Teorias não essencialistas da Arte
«O mundo da arte não requer procedimentos rígidos; admite e até encoraja a frivolidade e o capricho sem pôr em causa o seu propósito sério. Contudo, se não é possível cometer um erro na atribuição de estatuto envolvida na produção da arte, é possível cometer um erro ao conferir o estatuto de candidato à apreciação. Ao conferir um tal estatuto a um objeto, assume-se uma certa responsabilidade pelo objeto no seu novo estatuto. Apresentar um candidato à apreciação coloca-nos sempre perante a possibilidade de ninguém o apreciar e que em virtude disso a pessoa responsável pela atribuição perca a credibilidade. É possível fazer uma obra de arte a partir da orelha de uma porca, mas isso não a torna necessariamente uma bolsa de seda.»
George Dickie, Introdução à Estética,
Bizâncio, Lisboa, 2008, pp. 136-137.
Antes de mais....
- Para os defensores deste tipo de abordagem, dada a natureza dinâmica, criativa e inovadora do fenómeno artístico, nunca se poderá determinar um conjunto de propriedades intrínsecas comuns a toda a OA.
- Não há uma essência comum à OA.
- Os nao-essencialistas admitem que a arte pode ter as mais variadas funções como alargar o conhecimento, exprimir e explorar emoções, proporcionar experiências compensadoras, divertir, proporcionar prazer, ajudar-nos a ser pessoas melhores, comunicar ideias e criticar a sociedade, transformar o mundo, criar coisas belas, valorizar as nossas vidas e ajudar-nos a suportar os males do mundo.
- É inutil tentar procurar nos objectos de arte características permanentes e comuns supostamente associadas a funções tão diferentes.
- Uma mesma OA, segundo os não essencialistas, pode servir diferentes funções, adquirir diferentes significados, admitir diferentes interpretações, exprimir sentimentos diferentes consoante o contexto em que ela é produzida e apreciada.
- Segundo os não essencialistas não interessa que a definição de OA sirva para determinar o mérito ou a qualidade da OA pois o que eles procuram é uma definição que permita classificar correctamente certos objectos como arte sem qualquer preocupação de carácter valorativo- ou seja, se é uma má ou boa OA.
Há duas teorias não essencialistas da arte:
1. Arte Institucional
Descrição:
- Uma OA só o é se for um artefacto que possui um conjunto de características ao qual foi atribuído o estatuto de candidato a apreciação por uma ou várias pessoas que actuam em nome de determinada instituição social - o mundo da arte (representante do mundo da arte).
Criticas:
- Dá-nos uma definição viciosa e circular de arte.
- Torna a definição de arte inútil
- Impossibilita a existência de, por exemplo, arte primitiva ou de arte solitária. 11º C
Autores representantes da teoria: Artur Danto (1924 - 2013) e George Dickie (1926 - 2020).
(...)
A conclusão que Danto tira em “The Artworld” é a de que se trata de um tipo específico de contexto em que algo se insere que o faz ser arte e não uma função que desempenha. O modo como especifica o contexto pode ser percebido pelas seguintes citações de “The Artworld”:
O que acaba por fazer a diferença entre uma caixa de Brillo e uma obra de arte que consiste numa caixa de Brillo é uma determinada teoria da arte. É a teoria que introduz o objecto no mundo da arte.
Cabe às teorias da arte, hoje como sempre, tornar o mundo da arte, e a arte, possíveis.
Creio que jamais ocorreria aos pintores de Lascaux que produziam arte naquelas paredes. A menos que houvesse estetas neolíticos.(....)
Exemplos:
Como distinguir obras de arte de coisas banais e objetos corriqueiros do nosso quotidiano?
É possível encontrar uma definição para a arte que resista à arte contemporânea e suas variadas expressões?
Para Arthur Danto , a arte precisa de ser um conceito fechado e definível, visto que ela é, de certa forma, algo universal.
Segundo Danto o que distingue a obra de Andy Warhol, Caixa de Brilho (1964) dos seus semelhantes não são as características formais, nem outras características intrínsecas, mas o facto de ela se inserir no contexto de uma prática social instituída - o mundo da arte.
2. Arte histórica
Descrição:
- Algo é OA se e só se alguém com direitos de propriedade sobre isso tiver a intenção séria de que seja encarado da mesma forma como foram correctamente encarados outros objectos abrangidos pelo conceito de OA.
- Esta teoria define arte apelando a propriedades extrínsecas e relacionais/contextuais da arte.
- Intenção séria e direitos de propriedade são requisitos a ter em conta.
- A intenção séria não pode ser momentânea, passageira e meramente ilustrativa.
Criticas:
- Não explica porque é que a primeira OA é considerada arte já que esta não tem precedentes.
- Algumas formas de encarar a arte do passado já não são válidas actualmente.
- Esta teoria é demasiado inclusiva porque não exclui, por exemplo, fotos tipo passe e retratos robot que retratam o passado mas não são OA.
- Não se exige que os artistas tenham direito de propriedade sobre algumas das suas obras, por exemplo o graffiti.Autores representantes da teoria: Jerrold Levinson (1948) Nöel Carroll (1947)
"Levinson e Carroll partilham a tese de que a arte é um fenómeno absolutamente dependente da sua história, embora desenhem projectos com diferentes ambições: enquanto Levinson procura uma definição que consiga satisfazer todos os desafios que a questão coloca, Carroll pretende apenas identificar um critério que permita fazer identificações artísticas e caracterizar a arte, escapando a qualquer necessidade de a definir.
A definição histórica de arte é formulada por Levinson do seguinte modo:
X é uma obra de arte se, e só se, X é um objecto acerca do qual uma pessoa ou pessoas, possuindo a propriedade apropriada sobre X, têm a intenção não-passageira de que este seja perspectivado-como-uma-obra- -de-arte.
A definição histórica indica condições necessárias e suficientes para haver arte, aplicando-se assim – segundo Levinson – a toda a arte possível. Fornece ainda um critério de identificação que permite distinguir as obras de arte dos meros objectos comuns que não são arte.
Centremo-nos, então, em cada uma das condições:
- A primeira condição é a do direito de propriedade: o artista não pode transformar em arte objectos que não lhe pertençam ou em relação aos quais não esteja devidamente autorizado a agir pelos seus proprietários.
- A segunda condição é a existência de um certo tipo de intenção que relaciona a arte do presente com a arte do passado. Ter uma intenção, neste caso, é ter um propósito ou uma finalidade em mente, e desenvolver uma acção para o atingir. Esta pode consistir em fazer, apropriar-se ou conceber algo.
Refletindo acerca destas duas condições:
1. O
direito de propriedade não pode ser apontado como uma condição necessária
para haver arte. Podemos imaginar contra-exemplos que mostram o contrário do
que a teoria propõe.
Se
soubéssemos hoje que Boticelli ou Da Vinci tinham roubado os materiais com que
criaram as suas obras, estaríamos dispostos a rever o estatuto de obras de arte
atribuído a obras como O Nascimento de Vénus ou A Virgem e o Menino com Santa
Ana?
2. A
condição da intencionalidade não é necessária para haver arte. O
melhor contra-exemplo é fornecido por Kafka. Os manuscritos de O Processo e O
Castelo deveriam ter sido destruídos a pedido do autor aquando da sua morte.
Contudo, as obras foram publicadas e ninguém questiona o seu carácter de arte enquanto obras literárias, apesar do seu autor ter formulado intenção
contrária àquela que Levinson defende ser necessária para haver arte".
Paula Mateus (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa)
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24224/1/Paulo%20Mateus.pdf
(adaptado)
Sem comentários:
Enviar um comentário