Velha Retórica
Entendamos por retórica a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir. Esta não é seguramente a função de outra arte; pois cada uma das outras é apenas instrutiva e persuasiva nas áreas da sua competência; como, por exemplo, a medicina sobre a saúde e a doença, a geometria sobre as variações que afectam as grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas as outras artes e ciências. Mas a retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada. E por isso afirmamos que, como arte, as regras se não aplicam a qualquer género específico de coisas.
Aristóteles, Retórica, I, 2.
Segundo uma tradição que remonta a Aristóteles, a retórica teria
sido inventada por Empédocles de Agrigento, filósofo pré-socrático do século V
a.C. de quem Górgias, um dos mais reputados professores de retórica, teria sido
discípulo.
Outra tradição atribui a origem da retórica a Córax e Tísias, que,
após a queda dos tiranos e a instauração da democracia em várias cidades da
Sicília em meados do século V a.C., teriam sido os primeiros a escrever um
tratado de retórica para responder às necessidades dos litigantes numa questão
de disputa de terras.
Qualquer que seja a tradição que esteja correcta, com a
democracia, a persuasão passou a estar no centro da acção política e social e o
seu domínio a ser fundamental nos tribunais, para convencer os juízes, e nas
assembleias, para persuadir o povo. Isso fez surgir, um pouco por toda a
Grécia, uma classe de professores itinerantes, “sofistas” e “mestres de
retórica”, os mais famosos dos quais foram Protágoras e Górgias, que, ao mesmo
tempo que ensinavam aos jovens ricos que pretendiam fazer carreira política a
arte do discurso, procuravam compreender o poder persuasivo do mesmo.
As ideias
relativistas de Protágoras e Górgias, pondo em causa a existência de verdades e
valores objectivos e fazendo da verdade uma construção do momento que depende
da persuasividade do orador, fornecem a justificação teórica do uso
generalizado que os gregos irão daqui em diante fazer da retórica.
Ao mesmo
tempo, os sofistas e os retores investigaram alguns dos aspectos centrais do
discurso e da língua, como a erística (arte da discussão com o objectivo de
vencer uma contenda verbal) e a gramática, fazendo desse estudo uma disciplina
teórica e uma técnica que engloba, além do ensino, teorias sobre a persuasão e
sobre o discurso e pesquisas sobre técnicas de argumentação.
Contudo, foi apenas com Aristóteles (384-322 a.C.), que curiosamente não era sofista nem retor, mas filósofo, que a retórica grega clássica atingiu o ponto máximo de sofisticação e sistematização com que entrou no mundo helenístico e romano.
A retórica antiga corresponde, como vimos, a um período que vai de Empédocles ou Córax e Tísias até ao fim da antiguidade. Durante estes cerca de mil anos, foram muitos os oradores, retores e até filósofos que escreveram sobre a retórica.
É o caso de Aristóteles que escreve a obra Retórica e poderá parecer que a Retórica de Aristóteles tem o inconveniente de ser historicamente próxima da época em que a retórica surgiu e que, devido a isso, lhe escapam todos os desenvolvimentos que se seguiram. Mas não só, por um lado, depois dele as inovações teóricas não foram em grande número, como, por outro, a sua retórica representa o ponto culminante da retórica antiga. A importância de Aristóteles para a retórica, antiga ou contemporânea, é tal que, se tivéssemos de identificar a retórica com o sistema de um autor, esse sistema seria, sem qualquer dúvida, o seu.
(...)
A partir do século XVII, a retórica vai ser posta ao serviço do
poder pontifício e das monarquias. A aristocracia fará dela um instrumento de
distinção social, o que, em conjunto com a ascensão do método científico e a
relevância dada às provas e à verdade, leva ao seu declínio, que se manterá no
século XIX, com a sua condenação pelos românticos em nome de um ideal de
sinceridade, e em grande parte do século XX.
Nova Retórica
Enquanto no silogismo a passagem das premissas a uma conclusão é obrigatória, o mesmo não acontece quando se trata de passar dos argumentos à decisão: tal passagem não é de modo algum obrigatória, pois se o fosse não estaríamos diante de uma decisão, que supõe sempre a possibilidade quer de decidir de outro modo, quer de não decidir de modo algum.
(PERELMAN, 2000, p.3)
[...] o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que são apresentadas ao seu assentimento.
Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca,
Traité de l’argumentation, p. 5.
Na segunda metade deste século, primeiro com Chaïm Perelman (1912-1984) e
Stephen Toulmin (n. 1922), e depois com Hans-Georg Gadamer (1900-2002) e o
Grupo µ, assiste-se a um recrudescimento do interesse pela retórica e a uma
tentativa de, embora noutros moldes, a reabilitar.
Quando se trata de valores, a questão já não é, como nas
matemáticas e nas ciências positivas, descobrir a verdade, mas estabelecer o
que é preferível e, para o fazer, o método não consiste em deduções e induções
correctas, mas em todo o género
de argumentos, por intermédio dos quais se visa provocar e ganhar a adesão do auditório
às teses que lhe são apresentadas. Ora, é precisamente nisto que consiste a
retórica tal como foi desenvolvida na antiguidade: um conjunto de técnicas de
discurso, de processos argumentativos que visam provocar a adesão dos espíritos
através da persuasão.
Por este motivo, Perelman considerou ser necessário
alargar a noção de razão e, a fim de conciliar o pensamento e a acção, a razão
teórica e a razão prática, juntar ao estudo da lógica formal o estudo dos
raciocínios cujo fim é persuadir ou convencer.
É a esta tarefa que, prolongando
e amplificando a retórica de Aristóteles, se dedica a nova retórica.
A nova retórica é, no entanto, diferente da antiga. A retórica
antiga, como vimos, diz respeito às técnicas usadas para persuadir um auditório
que tem como características principais ser composto por pessoas simples e
incapazes de seguir longas cadeias de argumentos. A nova retórica, pelo
contrário, dirige-se a toda e qualquer espécie de auditório, quer se trate de
toda a humanidade, da opinião pública nacional ou internacional, de uma
multidão, de um conjunto de especialistas, de um indivíduo ou de nós próprios
quando intimamente deliberamos sobre um dado assunto. Numa palavra, a nova
retórica abrange e ultrapassa os domínios que Aristóteles tinha repartido pela
dialéctica e pela retórica e, por isso, tem como objecto de estudo o discurso
não demonstrativo, os raciocínios que não são inferências formalmente
correctas, isto é, todo o discurso que tenha por fim convencer ou persuadir
todo e qualquer auditório sobre o que quer que seja.
É por isso que Perelman
diz que a retórica tem como objecto o estudo de técnicas discursivas.
Além disso, Perelman pensa não existirem razões para limitar a
retórica ao estudo das técnicas do discurso falado e que, dado o papel moderno
da imprensa, a nova retórica, ao contrário da antiga, deve estudar sobretudo os
textos impressos que, como qualquer outro texto, se dirigem sempre também a um
dado auditório, mesmo que o escritor não tenha disso consciência.
Assim, a retórica estuda os meios discursivos de
obter a adesão dos espíritos. E embora existam outros métodos — muitas vezes mais
eficazes — de persuasão (como a carícia ou a bofetada), só a persuasão pela
linguagem é do domínio da retórica.
Esta é uma lógica do preferível, do razoável e do plausível.
(Adaptado)
Ver texto AQUI
Lola
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