A Acção Humana: rede conceptual da acção
Um erro comum que existe na teoria da ação é supor que todas as ações intencionais são o resultado de alguma espécie de deliberação, que são o produto de uma cadeia de raciocínio prático. Mas, obviamente, muitas coisas que fazemos não são assim. Simplesmente fazemos alguma coisa sem qualquer reflexão prévia.
Todos os termos da rede (conceptual) convergem aqui: acção, intenção, motivação e, por fim, agente (...). Importa (...) compreender a palavra agente em função de toda a rede.
Paul Ricceur, O Discurso da Acção, Edições 70
A rede conceptual da acção é o conjunto de conceitos que, usados nas frases que descrevem e explicam acções, nos permitem compreender e explicar as acções. Os conceitos mais importantes a este respeito são conceitos como motivo, intenção, deliberação, decisão e finalidade.
“Hoje em dia, o futebol está cada vez mais evoluído e é cada vez mais difícil, para qualquer seleção, vencer jogos. Vejam a vitória da Arábia Saudita contra a Argentina, ou a vitória da Coreia do Sul frente a Portugal, ou todo o trabalho que as seleções africanas fizeram durante o Mundial“, disse.
“Não quero saber do que as outras pessoas dizem. Eu estou muito feliz por estar no Al Nassr e no campeonato árabe, que é muito competitivo“, afirmou.
“Estou aqui para ganhar e para ajudar o clube e o futebol da Arábia Saudita a evoluírem cada vez mais“, acrescentou.
“Posso dizer agora que tive muitas oportunidades na Europa, muitos clubes que me contactaram. Do Brasil, da Austrália, dos Estados Unidos, de Portugal… Mas dei a minha palavra a este clube“, referiu.
“Joguei nos melhores clubes europeus, ganhei tudo o que tinha para ganhar. Agora, é uma nova fase e estou muito grato que me tenham dado a oportunidade para eu jogar e desenvolver o futebol para as próximas gerações“, afirmou.
Cristiano Ronaldo
https://infocul.pt/cristiano-ronaldo-apresentado-no-al-nassr
(Para uma melhor compreensão da rede conceptual da acção vamos "separar" os elementos da acção humana e os momentos da acção humana).
Análise clássica do Acto Voluntário (os 4 elementos da Acção Humana)
1. O AGENTE - QUEM?
- O agente é aquele que concretiza ou põe em prática a acção.
- Toda e qualquer acção depende de um agente e, por isso, alguns autores falam de causalidade do agente,
- Sem o agente a acção não existiria.
- O agente como sujeito da acção, é dotado de vontade, racionalidade, motivações, projectos e intenções.
- O agente é o responsável pela a acção.
EXEMPLO: CR7 assinou pelo Al- Nassr.
2. O MOTIVO - PORQUÊ?
- O motivo é aquilo que leva à realização da acção - a sua causa.
- O motivo dá resposta à pergunta: porque é que fiz/fizeste isso?
- O motivo identifica a razão que explica a acção e que a legitima (aproximando-se dos conceitos de intenção e finalidade).
- Toda a acção exige um motivo: não há acções gratuitas.
- O móbil é uma espécie de elemento justificativo, não de ordem racional, mas sobretudo de ordem emocional ou psicológica. Por exemplo: O móbil do crime foi o ciúme.
EXEMPLO: Já ganhou tudo o que tinha a ganhar (na Europa).
3. A INTENÇÃO - O QUÊ?
- O conceito de intenção está intimamente ligado ao de motivo,
- uma acção só é realizada intencionalmente quando é realizada por algum motivo.
- Paul Ricceur explica-nos que, apesar da sua proximidade, motivo e intenção distinguem-se claramente porque respondem a perguntas diferentes: a intenção responde à questão: o que quer aquele que age?; enquanto que o motivo responde à questão por que é que o faz?
- A intenção é o propósito ou o objectivo da acção.
- Alguém escorrega e deixa cair a comida do tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando – os. Quem fez isto pode alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objectivo – causar esses estragos. Se não há intenção então não há acção, não há agente.
EXEMPLO: Ajudar o futebol da Arábia Saudita a evoluir cada vez mais.
4. A FINALIDADE - PARA QUÊ?
- Para que quer o agente agir? A resposta a esta questão é-nos dada pela finalidade da acção.
- Toda e qualquer acção do ser humano tem em vista atingir determinado fim e, na maioria das vezes, a finalidade da acção prende-se com o motivo da mesma. - Perguntar porquê (motivo) ou para quê (finalidade) parece ser quase a mesma coisa.
- Contudo, é possível distinguir motivo de finalidade.
EXEMPLO: Desenvolver o futebol para as próximas gerações.
Um outro exemplo:
O Ambrósio, um profundo admirador de Kant, porque entende que é seu dever ajudar o OUTRO, pretende doar a sua fortuna a uma instituição de ajuda a crianças, para se sentir bem com a sua consciência ou para ser reconhecido como filantropo.
(aquele que contribui, generosamente, para melhorar a situação dos homens).
Neste caso, o motivo que é apresentado não explica na totalidade a acção desenvolvida; a finalidade permite que a compreendamos a fundo: cumpro o meu dever de ajudar o próximo porque se não o fizer não me sentirei bem comigo mesmo ou não serei reconhecido socialmente. Às vezes torna-se muito difícil reconhecer se na intenção predominam os motivos ou os fins, se na acção pesam mais uns ou outros.
Análise clássica do Acto Voluntário (os 4 momentos da Acção Humana)
Fase (...) do acto voluntário anterior à decisão na qual a vontade, em íntima (...) união com a inteligência, concebe as diferentes alternativas em relação ao objecto apresentado e as razões a favor ou contra e depois as discute e pondera.
M. Morais, "Deliberação", in Logos 1, Ed. Verbo
1. CONCEPÇÃO OU PLANEAMENTO
- É o primeiro momento do acto voluntário, fase que antecede a deliberação e onde se estabelece conscientemente a meta a atingir e se pensam os meios para a alcançar.
- É o momento em que se vai delinear o plano de acção.
EXEMPLO: O rumo que pretende CR7 dar à sua carreira - continuar a jogar.
2. DELIBERAÇÃO OU PONDERAÇÃO
- A maior parte das vezes, antes de decidir fazer isto ou aquilo, seguir este ou aquele caminho, pensamos, reflectimos, ponderamos, pesamos os prós e os contras, representamos as vantagens e desvantagens das nossas futuras escolhas.
- Este momento de reflexão, que denominamos de deliberação, só é possível porque o ser humano é capaz de projectar o futuro e de reflectir acerca de diferentes possibilidades do seu agir e porque, a par dessas diferentes alternativas, existe a necessidade de concretizar algo que está por concretizar e que, por isso mesmo, parece incerto.
- A deliberação comporta sempre a existência de múltiplas escolhas e a avaliação racional das diferentes alternativas.
EXEMPLO: CR7 ponderou os vários convites de clubes: "Do Brasil, da Austrália, dos Estados Unidos, de Portugal".
3. DECISÃO OU DETERMINAÇÃO
- O momento da decisão será o momento da escolha, da eleição de uma entre várias possibilidades, do reconhecimento do caminho que se vai seguir.
- Significa que escolhemos determinado projecto em detrimento de outros.
- A decisão é o momento que se segue à deliberação, imediatamente e anterior à execução propriamente dita da acção. Delibero, decido e só depois executo.
- Há, no entanto, quem coloque a questão de saber se em muitas das situações vividas no dia-a-dia não estará a decisão antes da deliberação, isto é, será que primeiro reflectimos e depois decidimos ou, pelo contrário, primeiro decidimos e só depois procuramos as razões que justifiquem a nossa decisão?
- É importante, ainda, referir que, apesar da deliberação conter uma componente racional, no processo decisório intervêm muitas vezes elementos a-racionais.
- Uma decisão é racional se resultar de um processo de deliberação cuidadoso em que foram ponderadas razões técnicas ou prudenciais, mas mesmo assim não poderemos estar seguros de que é a correcta.
EXEMPLO: CR7 decide assinar pelo Al- Nassr em detrimento de outros clubes.
4. EXECUÇÃO OU PÔR EM PRÁTICA
- Põe em prática a decisão tomada.
- Momento da passagem da intenção ao acto, de realizar o projectado no momento de concepção e ponderado no momento da deliberação.
- Depois de executada, o agente fica sujeito a todas as consequências que derivem da acção.
- Convém referir que a decisão só se torna eficaz se os meios escolhidos para a realização da mesma estiveram ao alcance do agente.
- Denominamos meios os procedimentos ou instrumentos que utilizamos para realizarmos aquilo que projectámos mediante a escolha.
- Quando os meios são insuficientes ou inadequados, a acção fica comprometida, pelo menos quanto ao seu resultado, isto é, quanto ao que decorra da combinação entre o que a vontade quer e as possibilidades circunstanciais ou contextuais em que se encontra o agente.
EXEMPLO: CR7 assina pelo Al - Nassr e vai viver, com a família, para a Arábia Saudita.
Tarefas:
1. Identifique no seguinte exemplo, os elementos da acção humana.
Vou à farmácia comprar uma embalagem de aspirinas porque me dói bastante a cabeça. A dor de cabeça é algo que me acontece mas ir à farmácia comprar o medicamento é algo que eu faço acontecer porque quero tratar a dor de cabeça. Vou à farmácia com esse propósito e por esse motivo.
Ir à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça.
Agente
Eu que decido ir à farmácia
Deliberação
Antecede habitualmente a decisão e consiste em ponderar diferentes possibilidades de acção.
Ex: Devo ir à farmácia ou não? Será que não há alguém que possa ir por mim? A aspirina não irá fazer – me mal ao estômago? Se calhar isto passa sem tomar medicamentos, dormindo um pouco.
Decisão
Momento em que se escolhe uma das alternativas ou possibilidades de acção, preferindo uma delas.
EX: Vou à farmácia. Esta dor de cabeça tem de ser tratada com medicamento e não vou poder dormir.
Intenção
Trata – se do que pretendo com a acção. Neste caso a intenção é tratar uma dor de cabeça.
Quando perguntamos "O que quer fazer aquele que age?", referimo-nos à intenção, ao que o agente pretende ser ou fazer.
A intenção é o propósito ou o objectivo da acção. Alguém escorrega e deixa cair a comida do tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando – os. Quem fez isto pode alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objectivo – causar esses estragos. Se não há intenção então não há ação, não há agente.
Motivo
O porquê ou a razão de ser da acção."Por que razão quero ir à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça?» A resposta apresentar-nos-á o motivo dessa decisão, tomando-a compreensível.
O motivo pode ser acabar com o desconforto físico.
Finalidade
Poder trabalhar em melhores condições.
2. Identifique no seguinte exemplo, os elementos da acção humana.
Decido doar dinheiro a uma instituição de caridade para ajudar aqueles que precisam, e isto deve-se ao facto de ter sido ajudado no passado ou o cuidado que sinto pelos mais necessitados. Ajudar o próximo deve ser um imperativo de todo o ser humano.
3. Leia o seguinte caso e responda às questões.
Uma mulher residente em Macau que suspeitava da infidelidade do marido suicidou-se vestida de vermelho. Não foi por desgosto que ela fez o que fez, nem se tratou de um acto desesperado e impensado. Tratou-se, sim, de uma estratégia para garantir que o seu fantasma virá agora perseguir o marido e transformar-lhe a vida num inferno.
In Jornal Público
A. Considera que a protagonista do texto, ou seja, a mulher vítima da infidelidade do marido, realizou uma acção humana?
B. Intenção, motivo e agente são três dos conceitos que de um modo fundamental caracterizam a acção humana. Defina-os.
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