Subjectivismo e Relativismo
Subjectivismo: “X é um bem”
significa “Gosto de X”. Escolhe os teus princípios morais de acordo com o que
sentes.
O subjectivismo sustenta que os juízos morais descrevem a maneira como
sentimos. Afirmar que algo é um “bem” consiste em dizer que temos um sentimento
positivo a seu respeito. A perspectiva do observador ideal é um refinamento
desta posição; diz-nos que os juízos morais descrevem o que sentiríamos se
fossemos inteiramente racionais.
Neste capítulo, iremos ouvir duas
colegas imaginárias, ambas chamadas “Ana”. A Ana Subjectivista irá defender o
subjectivismo e a Ana Idealista a perspectiva do observador ideal. Iremos
igualmente considerar algumas objecções a cada um destes pontos de vista.
2.1 Ana Subjectivista
Chamo-me Ana Subjectivista; mas, dado a minha colega também se chamar
“Ana”, habitualmente tratam-me por “Sub”. Adoptei o subjectivismo ao
compreender que a moral é profundamente emocional e pessoal.
O ano passado frequentei com alguns
amigos um curso de antropologia. Acabámos por aceitar o relativismo cultural —
a perspectiva de que o bem e o mal são relativos a cada cultura, que “bem”
significa “socialmente aprovado”. Mais tarde, descobri que o relativismo
cultural enfrenta um problema, nomeadamente o de nos negar a liberdade para
formarmos os nossos próprios juízos morais. Sucede que a liberdade moral é algo
a que atribuo muita importância.
O relativismo cultural obriga-me a
aceitar todos os valores da sociedade. Admitamos que descobri que a maior parte
das pessoas aprova acções racistas; terei então de concluir que o racismo é um
bem. Estaria a contradizer-me se dissesse “O racismo é socialmente aprovado
embora não seja um bem”. Como o relativismo cultural impõe as respostas do
exterior, negando a liberdade de pensamento em questões morais, passei a considerá-lo
repulsivo.
Crescer obriga-nos a questionar os
valores que herdámos. E é claro que recebemos os nossos valores da sociedade,
pelo menos inicialmente. Quando somos crianças, esses valores são-nos
fornecidos principalmente pelos nossos pais e grupos de amigos. Depois
tornamo-nos adultos. à medida que crescemos, questionamos os valores que
aprendemos. Podemos aceitá-los ou rejeitá-los em bloco ou aceitá-los ou
rejeitá-los parcialmente. A escolha é nossa.
Quando afirmo “Isto é um bem” refiro-me
ao que eu própria sinto — é apenas uma maneira de dizer “Gosto disto”. Os meus
juízos de valor são acerca do que eu sinto e não acerca do que a sociedade
sente. Os meus juízos de valor descrevem as minhas emoções.
Considero a liberdade moral uma parte do
processo de crescimento. O que se espera das crianças é que repitam
mecanicamente os valores que lhes foram ensinados; no entanto, um adulto que
proceda deste modo revela que o seu processo de desenvolvimento não foi o
adequado. O que se espera dos adultos é que pensem pela sua cabeça e que formem
os seus próprios valores. O relativismo cultural não permite fazê-lo. Pelo
contrário, tornamo-nos conformistas.
Deixem-me dar-vos um exemplo de como
funciona o subjectivismo. A minha família ensinou-me a respeitar
escrupulosamente a proibição de consumir bebidas alcoólicas. Na minha família
beber estava “socialmente proibido”. No entanto, os meus colegas de escola acham
interessante beber em grandes quantidades. Neste grupo, beber é um “requisito
social”. O relativismo cultural afirma que devo fazer aquilo que a sociedade
defende — mas que sociedade? Será que devo proceder de acordo com a minha
família ou seguir o meu grupo de amigos?
O subjectivismo diz-me para seguir o que
sinto. Assim, comecei a reflectir no conflito entre estas diferentes normas e
nas razões que lhes subjazem. A minha família desejava prevenir-me contra os
perigos do excesso de bebida, enquanto os meus amigos usavam a bebida para
promover o divertimento e a sociabilidade. Eu tenho um sentimento positivo
acerca de cada um destes objectivos e pensei na melhor maneira de promover
ambos. Após alguma reflexão, os meus sentimentos tornaram-se claros. Diziam-me
para beber moderadamente.
Beber demais pode ser “fixe”
(socialmente aprovado) mas conduz com frequência a agressões, ressacas,
alcoolismo, gravidezes indesejadas e também à morte em acidentes de viação.
Nenhuma destas consequências me agrada — por isso, sou emocionalmente contra
beber demais. Eis por que razão beber demais é um mal. Muitos dos meus amigos
bebem em excesso dado tratar-se de um comportamento socialmente aprovado. Isto
fá-los agir como crianças. Adoptaram cegamente os valores do grupo em vez de
pensarem por si próprios.
Deixem-me explicar-vos alguns aspectos
mais sobre o subjectivismo. Afirmei que “X é bom” significa “Gosto de X”. Alguns subjectivistas preferem usar diferentes termos para
expressar emoção — por exemplo, “sinto aprovação por”, “tenho um sentimento
positivo acerca de” ou “desejo”. Contudo, não irei preocupar-me em saber qual
dos termos é mais adequado.
A verdade do subjectivismo torna-se
óbvia se considerarmos a maneira habitual de falar. É frequente dizermos coisas
do género “Gosto disto — é bom”. Estas expressões têm o mesmo significado.
Acontece também perguntarmos “Gostas? — Parece-te bem?” Em ambos os casos
estamos a formular uma única pergunta, embora utilizemos diferentes palavras.
A objecção colocada pela minha companheira
de quarto é que podemos dizer que gostamos de coisas que não são boas. Por
exemplo, “Gosto de fumar, embora fazê-lo não seja bom”. Mas neste caso passamos
da avaliação da satisfação imediata para a avaliação
das consequências. As coisas seriam
claras se disséssemos “Gosto da satisfação imediata que fumar provoca (a
satisfação imediata é um bem); não gosto das consequências (as consequências
não são boas)”.
O subjectivismo sustenta que as verdades
morais são relativas ao indivíduo. Se eu gosto de X e você não, então “X é um
bem” é verdade para mim mas falso para si. Usamos a palavra “bem” para falar
dos nossos sentimentos positivos. Nada é um bem ou um mal em si mesmo,
independentemente dos nossos sentimentos. Os valores apenas existem como
preferências de pessoas individuais. Você tem as suas preferências e eu as
minhas; nenhuma preferência é objectivamente correcta ou incorrecta. Esta ideia
tornou-me mais tolerante a respeito das pessoas com sentimentos diferentes e,
portanto, com diferentes crenças morais.
A minha colega defende que os juízos
morais traduzem afirmações objectivas acerca do que em si mesmo é verdadeiro,
independentemente dos nossos sentimentos, e que o subjectivismo não tem este
facto em consideração. Mas a objectividade é uma ilusão que resulta de
objectivarmos as nossas reacções subjectivas. Rimo-nos de uma piada e afirmamos
que a piada é “engraçada” — como se ser engraçado fosse uma propriedade
objectiva das coisas. Quando gostamos de uma coisa dizemos que é “boa” — como
se ser boa fosse objectivo. Nós, os subjectivistas, não nos deixamos enganar
por este tipo de ilusões gramaticais.
Na prática, todos seguimos o que
sentimos em questões morais. Contudo, apenas os subjectivistas são
suficientemente honestos para o admitir e pôr de lado o apelo a uma pretensa
objectividade.
Antes de avançar para a Secção 2.2,
procure reflectir sobre as suas reacções iniciais ao subjectivismo. Que pontos
lhe agradam ou desagradam nesta perspectiva? Tem objecções a apresentar?
2.2 Objecções ao
subjectivismo
A Ana Subjectivista deu-nos uma formulação clara de uma maneira importante
de abordar a moral. Concordo com a sua ênfase na liberdade moral e com a sua
rejeição do relativismo cultural (e de qualquer outra perspectiva que exclua a
liberdade moral). Mas discordo da sua análise do “bem”. Além disso, necessita
de aprofundar as suas ideias sobre o pensamento moral.
O maior problema consiste no
subjectivismo fazer o bem depender completamente do que gostamos. Se “X é um
bem” e “Gosto de X” significam a mesma coisa, o seguinte raciocínio é válido:
Gosto de X.
∴ X é um bem.
Suponha por momentos que os amigos irresponsáveis da Ana Subjectivista
gostam de se embebedar e magoar pessoas. Poderiam então deduzir que as acções
abaixo são um bem:
Gosto de me embebedar e magoar pessoas.
∴ Apanhar bebedeiras e magoar pessoas é
um bem.
Mas este raciocínio não está correcto: a conclusão não se segue da
premissa. O subjectivismo oferece-nos uma abordagem demasiado imperfeita da
moral, em que apenas fazemos o que gostamos.
Pior ainda, os meus gostos e
aversões tornariam as coisas boas
ou más. Suponha que gosto de magoar pessoas; isto faria com que fosse um bem magoar pessoas. Imagine que eu gosto de reprovar
estudantes apenas pelo prazer que isso provoca; isto faria com que reprovar estudantes
apenas pelo gozo se tornasse um bem. Tudo o
que me agradasse tornar-se-ia um bem — ainda que eu gostar disso fosse apenas o
produto da estupidez e da ignorância.
O racismo fornece-nos um bom teste para
as perspectivas éticas. O subjectivismo é insatisfatório neste ponto dado
afirmar que fazer sofrer pessoas de outras raças é um bem desde que eu goste de
o fazer. Depois, o subjectivismo implica que Hitler disse a verdade quando
afirmou “O assassínio dos judeus é um bem” (visto que este enunciado apenas
significa que Hitler gostava de matar judeus). O subjectivismo tem implicações
inaceitáveis sobre o racismo.
A educação moral dá-nos outro teste. Se
aceitarmos o subjectivismo, de que modo educaremos as nossas crianças para
pensarem sobre questões morais? Ensiná-las-íamos a seguir os seus sentimentos,
a deixarem-se guiar pelos seus gostos e aversões; não lhes forneceríamos um
guia para formarem sentimentos responsáveis e sensatos. Ensinaríamos às
crianças que “Gosto de magoar pessoas — portanto, magoar pessoas é um bem” é
uma forma correcta de raciocinar. O subjectivismo implica também consequências
bizarras em educação moral.
Não é difícil expor as debilidades do
subjectivismo. Mas, nesse caso, por que razão é tão plausível esta doutrina?
Uma das razões é que aquilo de que gostamos corresponde, em geral, ao que pensamos ser um bem. O subjectivismo explica isto: dizer que uma coisa é
“boa” significa que gostamos dela. Mas é possível dar outras explicações.
Talvez estejamos motivados para gostar daquilo que descobrimos ser um bem
(através da razão ou da religião). Portanto, não há apenas uma forma de
explicar a ligação entre o que gostamos e o que julgamos um bem.
Se, como é frequente, formos pessoas
moralmente imaturas, esta correspondência pode falhar. Podemos gostar de coisas
que julgamos serem um mal, por exemplo, gostar de magoar as outras pessoas. O
que se espera da moral é que sirva de constrangimento aos nossos gostos e
aversões. Pensar que magoar outras pessoas é um mal pode impedir-nos de o fazer,
embora fosse isso que gostaríamos. Portanto, não podemos identificar o que é
bom com aquilo de que gostamos — embora, se tivermos maturidade moral, haja uma
correspondência entre ambos.
Não são muitos os filósofos que defendem
actualmente o subjectivismo. Alguns dos que têm tendência para o subjectivismo
adoptaram o emotivismo, doutrina que difere da primeira de uma
forma subtil. Cada uma destas perspectivas interpreta o “bem” como se segue:
- Subjectivismo:
“X é um bem” significa “Gosto de X”
- Emotivismo:
“X é um bem” significa “Viva X!”
O emotivismo afirma que os juízos morais são exclamações emocionais e não
afirmações verdadeiras ou falsas; esta perspectiva está muito próxima do
subjectivismo e é mais difícil de refutar. Outros filósofos com as mesmas
tendências adoptaram a perspectiva do observar ideal; a palavra “bem” exprime
não os sentimentos que efectivamente temos mas o modo como nos sentiríamos caso
fossemos totalmente racionais. Esta perspectiva tenta combinar o sentimento e a
razão. A próxima secção é dedicada a esta perspectiva.
A Sub falou-nos em liberdade moral. Mas
não nos disse de que modo podemos usá-la de uma forma responsável. Disse que
precisamos de seguir os nossos sentimentos. Mas nada disse acerca de como
desenvolver sentimentos sensatos. A próxima perspectiva procura superar estas
deficiências através de uma concepção mais rica acerca daquilo em que consiste
o pensamento moral.
Perspectiva do Observador Ideal: "X é um bem”
significa “Desejaríamos X se estivéssemos inteiramente informados e nos
preocupássemos imparcialmente com todas as pessoas”. Escolha os seus princípios
morais procurando ser tão imparcial e bem informado quanto possível — veja
então o que deseja.
2.3 Ana Idealista
Chamo-me Ana Idealista. Aderi à teoria do observador ideal quando
compreendi a necessidade de combinar sentimento e razão na abordagem da
natureza do pensamento moral.
Os sentimentos e a razão fazem ambos
parte da vida; idealmente, deveriam actuar em conjunto em tudo o que fazemos.
Vejamos um exemplo extraído da gramática. Antes de entregar um ensaio, releio o
que escrevi à procura de erros gramaticais. A intuição faz-me sentir os erros,
quando existem; se uma frase me provoca um sentimento de desagrado considero-o
um bom indício de que a frase é agramatical. As minhas intuições gramaticais
são o produto de anos de treino onde a razão desempenha um papel crucial, tal
como as regras e os exemplos. O meu sentido da gramática combina a intuição e a
razão. Qualquer aspecto da vida deveria fazê-lo.
Já conhece a minha colega, a Ana
Subjectivista. Como partilhamos o mesmo nome próprio, facto que pode tornar-se
um foco de confusão, chamar-lhe-ei apenas “Sub”. A Sub tem algumas boas ideias
às quais falta ponderação. Está sempre a dizer “Sigam os vossos sentimentos”. É
claro que se os nossos sentimentos forem sensatos e racionais não é um mau
conselho. Mas pode-se tornar num péssimo conselho se esses
sentimentos forem apenas patetas.
Segui o conselho da Sub o semestre
anterior e isso trouxe-me problemas. Segui os meus sentimentos a respeito de
comida — e engordei 2 quilos. Segui os meus sentimentos acerca de quando
assistir às aulas — e quase reprovei nos exames. Insultei as pessoas sempre que
me apeteceu — e isso privou-me da sua companhia. Não creio que aprecie
demasiado o que fiz. Em sinal de retaliação contra a Sub, coloquei na parede do
quarto o seguinte aviso:
Se fizermos apenas o que gostamos rapidamente deixaremos de gostar das
nossas vidas.
|
Precisamos com frequência de treinar os nossos sentimentos em vez de os
seguirmos cegamente. Por exemplo, houve uma altura em que gostava de fumar,
comer demasiado e insultar os outros. Depois compreendi que este não é o tipo
de coisas de que se justifique gostar — e deixei de o fazer.
Precisamos de combinar os nossos
sentimentos com a razão. Actualmente, o meu lema é “Desenvolve primeiro
sentimentos racionais e depois segue-os”. Mas, poder-se-ia perguntar, como se
desenvolvem sentimentos morais racionais? Tenho duas sugestões a apresentar:
- Esteja
informado: baseie
os seus sentimentos e decisões numa avaliação correcta da situação.
- Seja
imparcial: ao
fazer um juízo moral adopte um ponto de vista imparcial que contemple a
todos da mesma forma.
Os sentimentos racionais são aqueles que estão informados e são imparciais.
Os juízos morais não descrevem os nossos sentimentos actuais e impulsos
momentâneos, nem aquilo de que num ou noutro momento gostamos. Os juízos morais
descrevem como nos sentiríamos se fossemos inteiramente racionais. “X é um bem”
significa “Desejaríamos X se fossemos imparciais e estivéssemos completamente
informados”. Chama-se perspectiva do observador ideal a esta
perspectiva. Adoptamos os nossos princípios morais procurando estar tão bem
informados e ser tão imparciais quanto possível — e só então vemos como nos
sentimos.
A minha amiga Sub acha intrigante que
possamos afirmar “Gosto de fumar embora isso seja um mal”. A sua explicação para o sentido deste enunciado parece-me um pouco
enredada. A minha é melhor: “Gostar” refere-se aos nossos sentimentos actuais e
“bem” ao que sentiríamos se fossemos racionais. O impulso que favorece fumar
está em conflito com uma perspectiva racional (que inclui ter consciência e
levar em consideração os danos que decorrem do uso do tabaco).
Deixe-me explicar o meu ponto de vista
de outra forma. Um observador ideal é uma pessoa imaginária
dotada de uma suprema sabedoria moral — uma pessoa informada e capaz de
considerar os outros com um mesmo grau de preocupação imparcial. Dizer que algo
é um “bem” significa que desejaríamos que tal acontecesse se fossemos
observadores ideais. É claro que nunca seremos observadores ideais porque a
ignorância e o preconceito nos impedirão disso. Mas a noção de um observador
ideal é útil. Dá-nos uma imagem viva da sabedoria moral e uma forma de
compreendermos o significado e a metodologia dos juízos morais.
Permita-me agora explicar como fazer
juízos morais de modo racional. Em primeiro lugar, precisamos de estar
informados. Precisamos de conhecer as circunstâncias, as alternativas e as
consequências. Além disso, é necessário evitar os erros factuais. Um juízo
moral é menos racional se não for baseado numa compreensão correcta da
situação. É óbvio que não podemos saber tudo, mas podemos empenhar-nos de
maneira a obter mais conhecimento.
O segundo elemento do pensamento moral
racional é a imparcialidade. Os juízos morais envolvem sentimentos imparciais. Quando fazemos um juízo moral, adoptamos uma perspectiva imparcial que
considera do mesmo modo todas as pessoas. Necessitamos desta perspectiva para
regular as nossas inclinações egoístas e para que todos possamos viver em paz e
harmonia.
A imparcialidade mostra alguns erros
mais cometidos pelo subjectivismo. De um ponto de vista subjectivista “X é um
bem” significa “Gosto de X”. Logo, o seguinte raciocínio é correcto:
Gosto de me embebedar e de magoar outras pessoas
∴ Beber demasiado e magoar outras pessoas
é um bem.
Mas este raciocínio é incorrecto. A conclusão envolve o uso incorrecto da
palavra “bem”; de facto, esta palavra descreve aquilo que desejaríamos que
acontecesse caso estivéssemos na posse de informação completa e fossemos imparciais. A sociedade desmoronar-se-ia se seguíssemos o modelo subjectivista para o
pensamento moral — se apenas fizéssemos o que gostamos, independentemente da
forma como isso afectasse as outras pessoas.
Eis um exemplo acerca de como aplicar
esta perspectiva. Admitamos que foi eleito para o Parlamento. Com que
fundamento consideraria “um bem” — e nessa medida digna do seu voto — uma
proposta de lei? O relativismo cultural diz-lhe para votar com a maioria; mas a
maioria pode ser ignorante, ou estar dominada pela propaganda e pela mentira. O
subjectivismo diz-lhe para seguir os seus sentimentos; estes sentimentos podem,
contudo, estar deslocados ou apenas reflectirem a sua ignorância. A minha
perspectiva diz-lhe para formar os seus valores de um modo factualmente
informado e que considere todas as pessoas com imparcialidade. Este
procedimento constitui uma melhor base de apoio para a democracia.
A perspectiva que proponho oferece-lhe
ainda formas objectivas de criticar crenças morais racistas. Suponha que
estamos a avaliar a racionalidade moral de um Nazi que acredita que devemos
enviar os judeus para campos de concentração. Presumivelmente, o Nazi viola a
condição de “estar informado”; as suas atitudes baseiam-se provavelmente em
erros factuais ou na ignorância:
- As suas
atitudes podem-se basear em erros factuais. Talvez acredite falsamente
que a sua raça é superior ou que é racialmente puro. Talvez acredite que
as políticas raciais trazem amplos benefícios para a sua própria raça.
Podemos criticar estes erros de forma objectiva.
- As suas
atitudes podem estar baseadas na ignorância. Talvez não compreenda o
sofrimento que as suas acções causam nas vítimas. Talvez não compreenda
como raças diferentes aprenderam a conviver pacífica e harmoniosamente
noutras sociedades. Talvez não compreenda que o seu ódio aos judeus tem
origem numa lavagem ao cérebro (em estereótipos e mentiras).
As suas atitudes poderiam ser criticadas com base na imparcialidade. Como as suas acções não reflectem uma preocupação em proceder do mesmo
modo com todas as pessoas, não faz sentido defendê-las utilizando para o efeito
um idioma moral. Talvez goste de perseguir
judeus, mas não poderá defender de forma plausível que estas acções constituem
um “bem”.
Alguns sistemas de valores são,
portanto, mais racionais do que outros. Um sistema de valores é “racional” — e,
nessa medida, digno de respeito — caso se baseie numa correcta compreensão dos
factos e numa preocupação em considerar todas as pessoas de igual modo. O
nazismo, a escravatura, a segregação racial são irracionais — têm a ignorância
como único fundamento ou constituem violações da exigência de imparcialidade
para com os nossos semelhantes.
A minha concepção possui diversas
vantagens se comparada com o relativismo cultural ou o subjectivismo. Introduz
um elemento de racionalidade sem pôr em causa o papel dos sentimentos. Além
disso, oferece-nos munições mais eficazes para combater o racismo. Fornece-nos
ainda uma base mais firme para a educação moral ao favorecer o desenvolvimento
de sentimentos responsáveis e sensatos. Finalmente, está de acordo com a
maneira como formamos as nossas crenças morais sempre que tentamos proceder
racionalmente.
Antes de avançar para a secção 2.4,
reflicta nas suas reacções iniciais à perspectiva do observador ideal. O que
lhe agrada ou desagrada neste ponto de vista? Que objecções tem a colocar?
2.4 Objecções à teoria
do observador ideal
A teoria do observador ideal representa uma melhoria significativa
relativamente ao relativismo e ao subjectivismo. Infelizmente, esta concepção,
pelo menos tal como até aqui foi desenvolvida, contém dificuldades.
A condição de “imparcialidade” não é
clara. Será que requer a mesma preocupação com todas as pessoas,
independentemente de se tratar do nosso filho ou de alguém que nunca vimos?
Seria isto um bem? E se a imparcialidade não é isto que requer, então o que é
exactamente?
A condição de “estar totalmente
informado” parece demasiado idealizada. Será que não implicaria possuir uma
quantidade infinita de conhecimento e, portanto, um cérebro infinito? Se os
seres humanos são incapazes de estarem completamente informados, será que faz
sentido interrogarmo-nos acerca do que desejaríamos se estivéssemos na posse de
toda a informação?
Esta concepção oferece-nos duas
condições de racionalidade arbitrárias. Existirão outras além destas? Por
exemplo, seria necessário ser-se consistente? Será necessário sentir empatia
(ter uma consciência muito viva do que significa estar no lugar das outras
pessoas)? Alguns filósofos incluíram estas ou outras condições. Como é que se
decide que condições de racionalidade incluir?
Os observadores ideais podem discordar
acerca de certas questões. No caso de isto suceder, será que devemos considerar
um “bem” o que a “maioria” dos observadores (não “todos”) desejaria? Ou devemos
seguir o que cada um de nós individualmente desejaria se fossemos observadores
ideais?
Portanto, a perspectiva do observador
ideal, embora represente um enorme passo em frente, ainda não é o fim da
jornada. As suas ideias necessitam de ser melhoradas e desenvolvidas. No
entanto, qualquer candidata a ser uma melhor teoria tem de se basear nas suas
intuições.
2.5 Sumário do
capítulo
O subjectivismo afirma que os juízos
morais descrevem sentimentos pessoais: “X é bom” significa “Gosto de X”. Supõe
que os princípios morais decorrem de seguirmos os nossos sentimentos.
O subjectivismo enfrenta algumas dificuldades. Defende, implausivelmente,
que o simples facto de gostarmos de alguma coisa (como beber demasiado e magoar
os outros) faz dela um bem. Dá-nos uma base demasiado frágil para lidarmos com
o racismo e a educação moral. Diz-nos para seguirmos os nossos sentimentos mas
não nos oferece um guia para desenvolvermos sentimentos sensatos e racionais.
A teoria do observador ideal tenta
combinar sentimentos e racionalidade. Defende que “X é um bem” significa
“Desejaríamos X se estivéssemos totalmente informados e nos preocupássemos
imparcialmente com todas as pessoas”. Adoptamos os nossos princípios
desenvolvendo sentimentos morais racionais (permanecendo imparciais e
informados) — e depois seguindo os nossos sentimentos.
A teoria do observador ideal, embora
represente um amplo progresso quando a comparamos ao relativismo e ao
subjectivismo, comporta, ainda assim, problemas — pelo menos tal como até ao
momento a apresentámos. Por exemplo, oferece-nos apenas duas condições
arbitrárias de racionalidade — sendo, além disso, pouco claro o que significa “ser
imparcial”.
2.6 Questões para o
acompanhamento do estudo
Escreva as respostas no seu caderno de ética. Se não souber responder,
retome a secção onde o assunto é tratado.
1.
Como se define “bem” para o subjectivismo? Que método é preconizado para a
formação de crenças morais?
2.
A Ana Subjectivista foi uma simpatizante do relativismo. Por que razão se
converteu ao subjectivismo? (2.1)
3.
De que modo a Ana Subjectivista relaciona a liberdade moral com o processo
de crescimento?
4.
Como é que a Ana Subjectivista aplicou o subjectivismo ao problema de se
beber demasiado?
5.
Por que razão é de esperar que o subjectivismo seja uma verdade óbvia
considerando o modo como falamos?
6.
Será que o subjectivismo considera que os valores são relativos? E
relativos a quê?
7.
De que modo a Ana Subjectivista enfrentou a objecção de que os juízos
morais são afirmações acerca do que é objectivamente verdadeiro,
independentemente dos nossos sentimentos?
8.
Escreva um ensaio de uma página onde relate as suas reacções iniciais ao
subjectivismo.
9.
Formule algumas objecções ao subjectivismo. (2.2)
10. Será que os juízos
morais necessariamente correspondem aos nossos gostos e aversões?
11. Como aplicar o
subjectivismo ao racismo e à educação moral?
12. De que modo o “bem” é
definido na perspectiva do observador ideal? De que método dispomos para formar
as nossas crenças morais?
13. Qual a maior objecção
da Ana Idealista ao subjectivismo?
14. Como é que
desenvolvemos sentimentos racionais? Explique as duas condições de
racionalidade propostas.
15. O que é um “observador
ideal”? Existirão observadores ideais? Se não existem, qual é o interesse da
ideia?
16. Como deveríamos
aplicar a teoria do observador ideal se fossemos eleitos para o Parlamento?
17. Como se aplica ao
racismo a teoria do observador ideal?
18. Escreva um ensaio de
uma página onde relate as suas reacções iniciais à perspectiva do observador
ideal. É verdade que lhe parece plausível? Que aspectos lhe agradam e
desagradam na teoria? Tem uma ideia do que poderia mostrar a sua falsidade?
19. Indique em linhas
gerais dois problemas que se podem colocar à perspectiva do observador ideal.
Harry Gensler
Ethics: A contemporary introduction (Routledge, 1998)
Tradução de Paulo Ruas
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