Emotivismo
1. O que é o emotivismo?
O emotivismo é uma perspectiva acerca dos juízos
morais muito semelhante ao subjectivismo, que pretende preservar a sua ideia
central e evitar ao mesmo tempo objecções como as que acabámos de considerar. O
emotivismo partilha com o subjectivismo a ideia de que não existem verdades
morais independentes dos sujeitos individuais e de que os juízos morais derivam
dos sentimentos que cada pessoa possui acerca de um determinado assunto.
Todavia, os emotivistas vão mais longe, pois afirmam que quando usamos a
linguagem moral estamos apenas a expressar emoções e a tentar convencer os
outros a agir de uma certa maneira.
2. Qual a perspectiva do
emotivismo em relação aos juízos morais?
Segundo esta perspectiva, os juízos morais não relatam
qualquer tipo de facto, não comunicam quaisquer verdades ou falsidades, nem
sequer verdades ou falsidades relativas a indivíduos. Para um emotivista dizer
“Respeitar os outros é bom” é exactamente o mesmo que dizer “Urra para o
respeito!” ou “Viva o respeito!” E afirmar que o infanticídio é errado é o
mesmo que dizer “Buu para o infanticídio!” ou “Abaixo o infanticídio!”. Todas
estas frases são simples exclamações emocionais que não possuem qualquer valor
de verdade.
Emotivismo: Os juízos
morais não têm valor de verdade. Portanto, não são proposições: são apenas
frases em que as pessoas exprimem os seus sentimentos de aprovação ou
reprovação ou para suscitar esses mesmos sentimentos nas pessoas.
3. Como se caracteriza o
emotivismo?
Supõe que dizes “Brrr!” quando tremes de frio. O teu
“Brrr!” não é literalmente verdadeiro nem falso; seria despropositado
responder-lhe dizendo “Isso é verdade”. Mas supõe que dizes “Eu sinto frio”.
Neste caso estás a dizer uma coisa verdadeira, uma vez que realmente sentes
frio. Um juízo moral é [para o emotivista] como “Brrr!” (que expressa os teus
sentimentos), e não como “Eu sinto frio” (que é uma afirmação verdadeira acerca
dos teus sentimentos).
4. Será o emotivismo mais plausível que o subjectivismo?
Esta distinção
permite-nos evitar alguns problemas que o subjectivismo enfrenta. Supõe que
Hitler, que gosta que se matem judeus, diz “A morte dos judeus é boa”. De
acordo com o subjectivismo a afirmação de Hitler é verdadeira (uma vez que
significa apenas que ele gosta que se matem os judeus). Isto é bizarro. [Os
emotivistas pensam] que a afirmação de Hitler é uma exclamação (“Urra para a
morte dos judeus!”) e que por isso não é verdadeira nem falsa. Não se pode dizer
que o juízo moral de Hitler seja falso, mas pelo menos não temos de dizer que é
verdadeiro.
Para além de
expressarem os nossos sentimentos pessoais, os juízos morais têm também funções
sociais. Muitas vezes usamos os juízos morais para influenciar as emoções das
pessoas e estimular a acção. Por exemplo, eu digo à minha irmã mais nova: “É
bom arrumar os brinquedos”. Estou a tentar que ela tenha sentimentos positivos
relativamente a arrumar os brinquedos — e que se comporte em conformidade com
eles.
Às vezes usamos
os juízos morais para nos influenciarmos a nós próprios. Quando o alarme tocou
de manhã e tinha de me levantar para a aula de química, apetecia-me ficar na
cama. Então tive de dizer a mim mesmo: “É bom levantares-te agora”. Isto é como
dizer “Urra para te levantares agora!” É como se parte de mim estivesse numa
claque a tentar influenciar a outra parte. Nas profundezas do meu interior,
emoções diferentes lutam pela supremacia. (Harry Gensler, Ética,
1998, p. 62)
5. Terá o emotivismo vantagem em relação ao subjectivismo?
Como podemos ver, o emotivismo tem uma grande vantagem
em relação ao subjectivismo, pois permite-nos evitar dizer que afirmações como
“Matar judeus é bom” são verdadeiras em certas circunstâncias. Como ambas as
teorias se baseiam na ideia de que os juízos morais derivam dos nossos
sentimentos ou emoções, são muitas vezes confundidas. Mas os emotivistas não
estão interessados nesta confusão, uma vez que não se querem comprometer como a
afirmação de que é verdade que certos comportamentos são bons só porque achamos
que são bons.
Deste modo, o
emotivismo parece estar em melhor situação no que diz respeito à educação
moral, pois não está comprometido com a ideia de que se uma criança pensa que
um certo comportamento é bom, então para ela é verdade que esse comportamento é
bom.
6. Relacione emotivismo e a educação.
À luz
desta perspectiva, a educação não consiste em deixar as crianças orientarem-se
pelo gostam ou não gostam, mas em influenciar os seus sentimentos através do
exemplo pessoal, de recompensas e castigos ou da indução de sentimentos de
culpa e de mérito. Pelo menos neste aspecto, o emotivismo parece estar de
acordo como o modo como costumamos entender a educação, e isso é decididamente
um ponto a seu favor.
7. Para o emotivismo será possível o debate sobre questões morais?
Como
vimos, o subjectivismo tira todo o sentido a esse tipo de debate, uma vez que
implica que quando duas pessoas têm opiniões diferentes sobre um dado assunto
cada uma delas tem razão do seu próprio ponto de vista. O emotivismo não
implica isso, pois afirma que num debate moral não há propriamente quem tenha
razão, ou seja, quem esteja a defender um ponto de vista verdadeiro. Afinal,
pensa o emotivista, na ética pura e simplesmente não há pontos de vista
verdadeiros. Quando duas pessoas têm perspectivas diferentes sobre um assunto,
isso quer apenas dizer que têm sentimentos diferentes em relação a esse
assunto. Mas mesmo assim pode valer a pena debater racionalmente esse assunto:
uma pessoa pode tentar apresentar razões que levem a outra a mudar os seus sentimentos.
É claro que, em casos extremos, as pessoas podem ter sentimentos tão diferentes
que nenhum debate racional poderá fazê-las chegar a um acordo.
8. Apresente argumentos a favor do emotivismo.
Um argumento que
costuma ser apresentado a favor do emotivismo é o da parcimónia. Na ciência e
na filosofia consideram-se melhores as teorias mais parcimoniosas, ou seja,
aquelas que explicam certos aspectos da realidade da maneira mais simples. Por
outras palavras, uma teoria parcimoniosa explica o que tem a explicar sem
introduzir complicações desnecessárias. Ora, o emotivismo parece uma
perspectiva bastante simples: os juízos morais são apenas expressões de
emoções, são exclamações sem qualquer valor de verdade. E o emotivismo parece
ser também capaz de explicar um aspecto notável da ética: sugere que nem sempre
se conseguem resolver racionalmente os desacordos morais frequentes acerca do
que devemos ou não fazer, acerca do que é bom ou mau, porque estes têm por trás
de si diferenças emocionais que só muito dificilmente serão ultrapassadas.
Objecções ao
emotivismo
Admitamos então que o emotivismo é uma teoria muito
parcimoniosa e que, pelo menos aparentemente, evita as objecções que derrubam o
sujectivismo. Ainda assim, esta perspectiva enfrenta grandes dificuldades.
Imagina, por
exemplo, que confias o teu animal de estimação a um vizinho quando vais de
férias. Imagina ainda que o teu vizinho o mata enquanto estás fora. Supõe que
para ti esse animal é tão importante que o consideras como se fosse da tua
família. Quando recebes a notícia sofres um grande choque e imediatamente te
assaltam sentimentos negativos relativamente ao teu vizinho. Apetece-te
insultá-lo, bater-lhe, fazê-lo sofrer. Ainda não sabes o que o levou a matar o
animal, mas já tens muitas emoções negativas relativamente ao que ele fez.
Podes sentir emoções realmente fortes durante muito tempo. Ficas depois a saber
que o teu vizinho fez o que era melhor para si e para as outras pessoas, uma
vez que o animal enlouqueceu e se tornou muito perigoso. Talvez chegues mesmo a
saber que a loucura fazia sofrer o animal, e que por isso foi também melhor
para ele que o matassem. Acabas então por admitir que o acto do teu vizinho foi
correcto, apesar de continuares a ter emoções negativas relativamente ao que
ele fez, emoções que em grande parte não consegues controlar. Mas será que,
neste caso, o teu juízo moral “O meu vizinho agiu bem” exprime as tuas emoções?
É óbvio que não. A expressão das tuas emoções estaria mais de acordo com a
exclamação “Buu para o que ele fez!” do que com “Urra para o que ele fez!” Isto
leva-nos à seguinte objecção:
Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de
aprovação ou reprovação.
Como o exemplo anterior deixa claro, nem sempre os
juízos morais que aceitamos são a expressão das nossas emoções. Por isso, o
emotivismo é falso. Existem muitos juízos morais que resultam de termos
reflectido acerca de um determinado assunto e de termos chegado a uma conclusão
através de argumentos. Algumas das nossas opiniões acerca do que é certo ou
errado vão contra os nossos sentimentos e outras, aliás, não se encontram
associadas a qualquer emoção. Imagina, por exemplo que alguém afirma “Se
existirem marcianos devemos tratá-los com respeito”. Podemos perfeitamente fazer
este juízo sem exprimir qualquer emoção. Deste modo, seria disparatado dizer
que ele significa o mesmo “Urra para tratar os marcianos com respeito, se eles
existirem!”. Chegamos assim a outra objecção ao emotivismo:
Os juízos morais nem sempre
exprimem emoções.
Estas duas objecções são suficientes para mostrar que
a ideia de que os juízos morais são apenas expressões de sentimentos é
implausível. Mas há outras objecções importantes ao emotivismo. Muitos
filósofos rejeitam esta perspectiva porque pensam que ela atribui um papel
demasiado modesto à razão. No fundo, à luz do emotivismo qualquer debate
racional se reduz a uma tentativa de influenciar as emoções. Há quem pense que
na ética a razão pode fazer muito mais do que isso.
Questões de
revisão
1.O que distingue
o emotivismo do subjectivismo?
2.Em que aspectos
é o emotivismo mais plausível do que o subjectivismo?
3.O que é uma
teoria parcimoniosa?
4.O emotivismo é
uma teoria parcimoniosa? Porquê?
5.É verdade que os
juízos morais são a expressão dos nossos sentimentos de aprovação ou
reprovação? Porquê?
Problemas
1.“Em casos
extremos, as pessoas podem ter sentimentos tão diferentes que nenhum debate
racional poderá fazê-las chegar a um acordo”. Concordas? Porquê?
2.Há alguns anos,
uma associação de defesa dos animais constatou que muitas pessoas no Reino
Unido pensavam que matar animais para fabricar produtos de luxo (como casacos
de peles, malas, carteiras ou sapatos) era uma prática aceitável. Foi então organizada
uma grande campanha publicitária destinada a diminuir a aceitação desta
prática. Um dos cartazes publicitários mais eficazes mostrava uma mulher a
desfilar. A mulher caminhava de costas viradas para o espectador e tinha pelas
costas um longo casaco de peles que se arrastava pelo chão, deixando atrás de
si um rasto de sangue. a) Segundo o emotivismo, as
pessoas que consideram aceitável matar animais para fabricar produtos de luxo
estão enganadas? Porquê? b) O que pensas desta campanha publicitária?
Estudo
complementar
· Ayer,
A. J. “Crítica da Ética e da Teologia”, in Linguagem, Verdade e Lógica (Editorial
Presença, 1991). Este capítulo é uma defesa do emotivismo.
· Gensler,
Harry “Ética e Subjectivismo”. Uma boa apresentação e discussão das teorias
aqui examinadas.
Pedro Galvão
Retirado de A Arte de Pensar, de Aires
Almeida, Célia Teixeira,
Pedro Galvão, António Paulo Costa e Paula Mateus
(Lisboa: Didáctica Editora, 2003)
Emotivismo
1. O que é o emotivismo?
O emotivismo é uma perspectiva acerca dos juízos
morais muito semelhante ao subjectivismo, que pretende preservar a sua ideia
central e evitar ao mesmo tempo objecções como as que acabámos de considerar. O
emotivismo partilha com o subjectivismo a ideia de que não existem verdades
morais independentes dos sujeitos individuais e de que os juízos morais derivam
dos sentimentos que cada pessoa possui acerca de um determinado assunto.
Todavia, os emotivistas vão mais longe, pois afirmam que quando usamos a
linguagem moral estamos apenas a expressar emoções e a tentar convencer os
outros a agir de uma certa maneira.
2. Qual a perspectiva do
emotivismo em relação aos juízos morais?
Segundo esta perspectiva, os juízos morais não relatam
qualquer tipo de facto, não comunicam quaisquer verdades ou falsidades, nem
sequer verdades ou falsidades relativas a indivíduos. Para um emotivista dizer
“Respeitar os outros é bom” é exactamente o mesmo que dizer “Urra para o
respeito!” ou “Viva o respeito!” E afirmar que o infanticídio é errado é o
mesmo que dizer “Buu para o infanticídio!” ou “Abaixo o infanticídio!”. Todas
estas frases são simples exclamações emocionais que não possuem qualquer valor
de verdade.
Emotivismo: Os juízos
morais não têm valor de verdade. Portanto, não são proposições: são apenas
frases em que as pessoas exprimem os seus sentimentos de aprovação ou
reprovação ou para suscitar esses mesmos sentimentos nas pessoas.
3. Como se caracteriza o
emotivismo?
Supõe que dizes “Brrr!” quando tremes de frio. O teu
“Brrr!” não é literalmente verdadeiro nem falso; seria despropositado
responder-lhe dizendo “Isso é verdade”. Mas supõe que dizes “Eu sinto frio”.
Neste caso estás a dizer uma coisa verdadeira, uma vez que realmente sentes
frio. Um juízo moral é [para o emotivista] como “Brrr!” (que expressa os teus
sentimentos), e não como “Eu sinto frio” (que é uma afirmação verdadeira acerca
dos teus sentimentos).
4. Será o emotivismo mais plausível que o subjectivismo?
Esta distinção
permite-nos evitar alguns problemas que o subjectivismo enfrenta. Supõe que
Hitler, que gosta que se matem judeus, diz “A morte dos judeus é boa”. De
acordo com o subjectivismo a afirmação de Hitler é verdadeira (uma vez que
significa apenas que ele gosta que se matem os judeus). Isto é bizarro. [Os
emotivistas pensam] que a afirmação de Hitler é uma exclamação (“Urra para a
morte dos judeus!”) e que por isso não é verdadeira nem falsa. Não se pode dizer
que o juízo moral de Hitler seja falso, mas pelo menos não temos de dizer que é
verdadeiro.
Para além de
expressarem os nossos sentimentos pessoais, os juízos morais têm também funções
sociais. Muitas vezes usamos os juízos morais para influenciar as emoções das
pessoas e estimular a acção. Por exemplo, eu digo à minha irmã mais nova: “É
bom arrumar os brinquedos”. Estou a tentar que ela tenha sentimentos positivos
relativamente a arrumar os brinquedos — e que se comporte em conformidade com
eles.
Às vezes usamos
os juízos morais para nos influenciarmos a nós próprios. Quando o alarme tocou
de manhã e tinha de me levantar para a aula de química, apetecia-me ficar na
cama. Então tive de dizer a mim mesmo: “É bom levantares-te agora”. Isto é como
dizer “Urra para te levantares agora!” É como se parte de mim estivesse numa
claque a tentar influenciar a outra parte. Nas profundezas do meu interior,
emoções diferentes lutam pela supremacia. (Harry Gensler, Ética,
1998, p. 62)
5. Terá o emotivismo vantagem em relação ao subjectivismo?
Como podemos ver, o emotivismo tem uma grande vantagem
em relação ao subjectivismo, pois permite-nos evitar dizer que afirmações como
“Matar judeus é bom” são verdadeiras em certas circunstâncias. Como ambas as
teorias se baseiam na ideia de que os juízos morais derivam dos nossos
sentimentos ou emoções, são muitas vezes confundidas. Mas os emotivistas não
estão interessados nesta confusão, uma vez que não se querem comprometer como a
afirmação de que é verdade que certos comportamentos são bons só porque achamos
que são bons.
Deste modo, o
emotivismo parece estar em melhor situação no que diz respeito à educação
moral, pois não está comprometido com a ideia de que se uma criança pensa que
um certo comportamento é bom, então para ela é verdade que esse comportamento é
bom.
6. Relacione emotivismo e a educação.
À luz
desta perspectiva, a educação não consiste em deixar as crianças orientarem-se
pelo gostam ou não gostam, mas em influenciar os seus sentimentos através do
exemplo pessoal, de recompensas e castigos ou da indução de sentimentos de
culpa e de mérito. Pelo menos neste aspecto, o emotivismo parece estar de
acordo como o modo como costumamos entender a educação, e isso é decididamente
um ponto a seu favor.
7. Para o emotivismo será possível o debate sobre questões morais?
Como
vimos, o subjectivismo tira todo o sentido a esse tipo de debate, uma vez que
implica que quando duas pessoas têm opiniões diferentes sobre um dado assunto
cada uma delas tem razão do seu próprio ponto de vista. O emotivismo não
implica isso, pois afirma que num debate moral não há propriamente quem tenha
razão, ou seja, quem esteja a defender um ponto de vista verdadeiro. Afinal,
pensa o emotivista, na ética pura e simplesmente não há pontos de vista
verdadeiros. Quando duas pessoas têm perspectivas diferentes sobre um assunto,
isso quer apenas dizer que têm sentimentos diferentes em relação a esse
assunto. Mas mesmo assim pode valer a pena debater racionalmente esse assunto:
uma pessoa pode tentar apresentar razões que levem a outra a mudar os seus sentimentos.
É claro que, em casos extremos, as pessoas podem ter sentimentos tão diferentes
que nenhum debate racional poderá fazê-las chegar a um acordo.
8. Apresente argumentos a favor do emotivismo.
Um argumento que
costuma ser apresentado a favor do emotivismo é o da parcimónia. Na ciência e
na filosofia consideram-se melhores as teorias mais parcimoniosas, ou seja,
aquelas que explicam certos aspectos da realidade da maneira mais simples. Por
outras palavras, uma teoria parcimoniosa explica o que tem a explicar sem
introduzir complicações desnecessárias. Ora, o emotivismo parece uma
perspectiva bastante simples: os juízos morais são apenas expressões de
emoções, são exclamações sem qualquer valor de verdade. E o emotivismo parece
ser também capaz de explicar um aspecto notável da ética: sugere que nem sempre
se conseguem resolver racionalmente os desacordos morais frequentes acerca do
que devemos ou não fazer, acerca do que é bom ou mau, porque estes têm por trás
de si diferenças emocionais que só muito dificilmente serão ultrapassadas.
Objecções ao
emotivismo
Admitamos então que o emotivismo é uma teoria muito
parcimoniosa e que, pelo menos aparentemente, evita as objecções que derrubam o
sujectivismo. Ainda assim, esta perspectiva enfrenta grandes dificuldades.
Imagina, por
exemplo, que confias o teu animal de estimação a um vizinho quando vais de
férias. Imagina ainda que o teu vizinho o mata enquanto estás fora. Supõe que
para ti esse animal é tão importante que o consideras como se fosse da tua
família. Quando recebes a notícia sofres um grande choque e imediatamente te
assaltam sentimentos negativos relativamente ao teu vizinho. Apetece-te
insultá-lo, bater-lhe, fazê-lo sofrer. Ainda não sabes o que o levou a matar o
animal, mas já tens muitas emoções negativas relativamente ao que ele fez.
Podes sentir emoções realmente fortes durante muito tempo. Ficas depois a saber
que o teu vizinho fez o que era melhor para si e para as outras pessoas, uma
vez que o animal enlouqueceu e se tornou muito perigoso. Talvez chegues mesmo a
saber que a loucura fazia sofrer o animal, e que por isso foi também melhor
para ele que o matassem. Acabas então por admitir que o acto do teu vizinho foi
correcto, apesar de continuares a ter emoções negativas relativamente ao que
ele fez, emoções que em grande parte não consegues controlar. Mas será que,
neste caso, o teu juízo moral “O meu vizinho agiu bem” exprime as tuas emoções?
É óbvio que não. A expressão das tuas emoções estaria mais de acordo com a
exclamação “Buu para o que ele fez!” do que com “Urra para o que ele fez!” Isto
leva-nos à seguinte objecção:
Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de
aprovação ou reprovação.
Como o exemplo anterior deixa claro, nem sempre os
juízos morais que aceitamos são a expressão das nossas emoções. Por isso, o
emotivismo é falso. Existem muitos juízos morais que resultam de termos
reflectido acerca de um determinado assunto e de termos chegado a uma conclusão
através de argumentos. Algumas das nossas opiniões acerca do que é certo ou
errado vão contra os nossos sentimentos e outras, aliás, não se encontram
associadas a qualquer emoção. Imagina, por exemplo que alguém afirma “Se
existirem marcianos devemos tratá-los com respeito”. Podemos perfeitamente fazer
este juízo sem exprimir qualquer emoção. Deste modo, seria disparatado dizer
que ele significa o mesmo “Urra para tratar os marcianos com respeito, se eles
existirem!”. Chegamos assim a outra objecção ao emotivismo:
Os juízos morais nem sempre
exprimem emoções.
Estas duas objecções são suficientes para mostrar que
a ideia de que os juízos morais são apenas expressões de sentimentos é
implausível. Mas há outras objecções importantes ao emotivismo. Muitos
filósofos rejeitam esta perspectiva porque pensam que ela atribui um papel
demasiado modesto à razão. No fundo, à luz do emotivismo qualquer debate
racional se reduz a uma tentativa de influenciar as emoções. Há quem pense que
na ética a razão pode fazer muito mais do que isso.
Questões de
revisão
1.O que distingue
o emotivismo do subjectivismo?
2.Em que aspectos
é o emotivismo mais plausível do que o subjectivismo?
3.O que é uma
teoria parcimoniosa?
4.O emotivismo é
uma teoria parcimoniosa? Porquê?
5.É verdade que os
juízos morais são a expressão dos nossos sentimentos de aprovação ou
reprovação? Porquê?
Problemas
1.“Em casos
extremos, as pessoas podem ter sentimentos tão diferentes que nenhum debate
racional poderá fazê-las chegar a um acordo”. Concordas? Porquê?
2.Há alguns anos,
uma associação de defesa dos animais constatou que muitas pessoas no Reino
Unido pensavam que matar animais para fabricar produtos de luxo (como casacos
de peles, malas, carteiras ou sapatos) era uma prática aceitável. Foi então organizada
uma grande campanha publicitária destinada a diminuir a aceitação desta
prática. Um dos cartazes publicitários mais eficazes mostrava uma mulher a
desfilar. A mulher caminhava de costas viradas para o espectador e tinha pelas
costas um longo casaco de peles que se arrastava pelo chão, deixando atrás de
si um rasto de sangue. a) Segundo o emotivismo, as
pessoas que consideram aceitável matar animais para fabricar produtos de luxo
estão enganadas? Porquê? b) O que pensas desta campanha publicitária?
Estudo
complementar
· Ayer,
A. J. “Crítica da Ética e da Teologia”, in Linguagem, Verdade e Lógica (Editorial
Presença, 1991). Este capítulo é uma defesa do emotivismo.
· Gensler,
Harry “Ética e Subjectivismo”. Uma boa apresentação e discussão das teorias
aqui examinadas.
Pedro Galvão
Retirado de A Arte de Pensar, de Aires
Almeida, Célia Teixeira,
Pedro Galvão, António Paulo Costa e Paula Mateus
(Lisboa: Didáctica Editora, 2003)
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