Thomas Kuhn e as
Revoluções Científicas
Segundo Kuhn, o desenvolvimento da ciência processa-se do seguinte modo:
Pré-ciência → Paradigma →
Ciência normal → Crise do paradigma/Ciência extraordinária → Revolução
científica → Paradigma → …
- O que é a pré-ciência?
Segundo Kuhn, a ciência estrutura-se e orienta-se por paradigmas.
Na ausência de um paradigma, não existe ainda ciência propriamente dita.
Está-se no período da pré-ciência.
É um
período de actividade desorganizada e diversa que precede a formação de uma
ciência e que termina quando uma comunidade científica adere a um paradigma.
Neste
período, não existe ainda um trabalho concertado entre os investigadores, nem
um acordo acerca dos fundamentos da investigação científica.
São os paradigmas
que fundam a ciência e organizam o trabalho dos cientistas.
- O que é um paradigma?
Um paradigma é uma
estrutura teórica que oferece a uma comunidade de investigadores uma visão do
mundo e uma forma específica de fazer ciência.
O período
pré-científico é ultrapassado quando alguém propõe uma teoria de tal modo
poderosa que toda a comunidade de investigadores se une em seu torno.
O conceito de
paradigma apresenta-se como o conceito central da filosofia da ciência de Kuhn
e encerra em si alguns elementos distintivos.
Um paradigma
inclui, antes de mais, leis e pressupostos teóricos fundamentais. Centra-se num
corpo de leis científicas e de pressupostos gerais acerca do que uma teoria
científica deve ser. Por exemplo, o paradigma copernicano centra-se na tese heliocêntrica,
e o paradigma newtoniano nas leis do movimento e na lei da gravitação universal
de Newton.
Um paradigma inclui
também regras para aplicar as leis à realidade, ou seja, mostra como lidar com
objectos e situações concretas a partir das leis. Por exemplo, o paradigma
newtoniano inclui regras para aplicar as leis de Newton a objectos como
planetas, pêndulos e bolas de bilhar.
Um paradigma integra
regras para usar instrumentos científicos. Por exemplo, o astrónomo dinamarquês
Tycho Brahe (1546-1601) desenvolveu instrumentos para o paradigma copernicano
que permitiram formular as leis do movimento dos planetas. Um paradigma diz que
instrumentos se devem usar e como fazê-lo.
Um paradigma envolve
princípios metafísicos e filosóficos. Um paradigma diz-nos que coisas existem
no mundo e contém pressupostos gerais sobre a natureza e o funcionamento do
universo, como o pressuposto de que tudo o que acontece tem uma causa e obedece
a leis deterministas.
- O que é a ciência normal?
Kuhn defende que, depois da instituição de um
paradigma, se inicia um período de ciência normal. O paradigma determina o
trabalho dos cientistas durante este período.
Quando
surge o paradigma é bastante impreciso e deixa em aberto uma infinidade de
questões, o que permite que se desenvolva muita investigação a partir dele.
A ciência normal caracteriza-se, pois, pelas
tentativas de desenvolver o paradigma, tornando-o mais pormenorizado e
completo. Os investigadores envolvidos na ciência normal não estão interessados
em grandes problemas. Em vez disso, resolvem enigmas geralmente muito
específicos e detalhados à luz de um paradigma.
Um dos
muitos enigmas teóricos que os cientistas que trabalhavam sob o paradigma
newtoniano enfrentaram foi o de desenvolver pressupostos adequados para aplicar
as leis de Newton ao movimento dos fluidos.
E um enigma experimental foi o de tornar mais
rigorosas as observações telescópicas.
A ciência normal é uma actividade de resolução de
enigmas, tanto teóricos como experimentais, governada pelas leis e regras do
paradigma.
Durante os períodos de ciência normal, os cientistas
não são críticos em relação ao paradigma no âmbito do qual trabalham.
O paradigma é aceite por uma comunidade científica
que, ao contrário do que acontecia no período da pré-ciência, não questiona os
pressupostos teóricos a partir dos quais a sua actividade se desenvolve.
Esta actividade consiste num esforço para alargar o
leque dos factos explicáveis pelo paradigma e de articular as teorias que o
paradigma já inclui.
No entanto, não se procura a invenção de novas
teorias, nem a descoberta de novos tipos de fenómenos.
Aliás, nem todos os fenómenos da natureza interessam
ao cientista.
É o
paradigma no qual trabalha que determina que fenómenos observáveis têm
interesse.
- O
que são Anomalias?
A
actividade de resolução de enigmas nem sempre corre da melhor forma. Por vezes,
os cientistas vêem-se confrontados com um enigma que não conseguem resolver
recorrendo ao paradigma - mas que supostamente deveriam conseguir resolver.
Surge então uma anomalia.
Uma
anomalia é um enigma, teórico ou experimental, que não encontra solução no
âmbito do paradigma vigente.
Quando
surge uma anomalia, como uma falsificação experimental, não se consegue fazer
ajustar devidamente a natureza ao paradigma: a natureza não se comporta como
seria de esperar.
Mas
a mera existência de anomalias isoladas não provoca uma crise, não conduz a uma
quebra de confiança no paradigma.
Uma
anomalia só será considerada séria se ameaçar os fundamentos do paradigma, se
resistir durante demasiado tempo às tentativas de solução ou se puser em causa
a satisfação de qualquer necessidade social.
E,
sempre que podem, os cientistas procuram ignorar a anomalia ou diminuir a sua
importância, esperando que um dia o fenómeno que lhe dá origem possa ser
acomodado pelo paradigma.
prática
científica é uma tentativa de salvar a todo o custo o paradigma vigente, e não
um esforço constante para falsificar as teorias adoptadas.
Apesar
disto, a existência de anomalias que ameacem os princípios fundamentais do
paradigma ou tenham importância prática favorece, de facto, a emergência de uma
crise.
- O
que é uma crise?
Uma
crise é um período de insegurança evidente durante o qual a confiança num
paradigma é abalada por sérias anomalias.
- O
que é a Ciência Extraordinária?
As anomalias tornam-se tema de amplo
debate na comunidade científica.
Progressivamente
instala-se um momento de ciência extraordinária, indispensável ao surgimento de
uma revolução geradora de um novo período de ciência normal.
A
ciência extraordinária corresponde ao período de crise, em que se confrontam
propostas explicativas novas e incompatíveis a com os procedimentos e crenças
do paradigma vigente.
Durante
este período, os fundamentos do paradigma vigente acabarão por ser questionados
e serão levadas a cabo disputas metafísicas e filosóficas que, geralmente, em
nada contribuem para a manutenção do paradigma.
O
fim de uma crise na ciência depende, obviamente, do surgimento de um paradigma
rival que conquiste a adesão da comunidade científica.
Todavia,
a implantação de um novo paradigma não ocorre rápida e facilmente. Os
cientistas resistem a abandonar o paradigma no qual trabalham, chegando mesmo a
negar a evidência de algumas anomalias.
Além
disso, para que um novo paradigma se imponha, é preciso que primeiro surja uma
nova teoria proposta por um cientista profundamente envolvido na crise. Só
quando isso acontece, pensa Kuhn, se dá o passo decisivo para uma revolução
científica.
- O
que é uma revolução cientifica?
A revolução
científica corresponde ao abandono de um paradigma e à adopção de outro
paradigma (novo) por parte de toda a comunidade científica.
Contrariamente
a Popper, que acredita que a ciência está em permanente evolução, Kuhn afirma
que as revoluções na ciência são raras, mas é através delas que a ciência muda
historicamente.
Uma
revolução científica corresponde à aceitação, pela comunidade científica,
de um novo paradigma incompatível com o anterior.
Contudo,
não se pode dizer que as revoluções científicas se constituam como aproximações
à verdade: dado que os paradigmas são incomensuráveis, estes não podem ser
comparados a partir de um critério de verdade - a existirem critérios de
verdade, estes são definidos por cada um dos paradigmas, não podendo servir de
base à comparação entre paradigmas.
- O que é a incomensurabilidade dos paradigmas?
Cada paradigma apresenta-nos um mundo constituído por
objectos diferentes. A química anterior a Antoine Lavoisier (1743-1794), por
exemplo, afirmava que na natureza existia uma substância chamada flogisto que
explicava a combustão, mas no paradigma de Lavoisier o flogisto desapareceu.
A
teoria do electromagnetismo de James Clerk Maxwell (1831-1879) postulava a
existência de um éter no universo, mas o paradigma de Einstein eliminou o éter.
Os conceitos que fazem parte de um paradigma não são,
pois, aqueles que surgem com o paradigma posterior. E assim, sustenta Kuhn, não
há forma de fazê-los corresponder, ou seja, é impossível dizer que um conceito
de um paradigma corresponde a um outro conceito do paradigma que o substituiu.
As questões investigadas no âmbito de cada paradigma
são também bastante distintas, assim como os critérios que permitem determinar
o que importa observar e o que é central ou periférico na teoria.
Além disso, os cientistas que aderem a paradigmas
diferentes aceitam pressupostos metafísicos diferentes e trabalham à luz de
métodos específicos também distintos. A mudança de paradigma é holística
(palavra de origem grega holos, que significa todo), porque os aspectos que
constituem o paradigma mudam em conjunto, como um todo e não de forma isolada
ou independente.
O paradigma determina de tal forma a sua visão do
mundo que, quando olham na mesma direcção, dois cientistas que aceitam
paradigmas diferentes vêem mundos diferentes.
Entre os paradigmas existe, portanto, um abismo
intransponível. Os paradigmas são, pensa Kuhn, incomensuráveis.
A incomensurabilidade dos paradigmas é a
impossibilidade de compará-los objectivamente de maneira a concluir que um é
superior ao outro, uma vez que eles propõem modos incompatíveis de conceber a realidade
e a ciência.
Dado que Kuhn pensa que os paradigmas são
incomensuráveis, pensa igualmente que não dispomos de um critério neutro, de
uma medida comum, que nos permita afirmar que o novo paradigma está mais
próximo da verdade que o paradigma anterior - não se pode mostrar que o novo
paradigma constitui um avanço em direcção à verdade.
Dizer que um paradigma constitui um avanço em relação
ao seu antecessor implicaria comparar paradigmas entre si. Por isso, os
proponentes do velho paradigma não podem ser objectivamente compelidos a
rejeitá-lo.
- Que
critérios presidem à escolha de paradigmas?
A tese
da incomensurabilidade pode levar-nos a pensar que Kuhn defende que a escolha
de paradigmas é completamente arbitrária. Todavia, como vimos, Kuhn acredita
que as boas teorias científicas partilham certas características, que as
demarcam da má ciência ou da pseudociência.
- O
que é, segundo Kuhn uma boa teoria cientifica?
A
exactidão ou precisão consiste na concordância entre as previsões
decorrentes do paradigma (ou entre as previsões decorrentes das teorias
fundamentais que compõem o paradigma) e os resultados das experimentações e das
observações. Este é o mais decisivo dos cinco critérios, por ser o mais preciso
e, também, por si especialmente valorizado pelos cientistas.
A
consistência de um paradigma (ou de uma das suas
teorias fundamentais) é tanto a sua consistência lógica interna, como a sua
compatibilidade com outras teorias amplamente aceites e com aplicações
reconhecidas a fenómenos afins.
O
alcance ou a abrangência de um paradigma (ou de
uma das suas teorias fundamentais) consiste na quantidade e na diversidade de
fenómenos e de leis que o paradigma (ou uma das suas teorias fundamentais)
abrange.
A
simplicidade de um paradigma (ou de uma das suas teorias fundamentais)
é parcimónia das suas explicações. Uma explicação é tanto mais parcimoniosa
quanto menor é o número de leis a que apela para explicar os fenómenos
observáveis e também quanto maior é o número de fenómenos dispares que, desse
modo, consegue explicar.
A
fecundidade de um paradigma (ou de uma das suas teorias
fundamentais) é sua capacidade para originar novas descobertas científicas.
Ora,
estas características
(precisão, abrangência, consistência, simplicidade e fecundidade)
deveriam poder também contribuir significativamente para a comparação de
paradigmas rivais, tornando a escolha de um deles um processo de decisão
inteiramente objectivo.
De
facto, estes critérios objectivos de apreciação de teorias têm um papel a
desempenhar na escolha dos investigadores. Contudo estes critérios não bastam
para que a mudança de paradigmas se possa classificar como um processo
objectivo.
Kuhn afirma que a exactidão, a consistência, o
alcance, a simplicidade e a fecundidade, embora sejam características
valorizadas por todos os cientistas, não determinam a escolha entre paradigmas.
Partindo
do mesmo conjunto de critérios, dois cientistas podem chegar a conclusões muito
diferentes; ou porque um valoriza mais um desses critérios do que o outro, ou
até porque os interpretam de maneira diferente.
O modo
diferente como aplicam o mesmo conjunto de critérios (um cientista valoriza
mais a simplicidade enquanto o outro prefere uma teoria menos simples e mais
fecunda, por exemplo) só é explicável com recurso a factores pessoais, como
a experiência anterior e a personalidade; a factores sociais, como o contexto
político, económico e religioso; e a factores grupais, como a pressão dos pares
ou dos elementos mais influentes da comunidade científica.
São estes factores
subjectivos, associados aos critérios objectivos, que explicam a preferência
por um ou outro paradigma.
O
desenvolvimento da ciência não é, portanto, um processo absolutamente racional
de eliminação de teorias falsas à luz de critérios objectivos, mas uma sucessão
de paradigmas escolhidos por uma combinação de critérios objectivos e factores
subjectivos.
As
mudanças que ocorrem na ciência estão, assim, dependentes dos contextos
sociais e psicológicos em que os cientistas se movem.
A
experimentação e os testes empíricos não podem servir de critério objectivo na
separação das boas ou más teorias (critério de demarcação), como pensava
Popper, uma vez que é o paradigma que confere sustentabilidade a uma teoria.
- Criticas
à perspectiva de Kuhn
É a
tese da incomensurabilidade que recebe a principal crítica que se pode fazer à
perspectiva de Kuhn.
Kuhn
afirma que um paradigma entra em crise quando a acumulação de anomalias coloca
em causa os seus fundamentos, quando este já não é capaz de responder aos
enigmas colocados pela experiência.
O novo
paradigma que emergiu é capaz de solucionar os aspectos enigmáticos da
experiência que levaram ao abandono do velho paradigma.
Assim, a tese da incomensurabilidade
parece não fazer sentido. Os paradigmas não são completamente incomensuráveis,
uma vez que o novo paradigma parece apresenta-se como superior ao velho e as
anomalias que existiam no anterior deixaram de existir no novo.
A tese
de que não há, em ciência, uma aproximação à verdade até pode ser verdadeira,
mas que as teorias hoje aceites permitem explicar, prever e controlar com mais
sucesso os fenómenos também é verdade.
A
ciência parece, cada vez mais, trilhar os caminhos da racionalidade e da
objectividade.
Tarefa
Complete
o texto com os conceitos em falta
Thomas
Kuhn defende que todas disciplinas cientificamente amadurecidas se organizam de
acordo com-----------------------. No entanto, antes de o -------------------
estar devidamente constituído, não existe ainda ciência propriamente dita. Os
investigadores encontram-se num período de -----------------------.
É
ultrapassado o período -------------------------- quando surge uma teoria mais
poderosa e consensual. Esta irá ajudar a fundar um ----------------------. Este assume-se como um modelo de investigação através
do qual os cientistas desenvolvem a sua atividade.
Quando um --------------------- surge, inicia-se
um período de -------------------------------. Neste período, a
atividade científica consiste em resolver problemas de acordo com as normas do -------------------------.
Num
período de --------------------, os cientistas não procuram refutar ou criticar
a teoria central do --------------------. Pelo contrário, tentam aumentar a
credibilidade dessa teoria e aumentar o maior número de explicações fornecido pelo
-----------------------. O período é sempre indefinido.
Ao
longo do período de -----------------------, podem surgir --------------------
que não se conseguem resolver. É assim que surge uma --------------------------------------.
Quando estamos perante uma -------------------,
há algo na natureza que não acontece de acordo com a explicação apresentada
pelo ------------------------. Quando
as ------------------------ colocam verdadeiramente em causa os fundamentos do ----------------------
estão reunidas as condições para a emergência de uma ------------------------.
Uma ------------------ é um período de insegurança
em que a confiança no ------------------- é abalada por sérias -------------------.
O --------------------- entra em crise porque se
descobrem cada vez mais fenómenos que não estão de acordo com esse mesmo
----------------.
Durante uma época de ---------------------, a
confiança no ----------------------------- diminui e a investigação
característica da ciência normal dá lugar a um período de -------------------------. Assim, o fim de uma crise só poderá ocorrer quando
surgir um --------------------------- .
No
entanto, a instauração de um ---------------------- não é tarefa fácil. Para
que seja possível o seu aparecimento, é preciso que surja primeiro uma -----------------------. Quando isto acontece, afirma Kuhn, dá-se o passo
decisivo para a ocorrência de uma -------------------------------.
Kuhn
considera que a diferença de ------------------------ é de tal modo radical que
eles não se podem comparar. Este facto revela que existe uma ------------------------- entre
os ----------------------------. Deste
modo, estamos perante uma das teses mais controversas defendidas por Kuhn, a
qual nos leva a concluir que é impossível determinar se um -------------------------------
é superior ou mais verdadeiro do que outro.
Assim, pode concluir-se que o conceito de
verdade é, segundo Kuhn, sempre relativo a um ---------------------, ou seja,
aquilo que é verdade num ---------------------- pode não ser noutro.
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