segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Emotivismo



Emotivismo


1. O que é o emotivismo?

O emotivismo é uma perspectiva acerca dos juízos morais muito semelhante ao subjectivismo, que pretende preservar a sua ideia central e evitar ao mesmo tempo objecções como as que acabámos de considerar. O emotivismo partilha com o subjectivismo a ideia de que não existem verdades morais independentes dos sujeitos individuais e de que os juízos morais derivam dos sentimentos que cada pessoa possui acerca de um determinado assunto. Todavia, os emotivistas vão mais longe, pois afirmam que quando usamos a linguagem moral estamos apenas a expressar emoções e a tentar convencer os outros a agir de uma certa maneira. 

2. Qual a perspectiva do emotivismo em relação aos juízos morais?

Segundo esta perspectiva, os juízos morais não relatam qualquer tipo de facto, não comunicam quaisquer verdades ou falsidades, nem sequer verdades ou falsidades relativas a indivíduos. Para um emotivista dizer “Respeitar os outros é bom” é exactamente o mesmo que dizer “Urra para o respeito!” ou “Viva o respeito!” E afirmar que o infanticídio é errado é o mesmo que dizer “Buu para o infanticídio!” ou “Abaixo o infanticídio!”. Todas estas frases são simples exclamações emocionais que não possuem qualquer valor de verdade.
Emotivismo: Os juízos morais não têm valor de verdade. Portanto, não são proposições: são apenas frases em que as pessoas exprimem os seus sentimentos de aprovação ou reprovação ou para suscitar esses mesmos sentimentos nas pessoas.

3. Como se caracteriza o emotivismo?

Supõe que dizes “Brrr!” quando tremes de frio. O teu “Brrr!” não é literalmente verdadeiro nem falso; seria despropositado responder-lhe dizendo “Isso é verdade”. Mas supõe que dizes “Eu sinto frio”. Neste caso estás a dizer uma coisa verdadeira, uma vez que realmente sentes frio. Um juízo moral é [para o emotivista] como “Brrr!” (que expressa os teus sentimentos), e não como “Eu sinto frio” (que é uma afirmação verdadeira acerca dos teus sentimentos).

4. Será o emotivismo  mais plausível que o subjectivismo?

Esta distinção permite-nos evitar alguns problemas que o subjectivismo enfrenta. Supõe que Hitler, que gosta que se matem judeus, diz “A morte dos judeus é boa”. De acordo com o subjectivismo a afirmação de Hitler é verdadeira (uma vez que significa apenas que ele gosta que se matem os judeus). Isto é bizarro. [Os emotivistas pensam] que a afirmação de Hitler é uma exclamação (“Urra para a morte dos judeus!”) e que por isso não é verdadeira nem falsa. Não se pode dizer que o juízo moral de Hitler seja falso, mas pelo menos não temos de dizer que é verdadeiro.
Para além de expressarem os nossos sentimentos pessoais, os juízos morais têm também funções sociais. Muitas vezes usamos os juízos morais para influenciar as emoções das pessoas e estimular a acção. Por exemplo, eu digo à minha irmã mais nova: “É bom arrumar os brinquedos”. Estou a tentar que ela tenha sentimentos positivos relativamente a arrumar os brinquedos — e que se comporte em conformidade com eles.
Às vezes usamos os juízos morais para nos influenciarmos a nós próprios. Quando o alarme tocou de manhã e tinha de me levantar para a aula de química, apetecia-me ficar na cama. Então tive de dizer a mim mesmo: “É bom levantares-te agora”. Isto é como dizer “Urra para te levantares agora!” É como se parte de mim estivesse numa claque a tentar influenciar a outra parte. Nas profundezas do meu interior, emoções diferentes lutam pela supremacia. (Harry Gensler, Ética, 1998, p. 62)

5. Terá o emotivismo vantagem em relação ao subjectivismo?

Como podemos ver, o emotivismo tem uma grande vantagem em relação ao subjectivismo, pois permite-nos evitar dizer que afirmações como “Matar judeus é bom” são verdadeiras em certas circunstâncias. Como ambas as teorias se baseiam na ideia de que os juízos morais derivam dos nossos sentimentos ou emoções, são muitas vezes confundidas. Mas os emotivistas não estão interessados nesta confusão, uma vez que não se querem comprometer como a afirmação de que é verdade que certos comportamentos são bons só porque achamos que são bons.
Deste modo, o emotivismo parece estar em melhor situação no que diz respeito à educação moral, pois não está comprometido com a ideia de que se uma criança pensa que um certo comportamento é bom, então para ela é verdade que esse comportamento é bom.

6. Relacione emotivismo e a educação.

 À luz desta perspectiva, a educação não consiste em deixar as crianças orientarem-se pelo gostam ou não gostam, mas em influenciar os seus sentimentos através do exemplo pessoal, de recompensas e castigos ou da indução de sentimentos de culpa e de mérito. Pelo menos neste aspecto, o emotivismo parece estar de acordo como o modo como costumamos entender a educação, e isso é decididamente um ponto a seu favor.

7. Para o emotivismo será  possível o debate sobre questões morais?

 Como vimos, o subjectivismo tira todo o sentido a esse tipo de debate, uma vez que implica que quando duas pessoas têm opiniões diferentes sobre um dado assunto cada uma delas tem razão do seu próprio ponto de vista. O emotivismo não implica isso, pois afirma que num debate moral não há propriamente quem tenha razão, ou seja, quem esteja a defender um ponto de vista verdadeiro. Afinal, pensa o emotivista, na ética pura e simplesmente não há pontos de vista verdadeiros. Quando duas pessoas têm perspectivas diferentes sobre um assunto, isso quer apenas dizer que têm sentimentos diferentes em relação a esse assunto. Mas mesmo assim pode valer a pena debater racionalmente esse assunto: uma pessoa pode tentar apresentar razões que levem a outra a mudar os seus sentimentos. É claro que, em casos extremos, as pessoas podem ter sentimentos tão diferentes que nenhum debate racional poderá fazê-las chegar a um acordo.

8. Apresente argumentos a favor do emotivismo.

Um argumento que costuma ser apresentado a favor do emotivismo é o da parcimónia. Na ciência e na filosofia consideram-se melhores as teorias mais parcimoniosas, ou seja, aquelas que explicam certos aspectos da realidade da maneira mais simples. Por outras palavras, uma teoria parcimoniosa explica o que tem a explicar sem introduzir complicações desnecessárias. Ora, o emotivismo parece uma perspectiva bastante simples: os juízos morais são apenas expressões de emoções, são exclamações sem qualquer valor de verdade. E o emotivismo parece ser também capaz de explicar um aspecto notável da ética: sugere que nem sempre se conseguem resolver racionalmente os desacordos morais frequentes acerca do que devemos ou não fazer, acerca do que é bom ou mau, porque estes têm por trás de si diferenças emocionais que só muito dificilmente serão ultrapassadas.

Objecções ao emotivismo

Admitamos então que o emotivismo é uma teoria muito parcimoniosa e que, pelo menos aparentemente, evita as objecções que derrubam o sujectivismo. Ainda assim, esta perspectiva enfrenta grandes dificuldades.
Imagina, por exemplo, que confias o teu animal de estimação a um vizinho quando vais de férias. Imagina ainda que o teu vizinho o mata enquanto estás fora. Supõe que para ti esse animal é tão importante que o consideras como se fosse da tua família. Quando recebes a notícia sofres um grande choque e imediatamente te assaltam sentimentos negativos relativamente ao teu vizinho. Apetece-te insultá-lo, bater-lhe, fazê-lo sofrer. Ainda não sabes o que o levou a matar o animal, mas já tens muitas emoções negativas relativamente ao que ele fez. Podes sentir emoções realmente fortes durante muito tempo. Ficas depois a saber que o teu vizinho fez o que era melhor para si e para as outras pessoas, uma vez que o animal enlouqueceu e se tornou muito perigoso. Talvez chegues mesmo a saber que a loucura fazia sofrer o animal, e que por isso foi também melhor para ele que o matassem. Acabas então por admitir que o acto do teu vizinho foi correcto, apesar de continuares a ter emoções negativas relativamente ao que ele fez, emoções que em grande parte não consegues controlar. Mas será que, neste caso, o teu juízo moral “O meu vizinho agiu bem” exprime as tuas emoções? É óbvio que não. A expressão das tuas emoções estaria mais de acordo com a exclamação “Buu para o que ele fez!” do que com “Urra para o que ele fez!” Isto leva-nos à seguinte objecção:
Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de aprovação ou reprovação.
Como o exemplo anterior deixa claro, nem sempre os juízos morais que aceitamos são a expressão das nossas emoções. Por isso, o emotivismo é falso. Existem muitos juízos morais que resultam de termos reflectido acerca de um determinado assunto e de termos chegado a uma conclusão através de argumentos. Algumas das nossas opiniões acerca do que é certo ou errado vão contra os nossos sentimentos e outras, aliás, não se encontram associadas a qualquer emoção. Imagina, por exemplo que alguém afirma “Se existirem marcianos devemos tratá-los com respeito”. Podemos perfeitamente fazer este juízo sem exprimir qualquer emoção. Deste modo, seria disparatado dizer que ele significa o mesmo “Urra para tratar os marcianos com respeito, se eles existirem!”. Chegamos assim a outra objecção ao emotivismo:

Os juízos morais nem sempre exprimem emoções.
Estas duas objecções são suficientes para mostrar que a ideia de que os juízos morais são apenas expressões de sentimentos é implausível. Mas há outras objecções importantes ao emotivismo. Muitos filósofos rejeitam esta perspectiva porque pensam que ela atribui um papel demasiado modesto à razão. No fundo, à luz do emotivismo qualquer debate racional se reduz a uma tentativa de influenciar as emoções. Há quem pense que na ética a razão pode fazer muito mais do que isso.

Questões de revisão

1.O que distingue o emotivismo do subjectivismo?
2.Em que aspectos é o emotivismo mais plausível do que o subjectivismo?
3.O que é uma teoria parcimoniosa?
4.O emotivismo é uma teoria parcimoniosa? Porquê?
5.É verdade que os juízos morais são a expressão dos nossos sentimentos de aprovação ou reprovação? Porquê?

Problemas

1.“Em casos extremos, as pessoas podem ter sentimentos tão diferentes que nenhum debate racional poderá fazê-las chegar a um acordo”. Concordas? Porquê?
2.Há alguns anos, uma associação de defesa dos animais constatou que muitas pessoas no Reino Unido pensavam que matar animais para fabricar produtos de luxo (como casacos de peles, malas, carteiras ou sapatos) era uma prática aceitável. Foi então organizada uma grande campanha publicitária destinada a diminuir a aceitação desta prática. Um dos cartazes publicitários mais eficazes mostrava uma mulher a desfilar. A mulher caminhava de costas viradas para o espectador e tinha pelas costas um longo casaco de peles que se arrastava pelo chão, deixando atrás de si um      rasto de sangue. a) Segundo o emotivismo, as pessoas que consideram aceitável matar animais para fabricar produtos de luxo estão enganadas? Porquê? b) O que pensas desta campanha publicitária?


Estudo complementar

·      Ayer, A. J. “Crítica da Ética e da Teologia”, in Linguagem, Verdade e Lógica (Editorial Presença, 1991). Este capítulo é uma defesa do emotivismo.
·     Gensler, Harry “Ética e Subjectivismo”. Uma boa apresentação e discussão das teorias aqui examinadas.

      Pedro Galvão
Retirado de A Arte de Pensar, de Aires Almeida, Célia Teixeira, 
Pedro Galvão, António Paulo Costa e Paula Mateus 
(Lisboa: Didáctica Editora, 2003)



                                             Lola


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