David Hume
O problema da indução
O QUE É O PROBLEMA
DA INDUÇÃO? A indução consiste numa inferência que decorre da observação e das respectivas generalizações e previsões. Apesar da base da indução ser a causalidade, esta baseia-se numa mera repetição de eventos o que não significa que tal relação seja necessária e, por isso, é difícil de prever que tal ocorra no futuro. Esse é problema da indução. |
- não é a priori (não é uma verdade necessária; nenhum argumento dedutivo pode justificar as crenças indutivas
- não é a posteriori (consistiria num argumento indutivo).
- Afirmar que a crença na uniformidade da natureza é justificada pela experiência implicaria observar toda a natureza, sempre e em qualquer lugar.
- A crença na uniformidade da natureza justificava-se de forma indutiva afirmando que se até agora a natureza se tem comportado de determinado modo, acreditamos que ela se irá comportar sempre do mesmo modo.
- Justificar a indução com um raciocínio indutivo é um argumento falacioso ( petição de princípio)
- A indução não tem justificação racional nem empírica.
Quando se pergunta Qual é a natureza de todos os nossos raciocínios acerca de questões de facto? a resposta adequada parece ser que eles assentam na relação de causa e efeito. Quando em seguida se pergunta Qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões acerca dessa relação? pode-se dar a resposta numa palavra: experiência. Mas se ainda continuarmos com o nosso espírito inquiridor e perguntarmos Qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios a partir da experiência? Isto implica uma nova questão, que pode ser de ainda mais difícil solução e esclarecimento.
D. Hume , Investigação sobre o Entendimento Humano.
- Os nossos raciocínios acerca de questões de facto baseiam-se na relação de causa e efeito.
- A relação de causa e efeito, por sua vez, baseia-se na experiência.
- qual a justificação para os raciocínios que têm por base a experiência?
- Acreditamos que no futuro o movimento de uma bola de bilhar fará outra mover-se e que o pão nos alimentará, porque vimos estes acontecimentos ocorrerem sempre juntos no passado.
- Mas o que nos autoriza a fazer estas inferências acerca do futuro com base no nosso conhecimento do presente e do passado?
- Esta questão só se coloca pelo facto de a nossa ideia de causa e efeito não ter origem a priori, mas na experiência.
- Se a razão fosse capaz de demonstrar a existência de conexões necessárias entre acontecimentos (isto é, que o efeito resulta necessariamente da causa), isso seria suficiente para estarmos certos de que as nossas crenças sobre acontecimentos futuros são verdadeiras, porque bastaria observarmos a ocorrência da causa para sabermos que o efeito se iria inevitavelmente seguir.
- Mas, como a nossa ideia de relação causal resulta da experiência, é legítimo perguntar de que modo a experiência permite justificar as nossas crenças acerca de acontecimentos de que não temos experiência, isto é, de que modo a experiência permite justificar a crença em que as relações causais observadas no passado se manterão no futuro.
- Os filósofos empiristas defendem que a partir da experiência era possível chegar a crenças razoáveis sobre acontecimentos futuros, isto é, crenças de cuja verdade podíamos estar razoavelmente — embora não absolutamente — seguros.
- Existe alguma justificação racional para esta convicção dos empiristas?
Mesmo depois de termos experiência das operações de causa e efeito, as conclusões que tiramos dessa experiência não estão fundadas no raciocínio ou em qualquer processo do entendimento.
Investigação sobre o Entendimento Humano.
- Mesmo que os nossos raciocínios acerca de acontecimentos futuros tenham por ponto de partida premissas empíricas nunca é possível justificar racionalmente as conclusões a que chegamos por seu intermédio.
- Assim, não há fundamento racional para afirmarmos, como os empiristas faziam, que podemos ter crenças razoáveis acerca de acontecimentos futuros.
- Para percebermos o raciocínio de Hume que está na base desta conclusão usemos como exemplo um argumento em que a partir da experiência anterior seja tirada uma conclusão sobre um acontecimento de que não há experiência, como o seguinte:
Sempre que no passado comi pão ele alimentou-me.Portanto, da próxima vez que comer pão ele alimentar-me-á.
- Hume não tem qualquer dificuldade em admitir que as experiências anteriores, sintetizadas na premissa, estejam corretas, isto é, que até agora o pão sempre me tenha alimentado.
- Mas, essas experiências fornecem apenas informação sobre os objetos dessas experiências — neste caso, o pão que comi — e no período anterior em que decorreram.
- As nossas inferências causais, contudo, não se limitam a registar as nossas experiências anteriores. Antes alargam, na conclusão, a informação adquirida por essas experiências a acontecimentos futuros e diferentes.
- O que justifica que o façam? Como Hume diz:
O pão que antes comi alimentou-me, isto é, um corpo com determinadas qualidades sensíveis estava, naquele momento, dotado de determinados poderes secretos. Mas segue-se daí que outro pão deva igualmente alimentar-me em outra ocasião, e que qualidades sensíveis idênticas devam estar sempre acompanhadas de idênticos poderes secretos? É uma consequência que de modo algum parece necessária. É preciso, pelo menos, reconhecer que aqui houve uma consequência tirada pela mente, que se deu um certo passo: um processo de pensamento e uma inferência que estão a exigir uma explicação.
David Hume
Investigação sobre o Entendimento Humano.
- Qual é a explicação para esta inferência?
- David Hume pensa que não existe uma explicação adequada para ela pois não é possível passar diretamente da premissa para a conclusão, ou seja, a conclusão não se segue da premissa. Não se segue do facto de no passado o pão sempre me ter alimentado que me irá alimentar da próxima vez que o comer.
- O facto de o pão me ter alimentado no passado e o facto, suposto, de me alimentar no futuro, quando o voltar a comer, são dois acontecimentos distintos e, por isso, não posso inferir o segundo a partir do primeiro.
- A premissa pura e simplesmente não suporta a conclusão. Por isso, para que o argumento funcione é necessária uma premissa intermédia que ligue a premissa à conclusão.
- Uma vez que aquilo que nos impede de inferir diretamente os acontecimentos futuros a partir dos anteriores é que o curso da natureza pode mudar, essa premissa terá que garantir que no futuro os acontecimentos serão como foram no passado.
- Se uma premissa como “O futuro será como o passado” for acrescentada ao argumento, a inferência a partir da experiência passada passa a estar justificada.
- Com essa premissa, o argumento terá a seguinte forma:
Sempre que no passado comi pão ele alimentou-me.O futuro será como o passado.Portanto, da próxima vez que comer pão ele alimentar-me-á.
- É frequente chamar-se a esta premissa Princípio da Uniformidade da Natureza. Este princípio expressa a ideia de que a natureza é uniforme ou que o futuro será como o passado, isto é, que, em circunstâncias idênticas, os acontecimentos de que não temos experiência serão como os acontecimentos de que temos experiência.
- Contudo, segundo Hume, esta premissa não está em condições de permitir à razão fazer a inferência de acontecimentos passados para ocorrências futuras porque ela própria não é justificável, isto é, não é possível provar que é verdadeira.
- Para o mostrar, Hume recorre à distinção entre relações de ideias e questões de facto e aos dois tipos de raciocínios que lhes estão associados, os raciocínios demonstrativos e os raciocínios morais ou prováveis.
- É o princípio de que a natureza é uniforme uma relação de ideias que possamos provar por intermédio de uma demonstração, como o Teorema de Pitágoras? Nesse caso, a negação de a “Natureza é uniforme” teria de implicar uma contradição.
- Mas, diz Hume, não há qualquer contradição em supor que a natureza não é uniforme ou, para dar o exemplo do argumento, que da próxima vez que comer pão ele não me alimentará. Isto é, nada impede que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa.
- O Princípio da Uniformidade da Natureza não é, portanto, uma relação de ideias e, por isso, não pode ser provado a priori, pela razão apenas.
- O princípio é, então, uma questão de facto. Nesse caso, a sua verdade terá de ser provada por um raciocínio a que Hume chama provável, isto é, com base na experiência.
- Mas, podemos provar a sua verdade com base na experiência?
- Para provar este princípio com base na experiência temos de fazer um argumento como o seguinte:
No passado, a natureza tem sido sempre regular.Portanto, a natureza é regular.
- A premissa expressa a nossa experiência da regularidade da natureza. A conclusão é o próprio Princípio da Uniformidade da Natureza. Passa-se, no entanto, com este argumento o mesmo que acontecia com o anterior.
- Não é possível inferir a conclusão da premissa, porque a premissa é sobre o passado ao passo que a conclusão é sobre o futuro. Só recorrendo a uma premissa que garanta que o futuro é como o passado pode a inferência ser feita.
- Se acrescentarmos essa premissa, o argumento é o seguinte:
No passado, a natureza tem sido sempre regular.A natureza é regular.Portanto, a natureza é regular.
- Mas assim o argumento é circular, uma petição de princípio, uma vez que a conclusão aparece como uma das premissas, pelo que também não é possível justificar o Princípio da Uniformidade da Natureza por meio da experiência.
- E, claro, se não é possível justificar o Princípio da Uniformidade da Natureza também não temos razão para pensar que as nossas crenças acerca de acontecimentos futuros são verdadeiras.
- Este é o famoso problema da indução, de que Hume foi o primeiro a dar conta.
- Esta é a segunda conclusão cética de Hume.
- Até Hume, os filósofos e os cientistas pensavam que o nosso conhecimento do mundo estava racionalmente justificado, ou por raciocínios a priori, como os racionalistas pensavam, ou por raciocínios com base na experiência, como os empiristas anteriores a Hume pensavam.
- Hume mostrou que tanto os racionalistas como os empiristas estavam enganados e que não podemos justificar racionalmente, nem a priori nem a posteriori, os princípios que estão na base das nossas crenças acerca do mundo.
- Portanto, as nossas crenças sobre o mundo não constituem conhecimento.
- Significa isto que estas nossas crenças sejam totalmente injustificadas?
- Hume não o pensa, embora a justificação que encontra para elas não tenha origem na razão, mas na natureza humana.
1.
2. Caracterize a relação causal de
acordo com Hume.
Para Hume, a
causalidade consiste num processo de conhecer que transcende as experiências do
passado e do presente. Quer isto dizer que a causalidade fundamenta-se a partir
de um processo que se resume ao hábito, à contiguidade espácio-temporal e à
sucessão de eventos. Apesar de ser através da experiência que adquiro a noção
de relação entre fenómenos, essa relação não está necessariamente presente.
Simplesmente adquiro essa noção pelo facto do mesmo fenómeno se repetir. Assim,
há certas características que acompanham um fenómeno tipo A®B. Entre eles
existe uma certa conjunção de acontecimentos. A antecede B e A apresenta-se
sempre em conjunção com B. Do mesmo modo, eles estão próximos no espaço e no
tempo e também existe uma precedência cronológica habitual. Todos estes
factores são os motivos pelos quais efetuamos relações de causa e efeito. Só
que esta relação não é necessária, é contigente e baseia-se numa crença na
repetição dos fenómenos.
3. Defina o problema da indução, segundo Hume.
A causalidade está na origem da indução, embora não a justifique. A indução
consiste numa inferência que decorre da observação e das respectivas
generalizações e previsões. Apesar da base da indução ser a causalidade, esta
baseia-se numa mera repetição de eventos o que não significa que tal relação
seja necessária e, por isso, é difícil de prever que tal ocorra no futuro. Esse
é problema da indução. O simples facto de acontecer no passado não significa
que os mesmos fenómenos ocorram no futuro. Simplesmente existe uma crença. A
conclusão de um argumento indutivo pode sempre ser falsa mesmo que a
experiência que acumulámos sobre um determinado assunto aponte em sentido
contrário
4. Explique por que razão segundo
Hume a relação causal não pode justificar a indução.
Porque a relação causal que estabeleço entre dois fenómenos decorre de uma
mera regularidade. A generalização efectuada pela indução não é de todo
sustentada a priori, nem é necessária, decorre de uma mera crença
na regularidade dos fenómenos. No passado constatámos padrões e acreditámos que
eles continuariam a produzir-se no futuro e que isso sempre aconteceu. Porém,
como asseverou Hume do facto de no passado o futuro se ter revelado semelhante
ao passado não se pode inferir que, no futuro, o futuro seja como o passado ou,
dito de outro modo, a nossa experiência apenas pode justificar as nossas
crenças acerca do futuro se tivermos uma justificação independente (dela) para
acreditar que o futuro será como o passado; mas, claro, isso é o que
precisamente não temos.
Por outras palavras, o
único modo por meio do qual se pode fazer apelo à experiência para verificar se
P®Q é o de observar se no passado se observou sempre que P®Q. Portanto, para
mostrar que P®Q é verdadeira seria necessário mostrar que não haveria casos em
que P®~Q e de termos esgotado todas as inferências do tipo P®Q. Logo, P®Q não
podem resumir-se àqueles que foram objecto das nossas observações passadas e
presentes. Se P®Q ocorre num certo universo não posso inferir daí que ocorra em
qualquer universo.
5. Explique a que tipo de cepticismo conduz a crítica de Hume da indução.
Perante a dificuldade
da indução parece haver uma só saída: o ceticismo. Efetivamente, o problema da
indução veio mostrar-nos que não é possível conhecer a realidade, pois não
devemos confundir a realidade com a perceção que possuímos dessa realidade. Na
base do conhecimento está tão só uma crença na uniformidade da natureza. Para
Hume é bom que assim seja caso contrário ficaríamos numa posição de imobilismo.
Portanto, o ceticismo de Hume não é radical, antes pode ser qualificado de moderado.
Em que consiste o problema
da causalidade, segundo Hume?
Ao
raciocinarmos sobre questões de facto estabelecemos relações de causalidade. A
ideia de causalidade como conexão necessária é, assim, a base dos nossos
conhecimentos sobre o mundo. Acontece que esta ideia não pode ser justificada a
priori (não pode ser inferida apenas com base na razão, independentemente da
experiência), nem tão pouco a posteriori (pois isso implicaria que tivéssemos a
impressão correspondente, o que não acontece). A causalidade resulta de uma
tendência psicológica, não existe nos objetos. Forma-se na nossa mente em
virtude do costume ou do hábito de observarmos repetidamente que dois fenómenos
ocorrem conjunta e sucessivamente. Porque o passado me mostrou existir uma
conjunção constante entre A e B, tendo a imaginar que existe uma conexão
necessária, uma relação de causalidade, isto é, que um é necessária e
inevitavelmente a causa do outro. Contudo, esta crença não está justificada.
Nunca observamos qualquer conexão necessária, apenas conjunções constantes, que
podem ser arbitrárias e casuais. Nisto consiste o problema da causalidade.
Em que consiste o problema
da indução, segundo Hume?
O problema da
causalidade cruza-se, na proposta de Hume, com um outro problema, o da indução.
As inferências indutivas são a base do nosso conhecimento sobre o mundo.
Estarão elas justificadas? Segundo Hume, não. Só poderíamos confiar na indução
se partíssemos do princípio de que a natureza é uniforme e regular, sem lugar
para imprevistos. Acontece que a nossa crença na regularidade da natureza é ela
própria fundada na indução. Estamos, pois, encerrados numa petição de
princípio, numa justificação circular que nada justifica: todos os nossos
argumentos indutivos pressupõe a crença de que a natureza é regular, crença
esta que, por sua vez, foi construída com base em inferências indutivas. A
ideia de que a natureza é uniforme é uma verdade contingente, pois é
perfeitamente possível que a natureza não seja uniforme e que o futuro não
repita o passado. O exemplo do ornitorrinco é revelador de que o número de
observações que serve de base a uma indução é logicamente independente da
verdade da conclusão.
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