alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), um dos maiores expoentes do
racionalismo moderno, escreveu em 1714 um resumo de sua filosofia
intitulado Princípios da Natureza e da Graça fundados na Razão endereçado
à corte vienense.
Em seus dezoito parágrafos, a obra
pretendia fornecer os princípios últimos de toda a realidade. Segundo Leibniz,
tudo o que é múltiplo é constituído de mônadas. Estas são unidades imateriais,
sem grandeza, sem figura, sem movimento que se diferenciam umas das
outras por seus estados qualitativos internos, suas percepções ou
representações daquilo que está de fora delas.
Há uma hierarquia qualitativa entre
as mônadas segundo a qual há aquelas mais rudimentares, percebendo de forma
obscura e outras, que Leibniz chama de esprits (espíritos) que
não só percebem, mas raciocinam e são capazes de apreender as verdades
necessárias da lógica, dos números e da geometria.
No parágrafo cinco Leibniz afirma
que
"(...) aqueles que conhecem
essas verdades necessárias são propriamente aqueles que são chamados de animais
racionais e suas almas são chamadas de espíritos. Essas almas são capazes de
realizar atos reflexivos e de considerar aquilo que se chama 'eu",
'substância', 'alma', 'espírito', ou seja, as coisas e as verdades imateriais.
E é isso que nos torna capazes das ciências ou dos conhecimentos
demonstrativos."
No parágrafo sete, Leibniz, como ele
mesmo afirma, deixa de falar como simples físico e se eleva à metafísica.
Ele enuncia então o grande princípio segundo o qual nada se faz sem uma
razão suficiente. Isto é, nada do que acontece acontece sem que seja possível
ao que conhecesse bem as coisas encontrar uma razão que fosse suficiente para
determinar porque a coisa se dá assim e não de qualquer outra forma.
Tal é o famoso princípio da
razão suficiente. Ele assevera que deve haver uma razão suficiente para a
existência de qualquer coisa, de qualquer evento ou de qualquer verdade. Tudo
tem uma razão que a explique sem que seja preciso buscar razões ulteriores. Ou
ainda, tudo tem uma razão de seu ser.
Ora, posto esse princípio racional,
a primeira pergunta que se pode fazer é a questão que se tornaria famosa na
história da filosofia a partir de então: "Por que existe algo e não o
nada?"
Supondo-se que as coisas devem
existir, é necessário que se encontre a razão suficiente pela qual elas devem
existir. É certo que o mundo existe. Contudo, ele é composto de séries de seres
contingentes, ou seja, de seres que poderiam muito bem não existir. Negar que
este ou aquele ser que existe poderia não existir não implica em nenhuma
contradição. Os seres do mundo existem, mas poderiam não existir sem
contradição alguma.
Se este mundo é constituído de uma
série de seres contingentes, essa série deve ter uma razão suficiente que a
explique. Mas nenhum dos elementos dessa série e nem a série como um todo pode
ser a razão suficiente da existência da série. A razão suficiente não podendo
estar em nenhum dos seres contingentes que a compõem e nem na própria série,
ela só poderá estar fora da série.
E se a razão suficiente está fora da
série de seres contingentes, ela não poderá ser contingente ela mesma, sob pena
de se cair em um regresso ao infinito. A razão suficiente da série de seres
contingentes que constitui o mundo só pode ser um Ser necessário, ou seja, um
ser que tem em si mesmo a sua razão de ser, que não depende de nenhum outro
para existir e existe desde sempre. Conclui Leibniz, esse Ser necessário é
Deus.
Sendo o Ser necessário, Deus contém
em si mesmo eminentemente todas as perfeições de todas as substâncias que dele
são derivadas. Sendo perfeito, sua potência, seu conhecimento e sua vontade são
igualmente perfeitas. A dependência que as coisas contingentes têm do ser
necessário faz com que elas dele dependam tanto no existir como no operar e que
toda a perfeição que possuem seja proveniente dele e toda imperfeição que
exibem tenha sua origem na limitação essencial de todo ser contingente.
O argumento cosmológico de Leibniz,
em suas linhas gerais, é semelhante ao argumento que o filósofo islâmico
medieval Ibn Sina apresenta no Livro da Ciência e no A
Origem e o Retorno. Contudo, ao invés de tratar de causalidade,
ele trata de explicação. Isso significa que Leibniz não está
afirmando, como premissa geral, que tudo tem uma causa, mas sim que tudo tem
uma explicação suficiente.
Essa explicação suficiente - a razão
de ser da coisa - não precisa necessariamente estar fora da coisa como um ser
existente e distinto dela por meio do qual ela é trazida à existência. Em
outros termos, não se afirma que tudo o que existe necessite de uma causa real,
exterior e independente para existir. Não é um princípio, portanto, que exija
necessariamente a ação de uma causa eficiente diferente da coisa que é engendrada.
No caso dos seres contingentes, a
sua razão suficiente não pode estar neles mesmos, pois nada impede que eles
pudessem não existir. A explicação para sua existência, sua razão, não está
neles, mas em outros. Estes, por sua vez, sendo também contingentes, não
possuem em si mesmos sua razão suficiente e precisam de outros para
existirem.
A necessidade de uma causa eficiente
exterior para existir é característica precisamente dos seres que não têm em si
sua razão suficiente. Um ser que tivesse em si mesmo sua razão suficiente não
precisaria, por conseguinte, de uma causa eficiente exterior para fazê-lo
existir. E a existência desse Ser necessário é determinada justamente pela
incapacidade dos seres contingentes que constituem o mundo de existirem por si
mesmos.
Se o mundo é constituído por uma
série de seres contingentes, isto é, de seres que não têm em si mesmo a razão
suficiente de suas existências e que, portanto, dependem de outros para
existirem, então nenhum deles em particular pode ser a razão suficiente da
existência do mundo. Nem mesmo o conjunto deles pode ter esse papel.
Neste passo do argumento, há que se
perguntar se Leibniz não comete a falácia da composição, isto é, afirmar que as
características das partes são necessariamente características do todo. As
falácias caracterizam-se por enunciar uma inferência universal e necessária
quando ela não existe realmente. Isso não impede, contudo, que na realidade -
em determinados casos, mas não sempre - o todo tenha as características das partes.
Certamente seria falacioso afirmar
que se todos os jogadores de um time têm excelente desempenho individualmente,
então necessariamente o time terá um excelente desempenho no campeonato. Não
obstante, não seria falacioso afirmar que um muro construído com tijolos
vermelhos será um muro vermelho.
A plausibilidade desse passo do
argumento de Leibniz advém do fato de que se algo é contingente, não parece que
se tornará menos contingente se somado à outra coisa também contingente. O
mesmo acontecendo se fosse o caso de duas coisas contingentes somadas à uma
terceira igualmente contingente e assim por diante até o infinito. O caso é que
o que as torna contingentes é sua natureza intrínseca e que esta não muda
simplesmente pela união com outras da mesma natureza.
Seria como se alguém quisesse formar
um colar somente adicionando uma pérola à outra sem um fio que as ligasse. Não
importa a quantidade de pérolas que fossem adicionadas, elas nunca formariam um
colar de verdade.
Por outro lado, Deus, o Ser necessário,
não é uma exceção ao princípio da razão suficiente postulado por Leibniz. Ele
também tem uma razão suficiente, só que não em outro, mas em si mesmo. Sua
natureza explica sua existência eterna e seus atributos de perfeição.
A razão suficiente de Deus é o fato
de ser o Ser necessário, aquele que não depende de nenhum ser exterior a Ele
para ser o que é e nem para existir como existe. E a necessidade da existência
de um Ser necessário foi demonstrada logicamente pela insustentabilidade de uma
cadeia infinita de de seres contingentes. O mundo, então, é uma cadeia de seres
contingentes cuja razão suficiente se encontra, em última instância, em Deus,
cuja razão suficiente se encontra no fato de ser o Ser necessário.
Tirado DAQUI
Lola


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