Lógica Proposicional
1. A forma lógica
Neste ponto do meu trabalho vou
centrar-me nas regras básicas da lógica proposicional e tentarei mostrar como é
que a validade de alguns argumentos dependem do uso que se faz dos operadores
verofuncionais.
O que fazemos na formalização dos
argumentos é apurar as condições de verdade das proposições envolvidas num
determinado argumento. Assim, com auxílio dos operadores verofuncionais,
testamos a verdade de cada uma das proposições e, recorrendo às tabelas de
verdade no cálculo proposicional, podemos observar se a regra da validade
ocorre, que a verdade das premissas garanta a verdade da conclusão. Só o treino
com os operadores verofuncionais nos permite detectar intuitivamente a
falsidade de uma premissa. Seguro estou, neste ponto do meu trabalho, que um argumento
pode ser composto por premissas e conclusão falsas e, ainda assim, garantir a
validade. Igualmente seguro estou que, apesar dessa circunstância, a verdade
das premissas garante a verdade da conclusão. E, em primeiro lugar, é este tipo
de argumentos que pretendo apurar.
Em resumo, apresento uma tabela de
verdade completa:
p q
|
p Λ q
|
p V q
(exclusiva)
|
p V q
(inclusiva)
|
p → q
|
p ↔ q
|
V V
V F
F V
F F
|
V
F
F
F
|
F
V
V
F
|
V
V
V
F
|
V
F
V
V
|
V
F
F
V
|
A partir dos valores
apresentados na tabela vamos poder determinar a validade dos argumentos
proposicionais clássicos. É conveniente salientar que os valores da tabela não
são em resultado da arbitrariedade racional, mas antes da correspondência possível
entre a coerência racional e lógica das frases e os factos do mundo. A lógica
não é um mero conjunto de símbolos que nos permite brincar aos argumentos.
Senão, vamos observar as condições de verdade, a título de exemplo, da
conjunção.
Se estamos a juntar elementos numa proposição, por exemplo,
«Sócrates era grego e engenheiro», o valor de verdade da proposição só ocorre
quando, de facto, ambas as partes da proposição são verdadeiras.
Do mesmo modo,
se pensarmos, «o Luís é do Porto ou do Benfica» , mesmo que não saibamos o
valor de verdade da proposição, uma coisa temos como certo, a proposição só
será falsa no caso em que o Luís nem é do Porto, nem é do Benfica. Mas a
disjunção ainda oferece outra possibilidade. Se dissermos, «ou o Luís é do
Porto, ou do Benfica», usamos o «ou» com um significado diferente e estamos a
admitir que não pode acontecer que ambos os disjuntos sejam verdadeiros. Daí
que chamemos a esta disjunção de exclusiva, uma vez que uma das partes exclui a
verdade da outra que a compõe.
Não incluí na minha tabela o operador
de negação. Ao passo que os outros operadores são chamados de binários uma vez
que se aplicam a duas proposições ligadas, a negação (¬) é unária, aplicando-se
somente a uma proposição. Assim, se p é V, q será F e vice-versa.
Tabela de verdade da negação:
P
|
Não P
|
V
F
|
F
V
|
O caso da condicional merece especial
atenção porque suscita ainda um debate em aberto. Não pretendo aqui explorar o
debate, mas tão só chamar a atenção para o problema. Na lógica, uma condicional
só é considerada literalmente falsa quando se parte de uma antecedente
verdadeira para chegar a uma conclusão falsa. Todos os outros casos são
considerados verdadeiros.
2. Inspectores de circunstâncias
Conhecida a tabela de verdade,
reunimos as informações necessárias para operar com inspectores de circunstâncias.
Chamam-se inspectores de circunstâncias uma vez que nos permitem observar em
que circunstâncias a verdade das proposições ocorre, sendo que o pretendido é
que os argumentos tenham premissas verdadeiras e sejam válidos.
Vejamos alguns exemplos:[3]
Argumento:
O João é solteiro
O João não é solteiro
Logo, Icabod é rico
À partida este argumento é inválido
uma vez que intuitivamente nos parece que a conclusão não se segue das
premissas, mas vejamos o que acontece quando operamos com os inspectores de
circunstâncias:
Dicionário:
P – O João é solteiro
Q – Icabod é rico
Formalização:
p ,¬p I= q
Inspector de circunstâncias:
p q
|
p , ¬ p I= q
|
V V
V F
F V
F F
|
V
F V
V
F
F
F
V V
F
V F
|
O que nos diz o inspector de
circunstâncias?
Primeiro diz que não há linhas nas quais as
premissas sejam ambas verdadeiras e a conclusão falsa, logo, o argumento é
válido, uma vez que esta é a única situação em que o argumento seria inválido.
As circunstâncias são mundos possíveis onde a verdade das proposições pode
ocorrer.
A inspecção de circunstâncias deste argumento indica-nos que não
existe um mundo possível onde as premissas sejam verdadeiras e a conclusão
falsa. Usei este argumento pois ele é bom para nos mostrar a surpresa do
argumento, uma vez que a conclusão parece nada ter a ver com as premissas, mas
o teste da validade lógica mostra-nos que existe uma relação de validade entre
premissas e conclusão, independentemente do conteúdo de verdade.
A vantagem em
formalizarmos os argumentos, recorrendo a um dicionário, é precisamente esta e
é surpreendente ver o que se esconde por detrás da linguagem quando a ela
recorremos para expressar pensamentos.
Vamos a outro exemplo:
Argumento:
A vida tem de fazer sentido e faz
porque Deus lhe confere esse sentido. De outro modo que sentido faria a vida
se não existisse Deus criador? Sem ele nada disto faria algum sentido para
nós.
|
Forma canónica:
Se Deus existe, a vida faz sentido.
A vida faz sentido.
Logo, Deus existe.
Dicionário:
p – Deus existe.
q – A vida faz sentido.
Formalização:
p → q
q
Logo, p.
Inspector de circunstâncias:
p
q
|
p →
q, q I= p
|
V V
V F
F V
F F
|
V
V V
F
F
V
V
V
F
V
F
F
|
Este argumento parece bom, mas a
inspecção de circunstâncias provou ser um mau argumento. Ele é inválido.
O que
se passa aqui é a falácia da afirmação do consequente. Se afirmássemos, na
segunda premissa, o antecedente, o argumento seria válido, uma vez que a
inspecção de circunstâncias nos permitiria ver que não ocorre nenhuma
circunstância em que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Isto é
o que há de fascinante na lógica. Se na segunda premissa, em vez de afirmarmos
«a vida faz sentido», afirmássemos, «Deus existe», estaríamos perante um
argumento formalmente válido que se chama Modus Ponens.
Mas este argumento possui ainda outra particularidade. Apesar de formalmente
válido, um «Bright[4]»
jamais o aceitaria. Quer dizer que o argumento é válido, sólido, mas não é
cogente uma vez que não convence um «bright» e está fora do estado cognitivo
de muitos sujeitos.
Uma outra verdade lógica que deixo em
referência é a chamada negação do consequente ou Modus
Tollens, p → q, ¬q I= ¬p.
3. Em conclusão
Existem muitos outros aspectos que um
professor de filosofia do ensino secundário deve ter em conta na sua prática
lectiva. Neste pequeno trabalho pretendi dar-me conta dos aspectos básicos que
podem erguer todo o edifício da argumentação. Não me referi neste trabalho aos
aspectos relacionados com a argumentação informal, nem com as falácias do
discurso argumentativo na lógica informal. Seria motivo para outro trabalho de
iguais dimensões. Com efeito, até para a lógica informal, a lógica dedutiva é a
base segura, uma vez que o aluno só está em condições de compreender a lógica
informal, depois de ter compreendido as noções básicas da lógica formal.
Gostaria de chamar a atenção para um aspecto que me parece fundamental e que,
ao longo do meu trabalho, pretendi nunca abandonar. A lógica é a ferramenta
para um pensamento consequente. Não é em si um fim para o ensino da filosofia,
mas um meio para que o estudante compreenda o alcance da argumentação. Sendo
assim, não faz qualquer sentido ensinar a lógica e abandoná-la ao longo das
unidades que abordam a filosofia moral, da religião, da ciência ou da arte.
Esta base é precisamente a ferramenta que permite operar ao longo de todo o
programa de filosofia, quer do 10º ano, quer do 11º.
Claro que, para conseguir esse
efeito, devemos reunir duas condições que me parecem necessárias, ainda que não
suficientes:
1ª Ter um bom manual com textos
argumentativos.
2º Introduzir as noções básicas da
lógica logo no início do 10º ano.
Feito este trabalho preliminar, creio
que os estudantes estão em condições de passar à discussão dos problemas que se
colocam na filosofia, nas suas mais variadas áreas. Não posso esquecer ainda
uma outra condição que me parece de grande importância. Pelo menos numa fase
inicial, é melhor que o professor recorra a exemplos correctos, mas
intuitivamente simples. Usar os exemplos que vêm nos melhores manuais não é um
defeito, mas uma virtude, pois é com a prática desses que, com o tempo, o
professor começa a sentir o prazer de ver o esqueleto da argumentação e, aí
sim, inventar os seus próprios exemplos.
Bibliografia
Aires Almeida, et
al, A Arte de Pensar 10, Didáctica, 2007
Cornman,
Lehrer, Pappas, Philosophical problems and arguments, an
introduction, 4th Ed., Hackett, 1992
Hodges,
Wilfrid, «modern logic», in. The Oxford companion to philosophy, ed. By Ted Honderich, New Ed., 2005
Matos, Manuel José Loureiro de, «Força
de um argumento, verdade, validade e plausibilidade», Texto
redigido no âmbito da acção de formação realizada em Matosinhos, Julho 2006
Murcho, Desidério, O
lugar da lógica na filosofia, Plátano, 2003
Smith, Newton W. H., Lógica,
um curso introdutório, Gradiva, 1998
Este trabalho foi realizado no âmbito
da acção de formação «Lógica e Filosofia nos programas de 10º e 11º ano»,
dinamizada pelo Sindicato Democrático dos Professores da Madeira, no Funchal,
entre os dias 23 e 26 de Maio de 2007, com o formador Desidério Murcho.
Agradece-se ao formador todas as críticas e sugestões de correcção. Pequenas
partes do trabalho foram suprimidas de modo a garantir melhor configuração para
publicação no blog.
Trabalho realizado por Rolando
Almeida
[1] Arte de Pensar, 10º ano, p.51
[2] Desidério Murcho, Lógica, p.92
[3] Optei por recorrer a exemplos ilustrados nas obras
consultadas e referidas em bibliografia, uma vez que penso que o recurso a
exemplos já demonstrados é uma opção didáctica mais feliz, mostrando todas as
potencialidades do argumento. Neste caso uso um exemplo de Newton Smith, p.57,
obra citada em bibliografia.
[4] «Bright» é um termo usado pelo filósofo
norte-americano Daniel Dennett e que significa ateu, mas não com a conotação
daquele que defende irracionalmente o ateísmo.
Obrigado, Rolando Almeida!
Sem comentários:
Enviar um comentário