A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e instituições, apesar de poderem ser eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser eliminada. Por esta razão, a justiça impede que alguns percam a liberdade para outros passarem a partilhar um bem maior. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelo aumento das vantagens usufruídas por um maior número. Assim, numa sociedade justa, a igualdade de liberdade e direitos entre os cidadãos é considerada definitiva.
(...)
Na teoria da justiça como equidade, a posição da
igualdade original corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do
contrato social. Esta posição original não é, evidentemente, concebida como uma
situação histórica concreta, muito menos como um estado cultural primitivo.
Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caracterizada de forma a
conduzir a uma certa concepção da justiça. Entre as características essenciais
está o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação
de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição de
atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e outras
qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes
desconhecem as suas concepções do bem e as suas tendências psicológicas
particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. Assim se
garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios
pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias
sociais. Uma vez que todos os participantes estão numa situação semelhante e
que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua
situação particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação
equitativa, (...) isto justifica a designação "justiça como
equidade": transmite a ideia de que o acordo sobre os princípios da
justiça é alcançado numa situação inicial que é equitativa. Não decorre daqui
que os conceitos de justiça e equidade sejam idênticos, tal como também não
decorre da frase "a poesia como metáfora" que os conceitos de poesia
e de metáfora o sejam.
John Rawls, Uma Teoria da justiça
in
Textos e problemas de Filosofia
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