sábado, 18 de janeiro de 2020

karl Popper e Thomas Kuhn: questões e respostas




karl Popper e Thomas Kuhn:   
questões e respostas


1.      Quem foi Karl Popper?

Karl Popper foi um filósofo nascido na Áustria e naturalizado inglês. A sua indiscutível reputação como pensador está, fundamentalmente, associada à sua filosofia da ciência. Neste campo, foi opositor feroz da perspetiva indutivista, defendendo que a observação não é o ponto de partida da atividade científica, que existem alternativas à indução e que o papel da experimentação é falsificar ou refutar hipóteses e não confirmá-las.


2.      Como se posiciona Karl Popper face ao problema da indução?
O problema da indução, tal como foi formulado por Hume, existe e não é solucionável: serão sempre injustificáveis as nossas tentativas de ir de enunciados singulares ou particulares para enunciados gerais. Porém, Popper considera que existem alternativas à indução. Segundo este filósofo, os cientistas devem submeter as suas teorias a testes que visem falsificá-las (refutá-las), e não verificá-las (confirmá-las). A lógica subjacente à falsificação de um enunciado universal é dedutiva e não indutiva. Vejamos porquê. Pensemos no enunciado geral «todos os peixes têm escamas». É possível verificá-lo? Não, pois isso implicaria observar todos os peixes, sem exceção. Contudo, sabemos que se todos os peixes têm escamas, então não existem peixes sem escamas. Imaginemos que somos confrontados com um peixe sem escamas. Daqui deriva, necessariamente, que é falso que todos os peixes tenham escamas. Este exemplo mostra que é possível, recorrendo a inferências puramente dedutivas, concluir acerca da falsidade de enunciados universais: S implica P; não acontece P; logo, não acontece S.


3.      Em que consiste o método de Popper?
Em alternativa ao verificacionismo e ao indutivismo, Popper propõe um método falsificacionista e hipotético-dedutivo, o método das conjeturas e refutações. Em primeiro lugar, para Popper, já vimos, a investigação científica não começa pela observação, mas pelo problema, que surge quando uma dada observação põe em causa a teoria estabelecida e as expectativas do cientista. Face ao problema, a imaginação do cientista cria uma hipótese ou conjetura para explicá-lo. Segue-se a refutação. A hipótese é sujeita a testes empíricos rigorosos, que têm por objetivo falsificá-la ou refutá-la, isto é, mostrar que é falsa, e não verificar a sua verdade. Se a hipótese for refutada, a teoria é substituída por outra, mais forte e mais resistente. Se a hipótese resistir aos testes, dizemos que se trata de uma explicação provisoriamente corroborada.

4.      Corroboração e verdade são sinónimos?
Não, para Popper as hipóteses nunca perdem o seu carácter conjetural. Verdade e corroboração não são a mesma coisa. A corroboração é um indicador temporal. Uma teoria corroborada é uma teoria que resistiu aos testes a que foi sujeita num determinado momento, mas isto não faz dela uma verdade, apenas indica que, até ao momento, é a melhor teoria. Nada garante, porém, que ela não venha a ser refutada, ou parcialmente refutada num próximo momento de falsificação.


5.      Que diferença existe entre uma teoria falsificada e uma teoria falsificável?
Uma teoria falsificável ou refutável é uma teoria que tem a propriedade (uma importante propriedade, na perspetiva de Popper) de poder ser sujeita a testes empíricos que a possam refutar. Uma teoria falsificada ou refutada é uma teoria que já se provou ser falsa, isto é, que foi sujeita a testes e não resistiu. 


5A. Porque tem o erro, para Popper, um lugar central? 
Popper defende que há progresso em ciência e que o erro é o motor desse progresso. Sempre que sujeitamos uma teoria a testes e descobrimos que ela inclui erros ou está efetivamente errada eliminamos os erros e, assim, aproximamo-nos da verdade. Podemos estar seguros de alguma vez termos alcançado a verdade? Não, mas, de eliminação de erro em eliminação de erro, caminhamos na sua direção.


6.      Existe progresso em ciência, para Popper?
Sim. A ciência progride por conjeturas e refutações, eliminando erros. O erro é o motor de progresso em ciência. De cada vez que se eliminam erros, aproximamo-nos da verdade, embora não tenhamos forma de saber se alguma vez a alcançaremos. Popper estabelece, neste ponto, uma analogia com o evolucionismo e a ideia de seleção natural.


7.      Será a ciência  objetiva, para Popper?
Sim, na medida em que se afasta progressivamente do erro e dado que possuímos um método que nos permite comparar teorias e afirmar que a teoria X está mais próxima da verdade do que a teoria Y. A objetividade advém do método utilizado e não, por exemplo, da forma como são elaboradas as hipóteses.


8.      Existem objeções ao falsificacionismo de Popper?
Sim, na medida em que, por exemplo, se valorizam apenas os resultados negativos da prática científica. Popper não considera uma dada descoberta, mas sim as fragilidades e fracassos do trabalho dos cientistas. Por outro lado, na prática, os cientistas não procedem como Popper diz.


9.      Quem foi Thomas Kuhn?


Thomas Kuhn foi um pensador norte-americano e um dos filósofos contemporâneos mais importantes, cujas ideias marcaram a reflexão sobre a ciência na segunda metade do séc. XX.


10.   Qual é o padrão habitual de desenvolvimento de uma ciência?
Para Thomas Kuhn, as transições em ciência acontecem segundo um processo cíclico, em que se alternam três fases sucessivas: fase normal, fase crítica e fase revolucionária.

11.   O que é uma revolução científica, para Thomas Khun?
A revolução científica corresponde a uma mudança profunda nas convicções e no trabalho dos cientistas. Trata-se de um episódio não cumulativo, no qual a comunidade científica abandona o

caminho até então seguido a favor de outra abordagem da sua disciplina, em geral incompatível com a anterior, alterando-se a forma como olha para o mundo e pratica ciência.
 As grandes mudanças no desenvolvimento científico associadas a nomes como Copérnico, Newton, Lavoisier ou Einstein são episódios que espelham revoluções científicas. As alterações revolucionárias de uma dada tradição científica são relativamente raras.


12.   Em que consiste a prática da ciência normal?
Ciência normal é a ciência que a maioria dos cientistas pratica no seu dia a dia. É a ciência em que o paradigma é encarado como um dado adquirido, que não deve ser desafiado. A ciência normal articula e desenvolve o paradigma. Kuhn descreve a ciência normal como a atividade de resolver enigmas, dirigida pelas regras do paradigma. Durante a atividade científica normal, a comunidade científica procede a reajustamentos e ao aumento da abrangência e precisão do paradigma. Trata-se, por esta razão, de uma atividade essencialmente cumulativa, conservadora e, por conseguinte, pouca dada à inovação.


13.   Qual a importância do paradigma para a prática da ciência normal?
Desde logo, a existência de um paradigma é o que distingue a ciência da não ciência. É o paradigma que dá os suportes teóricos e práticos gerais da atividade da ciência normal.

Do mesmo modo, o paradigma estabelece as normas necessárias para tornar legítimo o trabalho dentro dessa ciência e forja a comunidade científica. Por fim, ele é também fundamental, pois coordena e dirige a atividade de resolver os problemas com que os cientistas se deparam na fase de ciência normal, fornecendo um critério para escolher aqueles que sejam solucionáveis. Em boa medida, como diz Kuhn, estes são os únicos problemas que a comunidade considerará científicos ou merecedores de atenção.


14.   O que caracteriza o estado de crise?

As crises são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias e paradigmas. Começam a formar-se quando se dá um acumular de anomalias que, pela sua quantidade e grau, põem em causa os fundamentos do paradigma. As anomalias levam a um esforço suplementar, por parte da comunidade científica, para tentar preservar a visão do mundo que o paradigma lhes garante. 45. O que se entende por ciência extraordinária? A crise provocada pela acumulação de anomalias pode originar alterações na prática científica, entrandose num período de ciência extraordinária. Aqui, os cientistas procuram encontrar soluções para as anomalias, uns dentro do paradigma vigente (ciência normal), outros fora desse modelo (ciência extraordinária). A ciência extraordinária é, portanto, a prática científica que acontece à margem do paradigma dominante.


15.   Como terminam as crises?
Todas as crises terminam, segundo Kuhn, de uma de três maneiras: - A ciência normal acaba por ser capaz de lidar com o problema que gerou a crise. - O problema é etiquetado, mas abandonado e deixado para uma geração futura. - Emerge um novo candidato a paradigma e batalha-se pela sua aceitação.


16.   Quais são as consequências de uma revolução científica?
A principal consequência de uma revolução científica é a mudança de paradigma, com tudo o que isso implica: novas práticas da ciência normal, porque novos serão os problemas e as soluções avançadas, novos pressupostos, novas teorias, etc. O novo paradigma será muito diferente do velho e incompatível com ele. No fundo, o que a revolução científica impõe é uma nova visão do mundo.


17.   O que significa dizer que os paradigmas são incomensuráveis entre si?
Ao dizer que são incomensuráveis, Kuhn pretende dizer que eles não são comparáveis, nem tão-pouco podem servir de medida um para o outro, pois o novo paradigma não é melhor do que o anterior, é apenas diferente. Os proponentes de paradigmas rivais praticam a sua atividade em mundos completamente distintos, discordam sobre a lista de problemas a resolver e sobre os critérios a adotar e comunicam de forma forçosamente parcial: termos idênticos ganham novos significados e novos termos são adotados. A nova representação do real que o novo paradigma traz consigo não se acrescenta à precedente, pelo contrário, substitui-a. O que antes se via como um coelho passa a ser visto como um pato.


18.   Podemos falar em objetividade em ciência, para Kuhn?
Os critérios que Kuhn considera para avaliar uma teoria são de dois tipos: objetivos e subjetivos. Os critérios objetivos são partilhados por toda a comunidade científica e são os seguintes: exatidão, consistência, alcance, simplicidade e fecundidade. Os critérios subjetivos, dada a natureza humana dos cientistas, também existem e devem ser considerados, pois, perante uma mesma realidade, a interpretação e as convicções podem fazer dois cientistas trabalharem de maneira diversa e adotarem paradigmas diferentes. Pelo facto de a escolha entre paradigmas estar sujeita a critérios subjetivos relevantes, não é possível falar em objetividade em ciência. Esta posição foi alvo de duras críticas, tendo sido frequentemente classificada como sendo, além do mais, contraditória.


19.   O que separa Popper de Kuhn?
Popper e Kuhn respondem de forma divergente ao problema do progresso em ciência. Popper crê que a eliminação de erros conduz, por aproximação, à verdade. O autor estabelece, neste ponto, uma analogia com o evolucionismo e a ideia de seleção natural: as teorias que melhor resistirem ao erro são as que se mantêm. Já para Kuhn, não existe progresso em ciência, nem por acumulação, nem por eliminação de erros. A transição sucessiva de um paradigma para outro ocorre por meio de revoluções científicas, nada garantindo que o novo paradigma seja mais verdadeiro que o anterior. Popper e Kuhn respondem também de forma relativamente distinta ao problema da objetividade em ciência. Popper crê que a ciência é objetiva, na medida em que se afasta progressivamente do erro e dado que existe um método que nos permite comparar teorias e afirmar que a teoria X está mais próxima da verdade do que a teoria Y. Para Kuhn, embora existam critérios objetivos na escolha de teorias, a ciência não é imune à subjetividade, já que esta desempenha um papel decisivo na escolha de um determinado modelo em detrimento de outro.


20.   Existem objeções a Kuhn?
Sim. Kuhn foi frequentemente acusado de defender uma posição relativista. Kunh rejeitou a crítica, considerando-a injusta e redutora. Todavia, não há dúvida de que algumas das suas afirmações a propósito do progresso científico parecem aproximar Kuhn da tentação relativista. Se os paradigmas são incomensuráveis, se não podemos comparar paradigmas nem concluir que um é superior ao outro, se não podemos estar certos de que nos aproximamos da verdade, o que nos resta? Para alguns, apenas o relativismo.

                                                Lola

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