domingo, 14 de abril de 2024

Filosofia da Religião: o que é?

 


O que é a filosofia da religião?


Atenas e Jerusalém

A filosofia da religião não está preocupada com a religião como um fenômeno social, cultural ou político, mas com questões filosóficas que são provocadas pela fé e experiência religiosa. Algumas dessas questões tratam a religião em geral. Por exemplo, filósofos da religião estão interessados na natureza da experiência religiosa, e se isto fornece evidência para a existência de uma dimensão sobrenatural. Algumas dessas questões dizem respeito a famílias específicas de religiões. Por exemplo, filósofos da religião estão interessados na concepção de Deus que é endossada por aderentes às fés abraâmicas (isto é, judaísmo, cristianismo e islamismo) e se há boas razões para pensar se esse Deus, como é concebido por essas fés, existe. E algumas dessas questões tratam, especificamente, de tradições religiosas. Por exemplo, filósofos da religião consideram se a doutrina cristã da Trindade – a reivindicação que esse deus é “três pessoas em uma” – é inteligível, ou se a rejeição budista do self é consistente com a teoria do karma.

O exposto pode sugerir que há uma estreita conexão entre a filosofia da religião e a teologia. Afinal de contas, a teologia também não se preocupa com questões relativas à existência de Deus, à natureza da crença religiosa e coisas do tipo? Há, de fato, uma relação íntima entre essas duas disciplinas, e a natureza e localização do limite entre elas é um assunto questionado. Um modo de distinguir teologia da filosofia da religião está na perspectiva que alguém adota na tentativa de responder uma questão específica. A discussão teológica ocorre dentro do contexto de uma tradição religiosa específica, enquanto a discussão filosófica ultrapassa as fronteiras entre tradições. Suponhamos que você está considerando se Deus teria criado o tempo. 

No contexto de uma discussão teológica, poderia ser apropriado recorrer à autoridade de um texto religioso ou estudioso deste problema, mas tal apelo não seria geralmente apropriado se alguém está envolvido com a filosofia da religião, pois as autoridades religiosas que são reconhecidas pelos membros de uma tradição religiosa provavelmente não são reconhecidas pelos membros de outras tradições religiosas. Isto não significa que a filosofia da religião está restrita somente àqueles que não se identificam com uma religião particular, mas significa que os tipos de consideração que alguém pode recorrer, na medida em que está envolvida com a filosofia da religião, são considerações que deveriam, pelo menos em princípio, ser convincentes às pessoas independentemente de suas convicções religiosas.

Religiões exibem uma ampla variedade de atitudes em relação à filosofia (e, com certeza, em relação aos filósofos!). Algumas religiões abraçam a reflexão filosófica. Na verdade, há um número de religiões – budismo, hinduísmo e taoísmo, por exemplo – nas quais a própria distinção entre filosofia e religião está longe de ser nítida, e algumas linhas no íntimo dessas religiões exibem atitudes mais ambivalentes em relação à filosofia. Essa ambivalência é particularmente marcada em relação às religiões abraâmicas. As escrituras do judaísmo, cristianismo e islamismo têm muito pouco de reflexão filosófica explícita, e as afirmações que elas fazem sobre Deus não são baseadas, geralmente, em argumentos, mas sim, em situações relacionadas à revelação e à palavra dos profetas. Além disso, suspeitar do método filosófico é um tema comum nas religiões abraâmicas. Essa suspeita foi resumidamente capturada no século II da era cristã pelo teólogo Tertuliano, quando ele questionou: “O que Atenas tem a ver com Jerusalém?”. É claro que Atenas representava a tradição filosófica grega, enquanto Jerusalém representava a tradição profética hebraica.

No entanto, a relação entre as fés abraâmicas e a reflexão filosófica é algo complexo. Embora muitos tenham contrastado “O Deus dos filósofos” com “O Deus de Abraão, Isaac e Jacó” (como disse o filósofo francês Blaise Pascal), as fés abraâmicas se vangloriam de longas histórias da sofisticada reflexão filosófica sobre temas religiosos. 




Filósofos cristãos que contribuíram muito para a filosofia da religião incluem 

Santo Agostinho (354-430), 

São Tomás de Aquino (1225-1274), 

João Duns Scotus (1266-1308), 

Guilherme de Ockham (1287-1347), 

René Descartes (1596-1650), 

John Locke (1632-1704) e 

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). 

Filósofos judeus que fizeram contribuições importantes para a filosofia da religião incluem

 Maimônides (1135-1204), 

Gersonides (1288-1344) e Espinosa (1632-1677). 

E dentre os muitos pensadores islâmicos que deram grandes contribuições para a filosofia da religião estão

 Al-Kindi (c.800-8700), 

Al-Farabi (c.870-c.950), 

Al-Gazali (c.1056-1111),

 Ibn Rushd (1126-1198, também conhecido como Averróis) e 

Ibn Sina (c.920-1037, também conhecido como Avicena). 

Embora esses pensadores pertençam a contextos sociais e tradições religiosas muito diferentes, todos eles assumem que a filosofia tem uma função central a desempenhar quando se trata dos assuntos religiosos.

Apenas uma questão de opinião?  

Apesar da longa história da reflexão filosófica sobre temas religiosos, muitas pessoas ficam surpresas ao descobrir um projeto desafiador tal como a filosofia da religião. Religião e filosofia, tais pessoas supõem, são como óleo e água: simplesmente não se misturam. O que poderia motivar essa atitude, e há alguma razão para concordar com isso?

Alguns sustentam que filosofia e religião deveriam ser mantidas separadas, pois as questões sobre a existência de Deus (por exemplo) estão simplesmente fora do alcance dos métodos filosóficos. Temas religiosos – assim diz essa linha de pensamento – são temas relacionados a gosto e opinião em vez de razão e argumento. Alguém poderia escolher a crença que Deus existe – ou, se for o caso, que Deus não existe –, mas tais questões não podem ser resolvidas pela razão e, mesmo considerando os relevantes argumentos, isso é uma perda de tempo.

Embora a posição há pouco expressada não seja incomum, existe pouca sustentação para recomendá-la. Primeiro, está longe de ser óbvio que questões sobre a existência de Deus estão fora do alcance da razão humana. Uma grande maioria de pensadores ao longo dos séculos – sem esquecer um grande número de pensadores contemporâneos – certamente rejeitariam essa afirmação. Para demonstrar que os relevantes temas religiosos estão fora do alcance da razão humana, alguém deveria, inicialmente, fornecer um relato dos limites da razão humana e depois mostrar que os temas religiosos estão além desses limites. Tal empreendimento foi ocasionalmente experimentado – o filósofo prussiano Immanuel Kant notavelmente arguiu a favor de uma versão desta visão – mas poucos teóricos olharam tal intento com sucesso. A filosofia da religião pode não ter conseguido fornecer respostas definitivas para as questões que ela coloca, mas não seria despropositado esperar que isto possa, pelo menos, iluminá-las.

Não há dúvidas de que as pessoas recorrem a considerações filosóficas quando discutem assuntos religiosos. Consideram argumentos pró e contra a existência de Deus; perguntam se a divina onisciência é compatível com o livre-arbítrio; e ficam intrigadas com a possibilidade dos milagres e das perspectivas de vida após a morte. É claro que podemos defender que essas considerações têm pouco impacto sobre as visões religiosas abraçadas por muitas pessoas. É certamente verdadeiro que as alavancas da crença não são movidas apenas pela força da razão; aliás, quando se trata de assuntos religiosos é questionável se a razão é mesmo a fonte primária da crença. Mas, embora as considerações filosóficas estejam longe de ser as únicas condutoras da crença, elas podem – e frequentemente fazem isso – ter um impacto sobre as convicções religiosas de uma pessoa.

Um segundo argumento para pensar que a religião e a filosofia devem ser mantidas separadas diz respeito a questões da autonomia e da liberdade religiosa. Alguém pode ser tentado a argumentar se foi legítimo recorrer a considerações filosóficas em decisões de fé, assim convicções religiosas que poderiam ser apresentadas como irracionais podem ser consideradas como suspeitas, e que – alguém poderia se preocupar –, por outro lado, tais questões estariam em desacordo com ideais profundamente valiosos relativos à liberdade religiosa e autonomia.

Podemos observar que talvez tenha algo errado com esse argumento observando que não há inconsistência em defender ambas, que a discussão política deveria ser esclarecida por considerações filosóficas e que a liberdade do pensamento político deveria ser respeitada. Onde, então, o argumento falha? Falha em assumir que apresentar objeções às visões de uma pessoa implica infringir a sua liberdade de crença. Embora certos modos de alterar crenças de uma pessoa – por exemplo, ao drogá-las ou submetê-las à pressão emocional – prejudiquem a autonomia desta, outros métodos não fazem isso. É crucial que os métodos de persuasão empregados na filosofia respeitem a autonomia, pois os argumentos filosóficos apenas recorrem a considerações que são racionalmente convincentes. Dessa forma, longe de enfraquecer uma autonomia individual, o engajamento filosófico é, na verdade, uma forma de respeitar essa autonomia. Além disso, o foco primordial do filósofo da religião não é com a avaliação crítica das posições de quem quer que seja, mas a avaliação crítica de sua própria posição.

Com esse pensamento em mente, vamos ao trabalho.


(...)

Timothy Bayne

Tradução: Andrei Venturini Martins | Revisão: Edvaldo Shamá | © Labô
Esta tradução corresponde às páginas 1 a 5 do livro: Philosophy of Religion: a very short introduction (United Kingdom: Oxford University Pres, 2018)

O sublinhado é nosso

 



LOLA

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