terça-feira, 23 de maio de 2023

Rawls - críticas



Rawls - críticas 

 

 Porque critica Robert Nozick o princípio da diferença de Rawls?

Por que razão, defende Michael Sandel,  que o véu de ignorância não funciona?

 

A-    A crítica libertarista de Robert Nozick (1938-2002)

 

Colega de Rawls em Harvard, Robert Nozick escreveu a obra “Anarquia, Estado e Utopia” onde critica a conceção de justiça de John Rawls.

Como sabemos o princípio de justiça de Rawls ou o princípio da diferença diz-nos que a propriedade deve ser distribuída de forma a que os mais desfavorecidos fiquem o melhor possível.

De acordo com Rawls, se não se respeitar este princípio de justiça, a sociedade será injusta.

O libertarista defende que as funções do Estado são apenas a defesa perante ameaças externas (exército), a segurança dos cidadãos e dos seus bens (policia) e o cumprimento dos contratos e das leis (tribunais).

Além destes aspectos, a intervenção do Estado só se justifica para evitar um eventual horror social.

Nozick defende uma concepção de Estado – o “Estado mínimo” – em que as pessoas devem preservar a autonomia para fazerem livremente as suas escolhas e devem exercer os direitos e liberdades individuais que, segundo Nozick, são invioláveis.

Se Nozick concorda com o princípio da liberdade de Rawls, critica, no entanto, o principio da diferença pois entende que este estabelece um padrão na distribuição dos bens: distribuir a riqueza de modo que os menos favorecidos fiquem na melhor situação possível.

A teoria de Rawls assenta numa concepção padronizada de riqueza e, como tal, não consegue manter a distribuição dos bens sem ser com a intervenção do Estado e do sacrifício dos direitos das pessoas.

Segundo Robert Nozick, cada pessoa defende padrões de distribuição diferentes (esforço, necessidades ou mesmo o seu contributo para a sociedade) não geraria uma situação estável pois uns investiriam e reproduziriam os seus rendimentos, outros guardariam ou esbanjariam tudo.

Passado algum tempo, teríamos de redistribuir de novo os rendimentos, por meio da intervenção do Estado, cobrando impostos a uns para redistribuir por outros e assim sucessivamente….

Segundo Nozick, isto é uma intromissão abusiva do Estado na vida individual, tratando os bens das pessoas como se fossem delas – ora, se estes bens não tiverem sido conseguidas de modo fraudulenta, esses bens pertencem às pessoas que são os seus únicos e justos titulares – a teoria de Nozick é conhecida como a “Teoria da Titularidade”.

O Estado ao retirar parte desses bens aos seus justos titulares sem o seu consentimento, está a violar os seus direitos de propriedade.

Para saber se uma sociedade é justa, não é necessário ver se a riqueza está igual ou desigualmente distribuída, mas antes olhar para o modo como ela foi adquirida e transferida de pessoa para pessoa.

Quando o Estado tira a uns para dar a outros está a apropriar-se, inaceitavelmente, de parte de vida dos primeiros. Por exemplo: Se o Estado cobrar em impostos 25% do vencimento para distribuir por outras pessoas, estará na prática a obriga-la a dar uma semana do seu trabalho aos outros.

Segundo Robert Nozick, isto equivale a trabalho escravo porque a pessoa é forçada a trabalhar para os outros e essa pessoa não pode ser dona de si própria, pois roubam-lhe parte da sua vida e esta acaba por estar ao serviço dos outros.

É inaceitável reconhecer que uma pessoa não pertence a si própria, o que é, eticamente, inaceitável, pois viola os direitos absolutos das pessoas.

Tirar a uns pra dar a outros, sem o consentimento dos primeiros, é tratar as pessoas como meios e não como fins em si mesmos; é instrumentalizar as pessoas, violando a sua autonomia e, portanto, os seus direitos mais básicos.

Assim…

Nenhum princípio distributivo como o princípio da diferença pode ser aplicado sem interferir na sua vida pessoal – Robert Nozick

Há uma violação da liberdade individual, quando se quer defender uma igualdade na distribuição dos bens.

Nozick apresenta um argumento com base num jogador de basquetebol, Wilt Chamberlain, que de início vive numa sociedade segundo o princípio da diferença, a esta situação vamos-lhe chamar D1.

Mas o jogador, depois de várias propostas assina contrato com uma equipa em que: nos jogos em casa recebe 0.25€ por cada bilhete de entrada. Todos querem ver jogar Chamberlain e no fim da época um milhão de pessoas viu jogos e, assim, Chamberlain ganhou 250 000€

Teríamos, segundo Rawls, de fazer uma nova distribuição da riqueza.

Será o princípio da diferença de Rawls injusto? Porque nem todas as pessoas gastam o dinheiro de igual forma. E se uma pessoa recebe uma oferta ou ganha dinheiro numa aposta, teremos que limitar a sua liberdade?

O estado através de impostos tenta redistribuir a riqueza. Tira a algumas pessoas sem o seu consentimento parte daquilo que possuem legitimamente para beneficiar os mais desfavorecidos.

A interferência do estado na vida das pessoas é eticamente inaceitável, porque viola os direitos de liberdade e propriedade.

Nozick defende que “A tributação dos rendimentos do trabalho é equiparável ao trabalho forçado”.

 

B- A crítica comunitarista de Michael Sandel (1953)

 

É um filósofo comunitarista e escreveu a obra “Liberalismo e os Limites da Justiça”.

Critica o individualismo de John Rawls, pois este não dá importância à vida coletiva e ao bem comum que é caracterizada por Sandel como aquilo em nome do qual se avaliam as preferências individuais.

Para Sandel o bem comum é algo que tem prioridade moral sobre as preferências das pessoas e não o resultado da combinação ou agregação dessas preferências.

Só em comunidade é possível encontrar um modo devida que define uma vida boa, ou seja, o bem comum.

Sandel defende que a filosofia moral deve assentar na procura do bem comum e não como Rawls pensava na distribuição de bens materiais.

As pessoas não se autodeterminam, pois há laços comunitários pre-existentes que moldam as nossa preferências.

Por exemplo, as pessoas não escolhem a sua família, mas esta molda muitas das nossas opções, preferências, fidelidades e outras.

É no âmbito da vida social comunitária que se constrói a nossa própria identidade – o que somos e como nos definimos – pelo que pertencemos, em grande parte, não só a nós próprios mas à comunidade em que estamos enraizados.

Segundo Sandel, o modelo proposto por Rawls para encontrar os princípios da justiça falha completamente, sobretudo quando se refere à posição original e, sobretudo, ao véu de ignorância.

Como sabemos, Rawls defende que a posição original visa garantir a imparcialidade na escolha dos princípios da justiça.

Para Sandel, não basta as nossas escolhas serem imparciais para serem boas, porque avaliar uma escolha como boa ou como má é uma questão moral, mas o véu de ignorância coloca as pessoas numa situação anterior a qualquer moral, pois exige que as escolhas sejam feitas por seres racionais que têm em conta apenas os seus interesses pessoais.

Mesmo que as pessoas cheguem a acordo, ele não é justo só por as partes terem livremente acordado nisso- um acordo é justo quando é bom, pelo que a noção do que é bom é anterior à noção do que é justo.

O que é bom não resulta das preferências individuais desenraizados de uma comunidade concreta.

O véu de ignorância transforma os homens em seres fictícios, uma espécie de fantasmas desencarnados e desprendidos de qualquer laço social.

Se qualquer noção do bom ou mau decorre do nosso enraizamento nma comunidade concreta, as escolhas na posição original por um conjunto de seres hipotéticos e desprendidos não são moralmente credíveis.

Todo o homem faz parte de uma comunidade e, por isso, o véu de ignorância permite que nos esqueçamos da nossa condição e do nosso próprio eu que se constrói em sociedade.

Esquecer que as pessoas se esqueçam dos seus laços sociais concretos é o mesmo  que exigir que se desprendam de si próprias.

Pelo véu de ignorância, as nossas escolhas transformam-se em escolhas amorais e, por isso, Sandel defende que Rawls criou uma espécie de vazio moral no que diz respeito à escolha de princípios de justiça!

 

Assim....

Para os comunitaristas, o estado deve intervir para combater as desigualdades sociais redistribuindo bens essenciais de forma igualitária pelos cidadãos: dinheiro, emprego, saúde, educação, poder político.

Sandel discorda da forma de encontrar os princípios de justiça (Posição Original de Rawls), pois não basta as nossas escolhas serem imparciais para serem boas.

Os princípios de justiça devem ser justificados a partir da ideia de bem comum.

O Bem Comum é definido pela sociedade e tem prioridade sobre as preferências individuais e não é o resultada da combinação das preferências individuais.

A avaliação dos princípios de justiça tem de ser moral. As escolhas feitas a coberto do véu de ignorância são cegas, feitas por seres hipotéticos, têm em conta apenas interesses individuais.

Para Michael Sandel, as nossas escolhas decorrem do  contexto da comunidade em que estamos inseridos. 

 

 Texto elaborado tendo por base o 

manual 50 lições de Filosofia



Outras Críticas ... 

 

A teoria de Rawls não compensa as desigualdades naturais

 

A concepção comum de igualdade de oportunidades não limita a influência dos talentos naturais. Rawls tenta resolver essa falha através do princípio da diferença. Assim, os mais talentosos não merecem ter um rendimento maior e só o têm se com isso beneficiarem os menos favorecidos. Mas talvez Rawls não tenha resolvido o problema. Talvez a sua teoria da justiça deixe ainda demasiado espaço para a influência das desigualdades naturais. E nesse caso o destino das pessoas continua a ser influenciado por factores arbitrários.

Rawls define os menos favorecidos como aqueles que têm menos bens sociais primários.

Imagine agora duas pessoas na mesma posição inicial de igualdade: têm as mesmas liberdades, recursos e oportunidades. Uma das pessoas tem o azar de contrair uma doença grave, crónica e incapacitante. Esta desvantagem natural implica custos na ordem dos 200 euros por mês para medicação e equipamentos.

O que oferece a teoria de Rawls a esta pessoa? Como esta pessoa tem os mesmos bens sociais que a outra e os menos favorecidos são definidos em termos de bens sociais primários, a teoria de Rawls não prevê a possibilidade de a compensar. Sobre as desigualdades naturais, apenas é dito que os mais agraciados em talentos pela natureza podem ter um rendimento maior se com isso beneficiarem os menos favorecidos.

O princípio da diferença assegura os mesmos bens sociais primários a esta pessoa doente, mas não remove os encargos causados, não pelas suas escolhas, mas pela circunstância de ter contraído uma doença grave, crónica e incapacitante. A crítica à concepção dominante de igualdade de oportunidades devia ter levado Rawls ao princípio de que as desigualdades naturais, tal como as sociais, devem ser compensadas. Não se vê justificação para tratar as limitações naturais de maneira diferente das sociais. Logo, as desvantagens naturais devem ser compensadas (equipamento, transportes, medicina e formação profissional subsidiadas). A teoria de Rawls enfrenta a objecção de não reconhecer como desejável a tentativa de compensação destas desvantagens.

 

A teoria de Rawls leva a que certas escolhas subsidiem injustamente outras 

A intuição que está por detrás da objecção anterior diz-te que não é justo responsabilizar as pessoas pelas circunstâncias em que por acaso se encontram: um deficiente não é responsável pela sua deficiência e um doente crónico pela sua doença crónica. O outro lado da mesma intuição diz-te agora que não é justo desresponsabilizar as pessoas pelas suas escolhas. Mais uma vez, o recurso a um exemplo pode ajudar-te a compreender melhor o que está em jogo.

Imagine duas pessoas que trabalham na mesma empresa de electrodomésticos. Têm, por isso, os mesmos recursos económicos. Mas também têm em comum os mesmos talentos naturais e antecedentes sociais. Uma delas é apaixonada por futebol e gasta uma parte razoável do seu rendimento nas deslocações permanentes que faz para apoiar o seu clube. Somadas as outras despesas inevitáveis de uma família, nada sobra. Por vezes esta família tem de recorrer a apoio social do estado. A outra resolveu estudar sistemas eléctricos depois do expediente normal de trabalho. Após um período de estudo, compra o equipamento necessário e resolve vender os seus serviços de electricista das seis da tarde às nove da noite.

Com muitas horas de trabalho, esforço e competência, duplica o rendimento inicial. O princípio da diferença diz que as desigualdades de rendimento são permitidas se beneficiarem os menos favorecidos. Que consequência tem a sua aplicação a este caso? A consequência de fazer o apaixonado por futebol beneficiar do rendimento do electricista esforçado.

Isto viola a tua intuição de justiça. Parece obviamente justo compensar custos não escolhidos (doenças, deficiências, etc.), mas é obviamente injusto compensar custos escolhidos. E é isso o que acontece neste caso; o princípio da diferença leva a que o electricista esforçado pague do seu bolso a escolha que faz e ainda subsidie a escolha do apaixonado por futebol. Corrói assim a igualdade em vez de a promover: cada um tem o estilo de vida que prefere, mas um vê o seu rendimento aumentado e o outro vê o seu rendimento diminuído através dos impostos com que subsidia o outro. Rawls afirma que a sua teoria da justiça tem a preocupação de regular as injustiças que resultam das circunstâncias, e não das escolhas. Mas porque não faz a distinção entre desigualdades escolhidas e desigualdades não escolhidas, o princípio da diferença viola a tua intuição de que é justo que cada um seja responsável pelos custos das suas escolhas. A não ser assim, que sentido fazem ainda o esforço e a ambição das nossas escolhas pessoais?

As duas objecções precedentes foram apresentadas pelo filósofo Ronald Dworkin. Dada a sua importância central, Dworkin formulou uma teoria que visa explicitamente dar-lhes resposta.

 

A objecção do jogador de basquetebol

 

Esta objecção foi apresentada pelo filósofo Robert Nozick. Ao contrário das duas objecções anteriores, não procura melhorar o princípio da diferença de maneira a que respeite cabalmente as nossas intuições morais de igualdade e justiça. O objectivo de Nozick é antes derrubar o princípio da diferença e fazer assentar em bases sólidas o seu princípio da transferência — tudo o que é legitimamente adquirido pode ser livremente transferido. Para isso, formula o contra-exemplo que é a seguir submetido à tua avaliação.

Wilt Chamberlain é um jogador de basquetebol em alta. A sociedade em que vive distribui a riqueza segundo o princípio da diferença ou segundo o princípio “a cada um segundo as suas necessidades”, ou então segundo o princípio que achares mais correcto — escolhe o princípio que quiseres. A esta distribuição de riqueza vamos chamar D1. Depois de várias propostas, Wilt Chamberlain decide assinar o seguinte contrato com uma equipa: nos jogos em casa, recebe 25 cêntimos por cada bilhete de entrada. A emoção é grande. Todos o querem ver jogar. Chamberlain joga muito bem. Vale a pena pagar o bilhete. A época termina e 1 milhão de pessoas viu os jogos. Chamberlain ganhou 250 000 euros. O rendimento obtido é bem maior que o rendimento médio. Gera-se assim uma nova distribuição de riqueza na sociedade em questão, a que vamos chamar D2.

Por que razão é este caso um contra-exemplo ao princípio da diferença? Dado que cria uma enorme desigualdade, Nozick pergunta por que razão esta nova distribuição de riqueza é injusta. Na situação D1, as pessoas tinham um rendimento legítimo e não havia protestos de terceiros para que se redistribuísse a riqueza. Nenhuma questão se levantava acerca do direito de cada um controlar os seus recursos. Depois as pessoas escolheram dar 25 cêntimos do seu rendimento a Chamberlain e gerou-se a distribuição D2. Haverá agora lugar a reclamações de terceiros que antes nada reclamavam e que continuam a ter o mesmo rendimento? Que razão há para se redistribuir a riqueza? Que razão tem o estado para interferir no rendimento de Chamberlain cobrando-lhe impostos elevados?

Se concordas com Nozick e aceitas que a situação D2 é legítima, então o seu princípio da transferência está mais de acordo com as tuas intuições do que princípios redistributivos como o princípio da diferença.

Mas se assim for, o que fazer em relação às desigualdades naturais que condenam à indigência pessoas cujos talentos naturais não são rentáveis no mercado?

Nozick aceita que temos intuições poderosas a favor da compensação de desigualdades não escolhidas; o problema é que os nossos direitos particulares sobre as nossas posses e rendimentos não deixam espaço para direitos gerais. A propriedade é absoluta. E se o é, que meios materiais tem o estado para garantir outros direitos?

 É a si que cabe fazer um juízo sobre este problema!

 Faustino Vaz in Critica


LOLA

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...