Com os argumentos anteriores (Cosmológico, Teleológico, Ontológico e o Argumento do Mal) conseguiu-se
provar que Deus existe ou não existe.
Será racional acreditar em Deus?
Para se entender bem esta questão é
necessário distinguir dois tipos de racionalidade:
A. Racionalidade
epistémica: aquela
que é justificada (3º elemento de definição tradicional de conhecimento - crença
verdadeira justificada). Com este tipo de racionalidade aumenta-se a
probabilidade de descobrir novas crenças verdadeiras.
B. Racionalidade
prudencial: é o tipo de racionalidade que não conduzindo à
verdade, conduz a benefícios práticos, ou seja, justifica crenças práticas ou
que ajuda as pessoas, de alguma forma.
Em alguns casos é possível e legítimo
possuir-se racionalidade prudencial sem ter a racionalidade epistémica e
algumas situações do quotidiano revelam isso mesmo. Por exemplo: alguns doentes
terminais têm pensamento positivo e acreditam que vão recuperar ainda que possa
ser uma crença falsa.
Então, há situações em
que é plausível ter racionalidade prudencial sem ter racionalidade epistémica.
Relativamente à crença em
Deus, há algo semelhante ou não?
Se os argumentos tradicionais a
favor da existência de Deus não são bons e, por isso, não há racionalidade
epistémica para acreditar na existência de Deus, será que pode ainda assim
haver racionalidade prudencial para esta crença?
Segundo Blaise Pascal
(1623-1662) mesmo sem argumentos a favor da existência de Deus, o mais racional, do ponto de vista prudencial,
é acreditar que Deus existe dado que essa é a melhor "aposta",
aquela que traz mais benefícios práticos para nós. Ainda que a crença em Deus
não tenha racionalidade epistémica, porque, por exemplo, os argumentos a favor
da existência de Deus não são bons, a crença em Deus tem racionalidade
prudencial na medida em que nos proporciona benefícios práticos
Esta posição de que se pode acreditar legitimamente em Deus sem qualquer
racionalidade epistémica é conhecida por FIDEÍSMO.
Assim, para
o FIDEÍSMO não é necessária qualquer razão epistémica para
acreditar em Deus.
Pascal sendo fideísta não tem como
propósito provar que Deus existe ou que a existência de Deus é mais
provável do que a não existência, tal como acontece nos argumentos
tradicionais.
Pascal sustenta que tendo em conta os
custos e benefícios para a nossa vida, apostar e acreditar na existência
de Deus é uma boa coisa para nós, daí que a racionalidade prudencial nos leve a
acreditar em Deus.
Porquê?
O raciocínio de
Pascal pode ser dividido em duas partes:
1. Pascal afirma que ou Deus existe ou não existe - temos de escolher, optar e apostar. Para
fazer essa escolha não podemos usar a racionalidade epistémica pois segundo ele
nenhum dos argumentos nos permite estabelecer isso.
Temos de olhar para os custos e
benefícios de cada opção, apostando naquele em que há uma maior hipótese
de sermos recompensados.
Assim, segundo Pascal, perante a
alternativa de que Deus existe ou Deus não existe, temos duas opções: ou
acreditamos que Deus existe ou não acreditamos que Deus existe.
Qual a melhor opção?
Do ponto de vista prudencial,
a visão mais racional será, segundo Pascal, começar por explicar que, se Deus
existe e acreditamos nele, a recompensa será uma felicidade eterna, ou seja,
um resultado positivo com valor infinito - o paraíso.
Contudo, se Deus existe e não acreditamos
nele, a punição será eterna, isto é, receberemos um resultado negativo
com valor infinito - o inferno.
Além disso, no caso de Deus não existir
pouco ou nada ganharemos em acreditar em Deus (talvez possamos ganhar, por
exemplo, alguma paz interior subjectiva que as celebrações religiosas possam
proporcionar) e pouco ou nada ganharemos ao não acreditar em Deus (talvez
possamos ganhar algum tempo que não gastamos em orações e missas).
De qualquer forma, se Deus não existe, o
resultado de acreditar em Deus será praticamente igual oa resultado de não
acreditar, ou seja, será algum valor finito ( como ganhar alguma paz interior-
na caso da crença - ou ganhar algum tempo - na caso da descrença).
Vejamos a seguinte matriz....
DEUS EXISTE
|
DEUS NÃO EXISTE
|
|
Acreditar em Deus
|
Valor
infinito positivo - PARAÍSO
|
Valor finito
|
Não acreditar em Deus
|
Valor
Infinito negativo - INFERNO
|
Valor Finito
|
O que poderemos constatar?
A opção de acreditar em Deus tem um melhor
resultado do que não acreditar em Deus.
2. A segunda parte do raciocínio de Pascal consiste em
aplicar o principio da racionalidade prudencial aos dados que constatamos na
matriz - devemos escolher a opção que tem para nós o melhor resultado em termos
de benefícios práticos.
Principio da racionalidade prudencial
Se uma das opções de escolha, X, disponível para nós tiver um resultado
melhor do que o das outras opções disponíveis, e nunca tiver um resultado pior
do que as outras opções, deveremos escolher X.
Assim, se a opção de
acreditar em Deus tem um melhor resultado do que a alternativa de não
acreditar, devemos escolher acreditar que Deus existe.
Assim, o raciocinio de
Pascal pode ser formalizado assim:
1. Ou Deus existe ou Deus
não existe
2. Se Deus existe,
estaremos melhor como crentes em Deus do que como não crentes (dado que é
melhor ter um valor infinito positivo do que negativo)
3. Se Deus não existe ,
não é pior acreditar do que não acreditar (Dado que em ambos os casos haverá
algum valor finito)
4. Logo, quer Deus exista
quer Deus não exista, acreditar que Deus existe tem um melhor resultado do que
não acreditar em Deus, e nunca um resultado pior (de 1 a 3)
5. Se o passo 4 é
verdadeiro, então devemos escolher acreditar que Deus existe (dado o principio
da racionalidade prudencial)
6. Logo, devemos escolher
acreditar que Deus existe. (De 4 e 5 por modus ponens)
Este raciocínio é válido,
mas será sólido?
Que
objecções podemos apresentar?
Objecções ao Fideísmo de Pascal
1. A matriz não está bem construída - pode por-se em causa a matriz apresentada por Pascal de duas formas:
A. segundo a teoria do teísmo céptico vale a pena questionar sobre como se pode saber que a recompensa tem um valor infinito positivo quando Deus existe e nós acreditamos em Deus.
Talvez Deus tenha uma razão para recompensar todos com valor infinito positivo mesmo aqueles que não acreditam em Deus.
Será que Deus beneficia de igual forma com valor infinito positivo os crentes que têm fé apenas por interesse da recompensa e aqueles crentes que têm fé de forma desinteressada e honesta. A matriz de Pascal não nos elucida acerca deste aspecto.
B. A matriz apenas considera o Deus teísta, mas poder-se-à questionar porque não se poderão considerar outras hipóteses como o Deus deísta (o qual, por exemplo, não dava qualquer recompensa mas que poderia castigar infinitamente os teístas) ou um Deus malevolo que só dava recompensa infinita aos maus ou descrentes. Com esta objecção dos vários deuses sustenta-se que a matriz apresentada por Pascal é muito incompleta, uma vez que não considera outras possíveis hipóteses de divindade e os seus respectivos valores resultantes; todavia, caso se considerem essas várias hipóteses, já não será nada obvio que racionalidade prudencial exija que se acredite no Deus teísta.
2. A fé religiosa não se pode basear num cálculo - Pascal, como vimos, baseia a crença em Deus num cálculo de forma a averiguar os melhores resultados. Contudo, uma devoção religiosa baseada num mero cálculo de custos e benefícios parece meramente interesseira e egoísta e, como tal, seria moralmente repugnante para a relação com Deus (se ele existir). William James (1842 - 1910) faz algumas reflexões a este propósito: Será que uma fé baseada num cálculo mecânico não carece de alma interior? Será a fé voluntária ou fruto de um interesse? Será que Deus aprova uma fé baseada num cálculo? Estará Deus disposto a permitir uma recompensa infinita a quem usa a fé numa atitude de cálculo?
3. A crença em Deus não é voluntária - No argumento de Pascal pressupõe-se que se pode simplesmente decidir passar a acreditar em Deus em função dos benefícios daí resultantes. Ou seja, o argumento de Pascal pressupõe que a crença está sob controlo voluntário e livre da pessoa. Todavia, tal tese é improvável dado que não temos esse controlo voluntário sobre a maioria daquilo em que acreditamos. William Alston (1921 - 2009) refere, a este propósito, que não temos o poder de decidir se acreditamos em Deus ou não apenas por decidir fazê-lo.
Assim, aquilo em que acreditamos é, em grande medida, não voluntário e não depende do nosso livre arbítrio. Então, se não há controlo voluntário sobre as nossas crenças então não se pode simplesmente decidir acreditar ou desacreditar em Deus tal como proposto por Pascal.
Texto elaborado com base no livro Filosofia, exame 11,
Domingos Faria e Luís Veríssimo, Leya Educação, 2020
Lola
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