A Acção Humana
Porque é que a Filosofia estuda a Acção Humana?
A Filosofia, enquanto
Filosofia da Acção, procura aprofundar o conhecimento do que é ser homem,
analisando as acções transformadoras do mundo, dos outros e dele próprio.
O conceito acção, quando
aplicado à actividade humana, assume uma multiplicidade de sentidos, o que
torna difícil a sua análise. Etimologicamente, a palavra acção
deriva do latim agere, que significa fazer ou agir.
Alguns autores fazem a
distinção entre:
- o que nos acontece (ocorrências,
eventos ou fenómenos naturais e acidentais) - escorregar, perder a
carteira, um tsunami.
- o que fazemos involuntariamente
(actos reflexos ou condutas involuntárias) - sonhar, respirar, fazer
a digestão.
- o que fazemos voluntariamente
(acções propriamente ditas) - ir a um concerto, escolher um curso, ler um
livro.
O que é a acção
Humana?
Uma acção é um
acontecimento ou ocorrência intencionalmente causado ou
originado por um agente ou sujeito.
Que
relação há entre Acção e Acontecimento?
Uma acção é um
acontecimento. Um acontecimento é algo que se verifica num certo momento e num
certo lugar. Em linguagem mais técnica, é um evento espácio – temporalmente
enquadrado.
Imaginemos que o João
decide ir à praia.
Tem de ir a uma praia
situada num certo lugar – Vilamoura no Algarve, Portinho da Arrábida em Setúbal
ou Praia do Castelo na Costa da Caparica – e num determinado momento -
normalmente no Verão, de manhã ou de tarde.
Ficaríamos muito
surpreendidos se João dissesse que foi a uma praia em momento algum e que não
ficasse em lado nenhum.
Uma acção é um
acontecimento mas nem todos os acontecimentos são acções.
Todas as acções são
acontecimentos, ou seja, são coisas que acontecem num dado momento e num certo
lugar.
Assim, ir à praia é um
acontecimento porque vamos a uma praia num determinado local e em dado momento
– normalmente no Verão, de manhã ou de tarde. Mas nem tudo o que acontece é uma
acção, ou seja, se todas as acções são acontecimentos nem todos os acontecimentos
são acções. Um furacão é um acontecimento, mas não é uma acção.
Uma acção é algo que
envolve um agente mas nem tudo o que envolve um agente é uma acção.
O que distingue a
proposição João foi à praia da proposição João sofreu um ataque cardíaco? A
primeira proposição fala-nos de algo que alguém fez. A segunda de algo que
simplesmente aconteceu a alguém. Uma acção é um acontecimento que envolve um
agente (o sujeito de uma acção).
Uma acção é algo que um
agente faz acontecer mas nem tudo o que fazemos é uma acção. Uma acção é algo
que acontece por iniciativa do sujeito nela envolvido.
Ir à
praia é algo que João faz acontecer, mesmo que não o deseje (é de má
vontade que obedece á ordem do pai para se juntar à família).
Sofrer
um ataque cardíaco é algo que acontece no organismo do João, mas não resulta de vontade
sua.
No primeiro caso, não
diremos que João foi à praia por vontade do pai. Foi algo que ele fez. Seja
qual for o motivo, por gosto ou por obrigação, ir à praia foi algo que ele fez.
Uma acção é algo que
intencionalmente fazemos com que aconteça.
Imaginemos que,
inadvertidamente, escorrego numa casca de banana e acabo por entornar uma
garrafa de Coca-Cola em cima do livro de um colega que estudava comigo no bar
da escola. Sujar o livro do colega foi algo que eu fiz. Mas será isto uma
acção? Não, porque não tive intenção de sujar o livro do meu colega, não o fiz
de propósito. Estamos perante algo que eu fiz sem querer e assim sendo o livro
foi estragado pelo que me aconteceu e não propriamente por mim.
Então….
Uma acção é um
acontecimento desencadeado pela vontade e intenção de um agente. Não é um
simples acontecimento, não é simplesmente algo que um agente faz, é algo que um
agente faz acontecer intencional ou propositadamente.
Será
que tudo o que o Homem faz poderá ser considerado acção Humana?
S. Tomás de Aquino
(séc. XIII) afirma de que nem tudo o que fazemos ou realizamos constitui uma
acção propriamente dita e, por isso, fez a distinção entre actos do
homem (tudo o que fazemos enquanto seres da natureza) e acções
humanas (tudo o que fazemos enquanto seres racionais e dotados de uma
vontade livre.
Os
actos (acções) humanos (...) só merecem esse título porque são voluntários e a
vontade é um apetite racional específico do homem.
S.
Tomás de Aquino, Somme Théologique, Les Actes Humains. Éd. de la Revue des
Jeunes
Que
características tem a acção Humana?
- Conscientes, isto é, realizadas com
conhecimento de causa, de consequência e de finalidade;
- Voluntárias, isto é, realizadas
livremente, porque escolhemos realizá-las desta forma, conscientes de que
poderíamos ter escolhido outras ou mesmo até não as realizar. Implicam a
autonomia do querer;
- Intencionais, porque têm um propósito ou
intenção, isto é, orientando-se para determinado fim;
- Racionais, porque dependem da capacidade
de ponderação e avaliação racional do agente por forma a poder
escolher modificá-las ou realizá-las;
- implicam a responsabilidade de
quem as pratica, porque o seu autor ou sua causa é capaz de
responder por elas.
- Reajustáveis pois o agente pode, em
qualquer momento, decidir não fazer essa acção e optar por uma outra.
Qual
a estrutura da Acção Humana?
A Filosofia da Acção
Humana reflecte a forma como a acção se desenrola e o significado que lhe
atribuímos.
Para a descrever,
utilizamos alguns conceitos fundamentais referentes aos elementos e momentos que
a constituem.
Rede Conceptual da Acção (4 elementos de uma
acção)
Todos
os termos da rede (conceptual) convergem aqui: acção, intenção, motivação e,
por fim, agente (...). Importa (...) compreender a palavra
agente em função de toda a rede.
Paul Ricceur, O Discurso da Acção, Edições 70
A rede conceptual da acção é o conjunto de conceitos
que, usados nas frases que descrevem e explicam acções, nos permitem compreender
e explicar as acções. Os conceitos mais importantes a este respeito são
conceitos como motivo, intenção, deliberação, decisão e finalidade.
1. O
AGENTE - QUEM?
O agente é
aquele que concretiza ou põe em prática a acção.
Expressões como Fui eu que fiz..., Fui eu que disse..., revelam a
inevitável afirmação de um sujeito real que ao agir se mostra como autor
daquilo que faz (poder do agente - decidiu fazer aquilo, mas podia ter feito
outra coisa, ou até nada fazer).
Toda e qualquer acção depende de um agente e, por isso, alguns autores
falam de causalidade do agente, querendo com isso designar que sem ele a
acção não existiria. Mas a relação agente-acção não é tão simples nem pode ser
reduzida a uma leitura do tipo causa-efeito. No seu interior, encontramos,
entre outros, conceitos que merecem uma análise cuidada a saber: os
de motivo, intenção e finalidade.
Significa, então, que se
quisermos fazer uma correcta análise da acção devemos ter em conta a figura do
agente como sujeito da acção, dotado de vontade, racionalidade,
motivações, projectos e intenções.
2. O
MOTIVO - PORQUÊ?
O motivo é
aquilo que leva à realização da acção. O motivo dá resposta à
pergunta: por que é que fiz/fizeste isso?
Quase sempre, o
motivo identifica a razão que explica a acção e que a legitima (aproximando-se
dos conceitos de intenção e finalidade). Outras vezes, ele parece tomar o
sentido de causa da acção, isto é, ele surge como uma espécie de elemento
justificativo, não de ordem racional, mas sobretudo de ordem emocional ou
psicológica (como o medo, o desejo, ou outra emoção). É difícil definir o conceito
de motivo, porque ele deriva da própria complexidade humana do agente.
A acção humana é reflexo
dessa complexidade, e o motivo que a antecede é resultado de um jogo entre
elementos racionais e elementos a-racionais. Quando temos de decidir ou
escolher fazer isto ou aquilo, seguir este ou aquele caminho, pesam
na tomada de decisão elementos e natureza racionais, mas também
elementos emocionais, psicológicos ou até inconscientes.
3. A
INTENÇÃO - O QUÊ?
O conceito de intenção está
intimamente ligado ao de motivo, de tal forma que uma acção só é realizada
intencionalmente quando é realizada por algum motivo. Paul Ricceur explica-nos
que, apesar da sua proximidade, motivo e intenção distinguem-se claramente
porque respondem a perguntas diferentes: a intenção responde à questão:
o que quer aquele que age?; enquanto que o motivo responde à questão por
que é que o faz?
Assim, por exemplo,
se decido doar dinheiro a uma instituição de caridade, a minha intenção
será, com toda a certeza, ajudar aqueles que precisam, mas o motivo que
está por detrás da minha acção pode ser o dever de ajudar o próximo,, o
facto de ter sido ajudado no passado ou a pena que sinto pelos mais
necessitados.
4. A
FINALIDADE - PARA QUÊ?
Se ajudar aqueles que
precisam era a intenção da acção que apresentámos como exemplo, podemos agora
perguntar para que quer o agente fazê-lo.
A resposta a esta
questão é-nos dada pela finalidade da acção.
Toda e qualquer acção do
ser humano tem em vista atingir determinado fim e, na maioria das vezes, a
finalidade da acção prende-se com o motivo da mesma. Perguntar porquê (motivo)
ou para quê (finalidade) parece ser quase a mesma coisa. O dever de ajudar o
próximo, que indicámos como motivo, pode tornar-se o fim ou objectivo da acção.
É como se o fim estivesse já projectado no motivo, ou o motivo o antecipasse.
Contudo, é possível distinguir motivo de finalidade.
Exemplifiquemos:
O Ambrósio, um profundo admirador de Kant, porque entende que é seu dever
ajudar o OUTRO, pretende doar a sua fortuna a
uma instituição de ajuda a crianças, para se sentir bem com a sua
consciência ou para ser reconhecido como filantropo.
(aquele que contribui generosamente para melhorar a situação dos homens).
Neste caso, o motivo que
é apresentado não explica na totalidade a acção desenvolvida; a finalidade
permite que a compreendamos a fundo: cumpro o meu dever de ajudar o próximo
porque se não o fizer não me sentirei bem comigo mesmo ou não serei reconhecido
socialmente. Às vezes torna-se muito difícil reconhecer se na intenção
predominam os motivos ou os fins, se na acção pesam mais uns ou outros.
Análise clássica do Acto Voluntário (os 4
momentos de uma acção)
Fase
(...) do acto voluntário anterior à decisão na qual a vontade, em íntima (...)
união com a inteligência, concebe as diferentes alternativas em relação ao objecto apresentado
e as razões a favor ou contra e depois as discute e pondera.
M. Morais, "Deliberação", in Logos 1, Ed.
Verbo
1. CONCEPÇÃO OU PLANEAMENTO
A concepção é o primeiro momento do acto voluntário, fase que antecede a
deliberação e onde se estabelece conscientemente a meta a atingir e se
pensam os meios para a alcançar. É o momento em que se vai delinear o
plano de acção.
2.
DELIBERAÇÃO OU PONDERAÇÃO
A maior parte das vezes,
antes de decidir fazer isto ou aquilo, seguir este ou aquele caminho, pensamos,
reflectimos, ponderamos, pesamos os prós e os contras, representamos
as vantagens e desvantagens das nossas futuras escolhas. Este momento de
reflexão, que denominamos de deliberação, só é possível porque o ser
humano é capaz de projectar o futuro e de reflectir acerca de diferentes
possibilidades do seu agir e porque, a par dessas diferentes alternativas,
existe a necessidade de concretizar algo que está por concretizar e que,
por isso mesmo, parece incerto. A deliberação comporta sempre a existência
de múltiplas escolhas e a avaliação racional das diferentes alternativas.
3.
DECISÃO OU DETERMINAÇÃO
0
momento da decisão será o momento da escolha, da eleição de uma entre várias
possibilidades, do reconhecimento do caminho que se vai seguir.
Significa que escolhemos
determinado projecto em detrimento de outros.
A decisão é o momento que se segue à deliberação, imediatamente
e anterior à execução propriamente dita da acção. Delibero, decido e
só depois executo.
Há, no entanto, quem coloque a questão de saber se em muitas das situações
vividas no dia-a-dia não estará a decisão antes da deliberação, isto
é, será que primeiro reflectimos e depois decidimos ou, pelo contrário,
primeiro decidimos e só depois procuramos as razões que justifiquem a nossa
decisão?
É importante, ainda, referir que, apesar da deliberação conter uma
componente racional, no processo decisório intervêm muitas vezes
elementos a-racionais.
Uma decisão é racional se resultar de um processo de deliberação cuidadoso
em que foram ponderadas razões técnicas ou prudenciais, mas mesmo
assim não poderemos estar seguros de que é a correcta.
4. EXECUÇÃO OU POR EM PRÁTICA
O pôr em prática a decisão tomada. É o momento da passagem da intenção ao
acto, de realizar o projectado no momento de concepção e ponderado
no momento da deliberação. Depois de executada, o agente fica sujeito a
todas as consequências que derivem da acção.
Convém referir que a
decisão só se torna eficaz se os meios escolhidos para a realização da mesma
estiveram ao alcance do agente. Denominamos meios os procedimentos ou
instrumentos que utilizamos para realizarmos aquilo que projectámos mediante a escolha.
Quando os meios são insuficientes ou inadequados, a acção fica comprometida,
pelo menos quanto ao seu resultado, isto é, quanto ao que decorra da combinação
entre o que a vontade quer e as possibilidades circunstanciais ou contextuais
em que se encontra o agente.
O que é uma acção humana?
Temos, antes de mais de distinguir alguns aspectos:
· O que fazemos do que nos acontece
(actividade e passividade)
Ex: eu abanei uma árvore e caiu-me uma maça na cabeça
· O que fazemos consciente e
inconscientemente
Ex: consciente – andar a pé / inconsciente – dormir, sonhar.
· O que fazemos voluntaria do que
fazemos involuntariamente
Ex: voluntariamente – beber água / involuntariamente – transpirar
· Reconhecer a diferença entre intenções, desejos,
crenças, e fins
Intenções – curso de acção que alguém pretende seguir, como um objectivo
Desejo – acções intencionais realizadas por uma pessoa que acredita
alcançar um fim.
· Diferenciar os conceitos de motivo, razão e projecto.
Ex: Vou comprar uma casa maior, para ter mais espaço porque sempre vivi
numa casa pequena.
Projecto – comprar casa.
Razão – ter mais espaço.
Motivo – sempre vivi numa casa pequena.
· Deliberação e decisão
É um processo de reflexão das hipóteses de acção e os motivos que nos levam
a actuar desta ou daquela maneira ou mesmo a não actuar. Analisa também as
consequências das diferentes acções a tomar. A seguir a esta deliberação é
determinada a acção a realizar, tendo em conta o que nos é mais conveniente.
· Agente: liberdade e responsável
Agente é o que pratica uma acção de forma voluntária, consciente, e
deliberou sobre todas as hipóteses.
Liberdade. Ele teve liberdade de escolher fazer ou não fazer porque não foi
constrangido.
Responsável. Já que fez a acção de livre vontade terá de ser responsável e
arcar com as consequências posteriores.
UM EXEMPLO:
Um exemplo de acção….
Vou à farmácia comprar
uma embalagem de aspirinas porque me dói bastante a cabeça. A dor de cabeça é
algo que me acontece mas ir à farmácia comprar o medicamento é algo que eu faço
acontecer porque quero tratar a dor de cabeça. Vou à farmácia com esse propósito
e por esse motivo.
Ir à
farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça.
Agente
Eu que decido ir à farmácia
Deliberação
Antecede habitualmente a
decisão e consiste em ponderar diferentes possibilidades de acção
Ex: Devo ir à farmácia
ou não? Será que não há alguém que possa ir por mim? A aspirina não irá fazer –
me mal ao estômago? Se calhar isto passa sem tomar medicamentos, dormindo um
pouco.
Decisão
Momento em que se
escolhe uma das alternativas ou possibilidades de acção, preferindo uma
delas.
EX: Vou à farmácia. Esta
dor de cabeça tem de ser tratada com medicamento e não vou poder dormir.
Intenção
Trata – se do que
pretendo com a acção. Neste caso a intenção é tratar uma dor de cabeça. Quando
perguntamos "0 que quer fazer aquele que age?", referimo-nos à
intenção, ao que o agente pretende ser ou fazer.
A intenção é o
propósito ou o objectivo da acção. Alguém escorrega e deixa cair a comida do
tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando – os. Quem fez isto pode
alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objectivo –
causar esses estragos. Se não há intenção então não há ação, não há agente.
Motivo
O porquê ou a razão de
ser da acção."Por que razão quero ir à farmácia comprar um medicamento
para tratar uma dor de cabeça?» A resposta apresentar-nos-á o motivo
dessa decisão, tomando-a compreensível. O motivo pode ser acabar com o
desconforto físico e
Finalidade
Poder trabalhar em
melhores condições.
E agora....uma Tarefa:
Uma mulher residente
em Macau que suspeitava da infidelidade do marido suicidou-se vestida de
vermelho. Não foi por desgosto que ela fez o que fez, nem se tratou de um acto
desesperado e impensado. Tratou-se, sim, de uma estratégia para garantir que o
seu fantasma virá agora perseguir o marido e transformar-lhe a vida num
inferno.
In Jornal Público
1. Considera que a protagonista do
texto, ou seja, a mulher vítima da infidelidade do marido, realizou uma acção
humana?
2. Intenção,
motivo e agente são três dos conceitos que de um modo fundamental caracterizam
a acção humana. Defina-os.
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