domingo, 29 de janeiro de 2023

Filosofia da Acção Humana



Filosofia da Acção Humana


Acção, acontecimento e rede conceptual.


1. O que é  uma acção humana?

Uma ação é algo que acontece mediante a intervenção da vontade e intenção consciente de um agente. Uma ação é um acontecimento desencadeado pela vontade e intenção de um agente. Não é um simples acontecimento, não é simplesmente algo que um agente faz, é algo que um agente faz acontecer intencional ou propositadamente.


2. Uma ação é um acontecimento. Porquê?

Uma ação é e tem de ser um acontecimento porque é algo que acontece num dado momento e num certo lugar. Assim, ir à praia é uma ação e ao mesmo tempo um acontecimento porque vamos à uma praia num determinado local – Zanzibar – e em dado momento – normalmente no verão. 

 

3. Todos os acontecimentos são ações?

Não. Um tsunami é um acontecimento natural, mas não é uma ação.

 

4. E todos os acontecimentos serão acções?

Embora todas as ações sejam acontecimentos, nem todos os acontecimentos são ações. Um marmoto é simplesmente algo que acontece

 

5. Qual a condição necessária para que um acontecimento seja uma acção?

Um acontecimento, para ser uma acção, tem de ser realizado pela intencionalidade de um agente.

 

6. Esta condição indispensável não é contudo suficiente. Porquê?

Toda e qualquer acção envolve um agente e tem nele a sua origem. Esta é uma condição necessária para haver acção. Mas não é uma condição suficiente.

Imaginemos que alguém rouba um relógio valioso numa ourivesaria. Essa pessoa fez algo, fez com que algo acontecesse. Mais tarde até pode arrepender-se do que fez, mas na altura não resistiu a uma compulsão patológica para o roubo a que se dá o nome de cleptomania. Fez algo: roubou. É a causa do que aconteceu. Mas não se trata de uma acção porque o que o agente fez não derivou da sua vontade, mas de uma força interna que o compeliu a fazer o que fez.

Para que aquilo que um agente faz seja uma ação, tem de ter origem na sua vontade e intenção consciente.


7. O que se entende por rede conceptual da acção?

A rede conceptual da ação é o conjunto de conceitos que usamos para caracterizar, compreender e explicar uma ação.

 

8. Que conceitos são necessários para caracterizar e compreender uma acção?

Os conceitos que usamos para caracterizar e compreender uma acção são os seguintes: deliberação, decisão, intenção, motivo, causa e consequência.

 

9. O que é a intenção?

A intenção é o propósito ou o objetivo da ação. Imagine que alguém escorrega e deixa cair a comida do tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando-os. Quem fez isto pode alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objetivo – causar esses estragos. Se não há intenção, então não há ação.

 

10. Que relação existe entre intenção e motivo de uma ação?

Explicar uma ação é indicar a sua causa. A causa de uma ação é o porquê e a intenção é o para quê, ou seja, o propósito do agente ao realizá-la.

 

11. Vejamos um exemplo

Inscrevo o meu filho na Universidade de Harvard. Esta é a minha ação. Com que intenção a realizo? Para que é que a realizo? Para que se licencie em Direito. Acredito  que a Universidade de Harvard é a melhor universidade para a formação do meu filho. A intenção da minha ação é, portanto, determinada pelo meu desejo) que o meu filho se torne advogado) e pela minha crença (a Universidade de Harvard é uma das melhores do mundo). 

 

12. O que se entende por motivo de uma ação?

O motivo é a justificação, o porquê ou a razão de ser da ação.

Exemplo:

Acção: 

Inscrevo o meu filho na Universidade de Harvard.

Intenção:

Desejo: quero que o meu filho se forme em Direito.

Crença: a Universidade de Harvard é uma das melhores do mundo. 

Motivo:

Quero que o meu filho seja bem-sucedido profissionalmente.

Saber o que me motiva torna mais claro o meu propósito e esclarece-nos quanto a opções que podia tomar e não tomou.


Nota: as crenças e os desejos do sujeito estão associados à intenção e à motivação do sujeito que age.

 

13. Que relação existe entre motivo e intenção?

A relação é a seguinte: saber qual o motivo da ação, o seu porquê ou razão de ser, clarifica a intenção ou o para quê da ação, torna possível e é necessário para que compreendamos a intencionalidade da ação. 

Se um agente tem a intenção de fazer algo – inscrever o filho na Universidade de Harvard –, saber o que o motiva torna mais claro o seu propósito e esclarece-nos quanto a opções que podia tomar e não tomou.

Teremos por outras palavras a justificação da intenção. As noções de motivo e de intenção estão extremamente próximas uma da outra porque só falamos de ações intencionais se elas forem determinadas por um motivo ou razão que as justifique: uma ação é realizada intencionalmente quando é realizada por algum motivo.

 

14. O que é a deliberação?

A deliberação é um processo reflexivo que, em princípio, ou seja, em muitos casos, antecede a decisão. Orientados por determinadas razões, ponderamos qual a melhor opção a tomar entre várias alternativas possíveis.

 

15. O que se entende por decisão?

A decisão é um ato que resulta frequentemente de um processo denominado deliberação. O motivo pelo qual agimos ou a intenção que nos orienta para um determinado fim implica também a decisão de o alcançar. Na maior parte dos casos, decidir supõe escolher entre vários modos possíveis da acção, entre várias possibilidades ou alternativas.


 Acção Humana e Responsabilidade Moral 


16. Que relação há entre agir livremente e ser moralmente responsabilizado pelo que se faz?

a) ser responsável implica ser livre. Não se pode responsabilizar uma pessoa por uma ação se ela não agiu livremente. Que um agente seja responsabilizável por uma ação implica que podia ter agido de modo diferente, não ter feito o que fez ou que podia ter evitado fazer o que fez (fosse a ação boa ou má).

b) Ser livre implica ser responsável. Se alguém pratica livremente uma ação, então faz algo que podia não ter feito. Se o fez nestas condições, é o autor da ação e por ela pode responder. Se agiu livremente, não pode evitar ter de enfrentar e responder pelas consequências dos seus atos. Se forem, boas pode ser elogiado. Se forem más, pode ser censurado e mesmo sentir remorso.

17. Em que consiste a responsabilidade moral?

A responsabilidade moral é a capacidade que um agente tem de responder pelos seus atos, de reconhecer a sua autoria, assumindo as suas consequências e efeitos. Em suma, não se demite de prestar contas pelo que faz e pelos resultados dos seus atos.

A responsabilidade designa a possibilidade de imputarmos uma ação a alguém que consideramos ser seu autor, ter tido a última palavra na decisão que desencadeou a ação.

 

18. Em que condições uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável por uma ação? Em que condições atribuímos responsabilidade moral a um agente?

Uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável por uma ação quando podia não ter feito o que fez. Assim, se decido invadir o quintal do vizinho para me apropriar de algumas laranjas apetitosas, posso ser responsabilizado porque podia não ter feito o que fiz. Quando alguém me censura dizendo «Não devias ter feito o que fizeste!» está precisamente a dizer-me que havia outra alternativa. Mas, se o que aconteceu se verificou em estado de sonambulismo, drogas ou álcool, não posso ser responsabilizado porque momentaneamente perdi o controlo dos meus atos e não podia não ter feito o que fiz.


19. Como relacionar o  livre-arbítrio e a responsabilidade moral?

Se não houver livre-arbítrio, então também não é possível responsabilizar moralmente um agente pelas ações que pratica e, consequente, puni-lo ou recompensá-loSerá possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral? Se não houver livre-arbítrio, não estará todo o nosso sistema penal errado? Não será que o criminoso, de modo análogo à pessoa que sofre de asma e assim vê o seu organismo prejudicado, não deve ser punido, mas sim tratado de modo a deixar de ser prejudicial à sociedade?

 

  O problema do Livre-arbítrio 


20. O que é o livre-arbítrio?

O livre-arbítrio consiste em poder escolher entre várias ações possíveis. As ações resultantes de escolhas livres não são inevitáveis. Há livre-arbítrio se pudermos agir de modo diferente do que agimos, se tendo feito uma coisa poderíamos ter feito outra.


21. Em que consiste o problema do livre-arbítrio?

O problema do livre-arbítrio consiste em saber se é possível conciliar duas convicções aparentemente incompatíveis: a de que temos livre-arbítrio e a de que tudo o que acontece no mundo é determinado. O problema pode formular-se do seguinte modo: o livre-arbítrio consiste em poder escolher entre várias ações possíveis. Mas, para podermos escolher entre várias ações possíveis, é necessário que não esteja tudo determinado, caso contrário poderíamos apenas fazer a ação que estivéssemos determinados para fazer (não só não haveria várias ações possíveis entre as quais optar, como, mesmo que houvesse, não nos seria possível escolher entre elas). Portanto, para que exista pleno livre-arbítrio não poderá existir determinismo.


Será que temos capacidade de escolha e de decisão? Ou a nossa acção está ligada a acontecimentos anteriores, sendo um efeito de um acontecimento anterior?


Muitos acontecimentos do mundo estão sujeitos a um determinismo causal. Mas são também  as nossas acções o resultado de causas anteriores e não o resultado da nossa vontade?

 

Somos livres ou determinados?

Ou é possível conciliar as duas crenças?


22. O que é o determinismo?

O determinismo é a teoria que defende que tudo é determinado por acontecimentos anteriores, ou que o estado de coisas atual no mundo resulta necessária ou inevitavelmente de um estado de coisas anterior que é a sua causa.

O que o determinismo afirma é que um acontecimento resulta de uma causa ou conjunto de causas e que sempre que essa causa ou conjunto de causas ocorrer dará inevitavelmente origem ao acontecimento. Esta é a crença por detrás da explicação científica da natureza, uma vez que explicar cientificamente um acontecimento é apresentar a causa ou o conjunto de causas que dão origem ao acontecimento e mostrar como a relação entre essas causas — expressas sob a forma daquilo a que chamamos leis da natureza — produz esse acontecimento.

 

Teorias do Livre-arbítrio 




 

23. Quais as teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio?

As três teorias são: o determinismo radical, o libertismo e o determinismo moderado.

 

24. O que é o determinismo radical?

Chama-se determinismo radical à teoria filosófica segundo o qual só o determinismo é verdadeiro. Para o determinista radical, a crença no determinismo significa acreditar que é verdade que todo e qualquer acontecimento é o desfecho necessário de acontecimentos anteriores. Daqui decorre que não há livre-arbítrio (todas as nossas ações são determinadas pelos nossos genes e pelo meio no qual crescemos) e que, assim sendo, não podemos ser responsabilizados pelas nossas ações.

O determinismo radical é a teoria que considera que, sendo verdade que tudo o que acontece resulta necessariamente do que aconteceu antes, não há livre-arbítrio nem possibilidade de responsabilizar alguém pelo que fez.


25. Qual é a principal crítica que se faz ao determinismo radical?

Se não somos responsabilizáveis pelo que fazemos – porque não podemos agir de modo diferente –, então:

1. Como condenar e ilibar alguém?

2. Como elogiar e censurar?

3. Como dizer a alguém que não devia ter feito o que fez?

4. Como explicar sentimentos de remorso, de arrependimento e de culpa?

Muitos críticos do determinismo radical pensam que não é possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral.

Por outro lado, os nossos juízos morais perderão qualquer fundamento. Se o determinismo implica a negação da liberdade e da responsabilidade, se é verdade afirmar que as nossas ações são o resultado de causas que de modo algum podemos controlar, que diferença moral há entre um criminoso como Hitler e Nelson Mandela? Faz sentido condenar Hitler e admirar Nelson Mandela?

 

26. O que é o determinismo moderado?

É a teoria que defende que as nossas ações são livres, apesar de determinadas.

27. Qual é uma das principais críticas de que o determinismo moderado é alvo?

Uma crítica que se faz ao determinismo moderado é a de não explicar o comportamento compulsivo. Quando alguém age compulsivamente, age de acordo com os seus próprios desejos e crenças. Contudo, dificilmente se pode dizer que quem o faz é livre. É o caso do cleptómano. Parece também difícil acreditar que uma pessoa que, por exemplo, seja uma compradora ou jogadora compulsiva e que, por causa disso, contraia muitas dívidas e destrua o casamento, seja livre. No entanto, ela, ao agir compulsivamente, respeita completamente o critério do determinismo moderado, segundo o qual uma ação é livre se resultar dos desejos e crenças da pessoa que a realiza.

 

28. Que outra crítica podemos dirigir a quem defende o determinismo moderado?

Segundo o determinismo moderado, somos livres quando não somos impedidos de fazer o que desejamos. As nossas crenças e desejos constituem a nossa personalidade. Ora, a nossa personalidade está determinada pelo nosso passado, ou seja, pela educação e pelo meio em que fomos criados. Não será isso uma forma de constrangimento, uma vez que não controlamos o passado? Não será que somos constrangidos pelo que nos aconteceu e julgamos que agimos livremente porque não temos consciência das influências que nos formaram e determinaram a nossa maneira de ser?

 

29. O que é o libertismo?

O libertismo é a teoria que considera que há ações que não são nem causalmente determinadas nem produto do acaso, mas livres, e que, portanto, as pessoas são responsáveis por essas ações. As ações do ser humano decorrem das suas deliberações decisões e não de acontecimentos anteriores que escapem ao seu controlo.

O libertista pensa que, apesar das influências hereditárias e das influências do meio (relativas ao modo como somos educados e criados), escolhemos livremente o que fazemos. Não é o passado que decide por nós.

30. Qual é a principal crítica que se faz ao libertismo?

Segundo o determinismo moderado, a minha ação é livre se for causada por desejos ou crenças – estados internos − que são meus. Segundo o libertismo, a minha ação é livre se for causada por mim e não por um dos meus estados internos.

O que é este eu que através das suas deliberações é, segundo os libertistas, a causa de certas ações? Uma entidade física? Então não escapa ao determinismo universal, ao encadeamento causal necessário que rege todas as coisas físicas. Uma entidade não física? Mas as acções são atos físicos, acontecem num dado momento e lugar.

Será que este eu é uma entidade puramente mental? Mas como é que uma causa puramente mental pode produzir efeitos físicos? Se é a mente que causa as nossas ações, será que é possível que ela exista independentemente do cérebro, que é obviamente uma realidade física?

Este contra-argumento parece condenar os libertistas a reconhecerem o seguinte: que as ações de uma pessoa só são livres se não tiverem nenhuma causa, nem mesmo as suas próprias crenças e desejos.

Ora, deste modo, o libertismo transforma-se numa espécie de indeterminismo, algo que os libertistas sempre rejeitaram.

 

31. Distinga teorias incompatibilistas e compatibilistas. 

Uma teoria é compatibilista quando admite que o determinismo é conciliável ou pode coexistir com o livre-arbítrio e a responsabilidade moral.

Uma teoria é incompatibilista quando não admite a possibilidade de conciliar o determinismo com o livre-arbítrio e a responsabilidade moral.

 

32. Porque é que o determinismo radical é uma forma de incompatibilismo?

O incompatibilismo defende que as crenças no livre-arbítrio e no determinismo não são compatíveis, ou seja, não podem ser ambas verdadeiras. O determinismo radical defende que só a crença no determinismo é verdadeira. Se liberdade e determinismo fossem compatíveis, pensa o determinista radical, teríamos acerca de uma ação de dizer que o agente podia não ter feito o que fez (caso em que seria livre) e que não podia não ter feito o que fez, ou seja, tinha de fazer o que fez, a ação não poderia ter sido diferente (caso em que não seria livre). Ora, isto é contraditório.

 

33. Porque é que o  libertismo é uma forma de incompatibilismo?

O incompatibilismo defende que as crenças no livre-arbítrio e no determinismo não são compatíveis, ou seja, não podem ser ambas verdadeiras. O libertismo defende que só a crença no livre-arbítrio é verdadeira. A crença no determinismo é falsa porque este defende que tudo faz parte de um encadeamento causal, tese que o libertista nega porque as nossas deliberações e decisões não são o resultado necessário de acontecimentos anteriores. Há ações que têm como causa as nossas deliberações.

Deliberar implica que pudemos escolher agir de modo diferente.

Podendo ter sido outras, as nossas escolhas não são o resultado necessário e inevitável de acontecimentos anteriores. Não são o desfecho de uma longa cadeia causal de acontecimentos porque, ao escolher fazer A em vez de B, suspendo o domínio dos acontecimentos anteriores sobre as minhas decisões e desencadeio por minha vontade uma nova série de acontecimentos.

 

34. Justifique o facto de apenas  o determinismo moderado ser uma teoria compatibilista. 

O determinismo moderado defende que são compatíveis as proposições «Um agente praticou livremente a ação A» e «A ação praticada por esse agente tem uma causa e deriva necessariamente dessa causa». Liberdade e determinismo são compatíveis, para esta teoria.

 

35. Que distinção permite ao determinista moderado defender a compatibilidade entre determinismo e liberdade?

Trata-se da distinção entre ação causalmente determinada e ação constrangida. Só esta última não é livre.

 

36. Como é caraterizada a liberdade pelo determinista moderado?

O determinista moderado define a liberdade do seguinte modo: É livre a ação em que o agente não é impedido por fatores externos de a realizar. Na ausência destes impedimentos, o agente pode fazer o que tem vontade de fazer. Um dos mais famosos defensores do determinismo moderado foi David Hume. Hume chamou a atenção para o facto de as pessoas tenderem a confundir causalidade – o facto de uma ação ser causada – e coação ou constrangimento – o facto de uma ação ser compelida. Assim, há uma grande diferença entre estas duas ações: Fazer algo porque quero fazê-lo e fazer algo porque alguém me aponta uma arma à cabeça e me obriga a fazê-lo. No primeiro caso, a ação é causada e, no segundo caso, a ação é compelida ou constrangida. O oposto da liberdade é a coação e não a causalidade. Ser livre, para David Hume, significa ser livre de coação.

 

38. Para o determinista moderado, uma ação livre é causada. É causada pelo quê?

É causada pelas suas crenças e desejos, isto é, pela sua personalidade.

39. Por que razão para o determinista moderado é importante que a ação do agente seja causada ou determinada pelas suas crenças e desejos?

Se as ações não fossem causadas pelas nossas crenças e desejos, não poderíamos ser responsabilizados pelas nossas ações. Não seriam as nossas ações.

 

40. O que é agir livremente para um determinista moderado?

Para os deterministas moderados, uma ação é livre desde que o sujeito, caso o tivesse desejado, tivesse agido de outra forma. Imagine, por exemplo, que tem amanhã um teste da disciplina de Filosofia para o qual está a estudar afincadamente porque acredita que assim terá boa nota. Uma vez que a sua acção resulta dos seus desejos e crenças e não lhe foi imposta (por exemplo, pelos seus pais, devido a maus resultados em testes anteriores), ela é uma acção livre. Mas, se a sua ação de estudar resultasse de uma imposição paterna que não lhe deixasse qualquer alternativa, então ela não era uma acção livre. Repare que em ambos os casos a sua acção tem causas. Contudo, no primeiro caso as causas são os seus próprios desejos e crenças, ao passo que no segundo caso as causas são os desejos e crenças dos seus pais. É essa diferença que faz com que num caso a acção seja livre e no outro não. No primeiro caso, a sua acção é livre porque está sob o controlo das suas crenças e desejos e, se tivesse tido outros desejos, poderia ter escolhido e realizado uma ação diferente. No segundo caso, de nada lhe valeria ter outros desejos e crenças porque não poderia agir de acordo com eles.

 

41. Que factores poderão impedir o agente de fazer o que tem vontade de fazer.

Condicionantes psicológicas, fisiológicas, sociais e culturais. Exemplos: Quero ingressar num curso superior mas não tenho média, quero beber água, mas estou no deserto; quero ser modelo mas só tenho 1,50 de altura, quero viajar, mas não tenho dinheiro, quero andar de rosto descoberto mas....nasci no Afeganistão.

 

42. Segundo o determinismo moderado, para que uma ação seja livre ela, tem de ser causada de uma certa maneira. O que significa esta afirmação?

Esta afirmação significa que a distinção entre ações livres e não livres implica a distinção entre causalidade interna e causalidade externa.

Assim:

a) Ações, escolhas e decisões cuja causa imediata é um estado de coisas interno (desejos e crenças do agente e também a sua personalidade) são livres.

b) Ações, escolhas e decisões cuja causa imediata é um estado de coisas externo não são livres.

43. O sentido comum de liberdade consiste em dizer que agir livremente é, não só fazer o que queremos fazer, como também poder não ter feito o que se fez, ou seja, a ausência de coação é acompanhada por outra condição que é o agente possuir alternativas reais de ação. Será que o determinismo moderado salvaguarda esta ideia de liberdade?

Um agente dispõe de alternativas reais se a sua ação pudesse ter sido diferente da que realizou. Assim, ajo livremente se, escolhendo comer um bolo, pudesse não o ter feito e, eventualmente, tivesse escolhido uma peça de fruta. Vejamos como o determinista moderado explica a mesma ação. Comi uma peça de fruta e agi livremente porque o fiz de acordo com as minhas crenças – fruta é mais saudável, assim me ensinaram – e os meus desejos – quero ser saudável. O que significa dizer que podia ter agido de modo diferente e comer o bolo em vez da fruta? Que os meus desejos e crenças teriam de ser diferentes. Por outras palavras, teria de ser uma pessoa diferente do que sou, de ter outra personalidade (esta é constituída pelas nossas crenças e desejos). 

Mas, se somos deterministas, mesmo moderados, temos de reconhecer que não temos controlo sobre o passado, que somos o resultado necessário da educação e criação que tivemos. Não podemos ser uma pessoa diferente da que somos.

Assim, o determinismo moderado não salvaguarda a ideia comum de liberdade e por isso tem problemas em explicar como podemos responsabilizar alguém pelas suas ações.

 


LOLA


 


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