sábado, 28 de julho de 2018

Lógica Proposicional






Lógica Proposicional



     1. A forma lógica

 Neste ponto do meu trabalho vou centrar-me nas regras básicas da lógica proposicional e tentarei mostrar como é que a validade de alguns argumentos dependem do uso que se faz dos operadores verofuncionais.

O que fazemos na formalização dos argumentos é apurar as condições de verdade das proposições envolvidas num determinado argumento. Assim, com auxílio dos operadores verofuncionais, testamos a verdade de cada uma das proposições e, recorrendo às tabelas de verdade no cálculo proposicional, podemos observar se a regra da validade ocorre, que a verdade das premissas garanta a verdade da conclusão. Só o treino com os operadores verofuncionais nos permite detectar intuitivamente a falsidade de uma premissa. Seguro estou, neste ponto do meu trabalho, que um argumento pode ser composto por premissas e conclusão falsas e, ainda assim, garantir a validade. Igualmente seguro estou que, apesar dessa circunstância, a verdade das premissas garante a verdade da conclusão. E, em primeiro lugar, é este tipo de argumentos que pretendo apurar.

Em resumo, apresento uma tabela de verdade completa:



p       q
p Λ q
p V q
(exclusiva)
p V q
(inclusiva)
p → q
p ↔ q
V      V
V     F
F     V
F     F
V
F
F
F
F
V
V
F
V
V
V
F
V
F
V
V
V
F
F
V


A partir dos valores apresentados na tabela vamos poder determinar a validade dos argumentos proposicionais clássicos. É conveniente salientar que os valores da tabela não são em resultado da arbitrariedade racional, mas antes da correspondência possível entre a coerência racional e lógica das frases e os factos do mundo. A lógica não é um mero conjunto de símbolos que nos permite brincar aos argumentos. Senão, vamos observar as condições de verdade, a título de exemplo, da conjunção. 

Se estamos a juntar elementos numa proposição, por exemplo, «Sócrates era grego e engenheiro», o valor de verdade da proposição só ocorre quando, de facto, ambas as partes da proposição são verdadeiras. 

Do mesmo modo, se pensarmos, «o Luís é do Porto ou do Benfica» , mesmo que não saibamos o valor de verdade da proposição, uma coisa temos como certo, a proposição só será falsa no caso em que o Luís nem é do Porto, nem é do Benfica. Mas a disjunção ainda oferece outra possibilidade. Se dissermos, «ou o Luís é do Porto, ou do Benfica», usamos o «ou» com um significado diferente e estamos a admitir que não pode acontecer que ambos os disjuntos sejam verdadeiros. Daí que chamemos a esta disjunção de exclusiva, uma vez que uma das partes exclui a verdade da outra que a compõe.

Não incluí na minha tabela o operador de negação. Ao passo que os outros operadores são chamados de binários uma vez que se aplicam a duas proposições ligadas, a negação (¬) é unária, aplicando-se somente a uma proposição. Assim, se p é V, q será F e vice-versa.

Tabela de verdade da negação:

P
Não P
V
F
F
V


O caso da condicional merece especial atenção porque suscita ainda um debate em aberto. Não pretendo aqui explorar o debate, mas tão só chamar a atenção para o problema. Na lógica, uma condicional só é considerada literalmente falsa quando se parte de uma antecedente verdadeira para chegar a uma conclusão falsa. Todos os outros casos são considerados verdadeiros.

      2. Inspectores de circunstâncias

   Conhecida a tabela de verdade, reunimos as informações necessárias para operar com inspectores de circunstâncias. Chamam-se inspectores de circunstâncias uma vez que nos permitem observar em que circunstâncias a verdade das proposições ocorre, sendo que o pretendido é que os argumentos tenham premissas verdadeiras e sejam válidos.
Vejamos alguns exemplos:[3]

Argumento:

O João é solteiro
O João não é solteiro
Logo, Icabod é rico

À partida este argumento é inválido uma vez que intuitivamente nos parece que a conclusão não se segue das premissas, mas vejamos o que acontece quando operamos com os inspectores de circunstâncias:

Dicionário:

P – O João é solteiro
Q – Icabod é rico

Formalização:
p ,¬p I= q

Inspector de circunstâncias:


p    q

     p ,   ¬ p    I=    q

V V
V F
F V
F F
    V         F             V
    V        F              F
    F         V             V
    F         V             F











O que nos diz o inspector de circunstâncias?

Primeiro diz que não há linhas nas quais as premissas sejam ambas verdadeiras e a conclusão falsa, logo, o argumento é válido, uma vez que esta é a única situação em que o argumento seria inválido. As circunstâncias são mundos possíveis onde a verdade das proposições pode ocorrer. 

A inspecção de circunstâncias deste argumento indica-nos que não existe um mundo possível onde as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Usei este argumento pois ele é bom para nos mostrar a surpresa do argumento, uma vez que a conclusão parece nada ter a ver com as premissas, mas o teste da validade lógica mostra-nos que existe uma relação de validade entre premissas e conclusão, independentemente do conteúdo de verdade. 

A vantagem em formalizarmos os argumentos, recorrendo a um dicionário, é precisamente esta e é surpreendente ver o que se esconde por detrás da linguagem quando a ela recorremos para expressar pensamentos.

Vamos a outro exemplo:
Argumento:



A vida tem de fazer sentido e faz porque Deus lhe confere esse sentido. De outro modo que sentido faria a vida se não existisse Deus criador? Sem ele nada disto faria algum sentido para nós.


Forma canónica:

Se Deus existe, a vida faz sentido.
A vida faz sentido.
Logo, Deus existe.


Dicionário:

p – Deus existe.
– A vida faz sentido.

Formalização:

p → q
q
Logo, p.

Inspector de circunstâncias:


p    q

p → q,   q    I=    p
V V
V F
F V
F F
      V        V             V
      F         F              V
      V        V              F
      V       F                F

Este argumento parece bom, mas a inspecção de circunstâncias provou ser um mau argumento. Ele é inválido. 

O que se passa aqui é a falácia da afirmação do consequente. Se afirmássemos, na segunda premissa, o antecedente, o argumento seria válido, uma vez que a inspecção de circunstâncias nos permitiria ver que não ocorre nenhuma circunstância em que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Isto é o que há de fascinante na lógica. Se na segunda premissa, em vez de afirmarmos «a vida faz sentido», afirmássemos, «Deus existe», estaríamos perante um argumento formalmente válido que se chama Modus Ponens. Mas este argumento possui ainda outra particularidade. Apesar de formalmente válido, um «Bright[4]» jamais o aceitaria. Quer dizer que o argumento é válido, sólido, mas não é cogente uma vez que não convence um «bright» e está fora do estado cognitivo de muitos sujeitos.

Uma outra verdade lógica que deixo em referência é a chamada negação do consequente ou Modus Tollens, p → q, ¬q I= ¬p.


    3. Em conclusão

Existem muitos outros aspectos que um professor de filosofia do ensino secundário deve ter em conta na sua prática lectiva. Neste pequeno trabalho pretendi dar-me conta dos aspectos básicos que podem erguer todo o edifício da argumentação. Não me referi neste trabalho aos aspectos relacionados com a argumentação informal, nem com as falácias do discurso argumentativo na lógica informal. Seria motivo para outro trabalho de iguais dimensões. Com efeito, até para a lógica informal, a lógica dedutiva é a base segura, uma vez que o aluno só está em condições de compreender a lógica informal, depois de ter compreendido as noções básicas da lógica formal. Gostaria de chamar a atenção para um aspecto que me parece fundamental e que, ao longo do meu trabalho, pretendi nunca abandonar. A lógica é a ferramenta para um pensamento consequente. Não é em si um fim para o ensino da filosofia, mas um meio para que o estudante compreenda o alcance da argumentação. Sendo assim, não faz qualquer sentido ensinar a lógica e abandoná-la ao longo das unidades que abordam a filosofia moral, da religião, da ciência ou da arte. Esta base é precisamente a ferramenta que permite operar ao longo de todo o programa de filosofia, quer do 10º ano, quer do 11º.
Claro que, para conseguir esse efeito, devemos reunir duas condições que me parecem necessárias, ainda que não suficientes:
1ª Ter um bom manual com textos argumentativos.
2º Introduzir as noções básicas da lógica logo no início do 10º ano.

Feito este trabalho preliminar, creio que os estudantes estão em condições de passar à discussão dos problemas que se colocam na filosofia, nas suas mais variadas áreas. Não posso esquecer ainda uma outra condição que me parece de grande importância. Pelo menos numa fase inicial, é melhor que o professor recorra a exemplos correctos, mas intuitivamente simples. Usar os exemplos que vêm nos melhores manuais não é um defeito, mas uma virtude, pois é com a prática desses que, com o tempo, o professor começa a sentir o prazer de ver o esqueleto da argumentação e, aí sim, inventar os seus próprios exemplos.


Bibliografia
  
Aires Almeida, et alA Arte de Pensar 10, Didáctica, 2007

Cornman, Lehrer, Pappas, Philosophical problems and arguments, an introduction, 4th Ed., Hackett, 1992

Hodges, Wilfrid, «modern logic», in. The Oxford companion to philosophy, ed. By Ted Honderich, New Ed., 2005

Matos, Manuel José Loureiro de, «Força de um argumento, verdade, validade e plausibilidade», Texto redigido no âmbito da acção de formação realizada em Matosinhos, Julho 2006

Murcho, Desidério, O lugar da lógica na filosofia, Plátano, 2003

Smith, Newton W. H., Lógica, um curso introdutório, Gradiva, 1998

Este trabalho foi realizado no âmbito da acção de formação «Lógica e Filosofia nos programas de 10º e 11º ano», dinamizada pelo Sindicato Democrático dos Professores da Madeira, no Funchal, entre os dias 23 e 26 de Maio de 2007, com o formador Desidério Murcho. Agradece-se ao formador todas as críticas e sugestões de correcção. Pequenas partes do trabalho foram suprimidas de modo a garantir melhor configuração para publicação no blog.

Trabalho realizado por Rolando Almeida



[1] Arte de Pensar, 10º ano, p.51
[2] Desidério Murcho, Lógica, p.92
[3] Optei por recorrer a exemplos ilustrados nas obras consultadas e referidas em bibliografia, uma vez que penso que o recurso a exemplos já demonstrados é uma opção didáctica mais feliz, mostrando todas as potencialidades do argumento. Neste caso uso um exemplo de Newton Smith, p.57, obra citada em bibliografia.
[4] «Bright» é um termo usado pelo filósofo norte-americano Daniel Dennett e que significa ateu, mas não com a conotação daquele que defende irracionalmente o ateísmo.



Obrigado, Rolando Almeida!




                                           Lola

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