sexta-feira, 24 de maio de 2019

Rawls, Nozick e Sandel





Rawls, Nozick e Sandel


Rawls e os críticos


Esta tabela é um resumo das críticas de Nozick e Sandel a Rawls.
Na coluna central encontramos as principais ideias de Rawls; à esquerda encontramos as  críticas de Sandel e à direita as críticas de Nozick. Não sendo exaustivo, é uma proposta de organização da matéria que aqui deixo, agradecendo a preciosa ajuda do Rui Areal na elaboração deste material.

Contudo, saliento que didacticamente o ideal é que sejam os alunos a elaborar um quadro comparativo semelhante a este. Podem fazê-lo numa plataforma de debate de argumentos, como a Kialo, ou simplesmente através de um documento gerado no Google Drive.

Problema filosófico
O problema da justiça social: para ser justa, uma sociedade deve dar prioridade à liberdade ou à igualdade?

Experiências mentais como o Cortejo dos Rendimentosmostram-nos que a desigualdade entre os indivíduos é enorme nas nossas sociedades. Deveriam essas desigualdades de distribuição da riqueza serem menores? Seria preferível uma sociedade igualitária? Uma intervenção do Estado sobre a distribuição de riqueza permitiria diminuir as desigualdades, mas implicaria uma intromissão na liberdade individual de enriquecer; mas seria isso justo?



Autor
Michael Sandel
John Rawls
Robert Nozick
Corrente
Comunitarismo
Os comunitaristas consideram que o indivíduo se define sobretudo pela sua pertença a uma comunidade (em termos psicológicos e sociológicos). Isto é, existe um primado da comunidade sobre o indivíduo – o indivíduo só é o que é em função da comunidade onde se insere.
Para os comunitaristas, as desigualdades sociais colocam em causa o Bem Comum e constituem fonte de injustiças, pelo que o Estado deve intervir para as combater, redistribuindo bens essenciais de forma igualitária pelos cidadãos: dinheiro, emprego, saúde, educação, poder político.
Sandel não é um comunista, mas sim um comunitarista: pertencemos não apenas a nós próprios, mas também à comunidade onde nos inserimos.

Liberalismo moderado
Rawls é um liberal igualitário, isto é, defende que as liberdades básicas do indivíduo não podem ser sacrificadas em nome de princípios distributivos, mas concede que, sendo o indivíduo racional e razoável, estará aberto à cooperação com os outros, pelo que a solidariedade é um valor fundamental para a aceitação do segundo princípio da justiça: devemos partilhar com os outros as eventuais vantagens da lotaria natural e social.
Se um igualitarista consideraria a Igualdade como valor fundamental, Rawls posiciona-se como liberal ao eleger a Liberdade como valor prioritário.




Libertarismo (liberalismo radical)
O Estado não tem o direito de interferir na vida de alguém sem o seu consentimento. Os impostos constituem uma forma de coerção.

Defende um liberalismo em que as desigualdades podem ser muito profundas: a existência de pessoas muito ricas na mesma sociedade em que vivem pessoas muito pobres nada tem de injusto, desde que a riqueza seja adquirida de forma lícita.

Portanto, as funções do Estado devem restringir-se ao mínimo indispensável, o que não deixa de implicar a cobrança de impostos: defesa perante ameaças externas (exército), segurança dos cidadãos e dos seus bens (polícia) e cumprimento dos contratos e das leis (tribunais). Esta é a defesa de um Estado Mínimo.
Teoria
Perfeccionismo
De um modo geral, os perfeccionistas defendem que devemos procurar aquilo a que possamos chamar “uma vida boa”. Assim, determinadas coisas (ações, objetos, ideias) são boas em si mesmas e devem ser procuradas por todos os indivíduos.



Teoria da justiça como equidade
Na adopção dos princípios de justiça todas as partes que estabelecem este contrato social estão numa situação de igualdade de circunstâncias. Contudo, todos os contratantes sabem que haverá pessoas mais e menos talentosas, mais e menos ricas, homens e mulheres, crentes e ateus.
Trata-se de uma justiça como equidade porque os princípios da justiça social são escolhidos numa situação inicial equitativa, sem que nenhum indivíduo ou grupo social seja beneficiado ou prejudicado.
Teoria da titularidade
A autonomia das pessoas é fundamental. Ao contrário de Rawls, não aceita uma distribuição padronizada da riqueza, pois isso implica uma intervenção constante do Estado na liberdade individual de enriquecer de forma lícita. O indivíduo é o titular legítimo dos bens que adquire legalmente.
O indivíduo é dono de si mesmo: do seu corpo, da sua vida, mas também dos bens materiais que a sua liberdade individual lhe permite acumular, pelo que o Estado não deve interferir nessa liberdade individual.
Rejeição da Posição Original
O Bem Comum não é o resultado da combinação das preferências individuais; pelo contrário, o Bem Comum é algo que tem prioridade sobre as preferências individuais.  O modo de vida que define uma vida boa (Bem Comum) é definido pelo conjunto da sociedade.
A forma de encontrar os princípios de justiça está errada (Posição Original e Véu de Ignorância), pois não basta as nossas escolhas serem imparciais para serem boas.


Posição original
Trata-se de uma experiência mental, uma situação hipotética na qual Rawls nos desafia a imaginar quais os princípios organizadores de uma sociedade na qual quiséssemos efetivamente viver.
A Posição Original é apenas um dispositivo de representação, a descrição de um contrato social hipotético no qual todas as partes (indivíduos ou seus representantes) são racionais e mutuamente desinteressadas. Todos terão de escolher os princípios organizadores de uma sociedade para que ela seja justa. Para garantir a imparcialidade das suas escolhas, as partes são mantidas sob um Véu de Ignorância.
Conceitos, argumentos e suas críticas
Crítica ao Véu de Ignorância
O véu de ignorância transforma-nos em seres fictícios, desprendidos de laços sociais. Escolhas feitas por seres hipotéticos não são credíveis, pois todas as nossas escolhas decorrem do enraizamento numa comunidade específica. O nosso próprio Eu é construído em sociedade, pelo que o Véu de Ignorância nos obrigaria a esquecermo-nos não apenas da nossa condição, mas do nosso próprio Eu.
O Véu de Ignorância coloca os indivíduos numa situação anterior a qualquer moral, isto é, obrigando sujeitos individuais a tomar decisões tendo em conta apenas os interesses individuais (e não os da comunidade onde se inserem).
Véu de Ignorância
Situação cognitiva em que se encontram todos os sujeitos na Posição Original: não sabemos qual será a nossa posição social na futura sociedade: sexo, etnia, inteligência, força, profissão estatuto social, riqueza. Isso obriga-nos a avaliar os princípios de justiça de forma imparcial, sem atender à nossa circunstância particular. Portanto, os princípios de justiça são avaliados numa situação de equidade.




Refutação da Regra Maximin
A estratégia maximin defendida por Rawls implica que os sujeitos apenas têm em consideração os seus interesses egoístas e tem em conta conceitos morais. Por exemplo, é relevante saber como a riqueza é produzida, pois pode acontecer que a riqueza seja produzida de forma imoral.



Regra Maximin
“Maximizar o mínimo”
Na posição original e com o véu de ignorância, Rawls acredita que chegaríamos a acordo, optando por princípios que garantissem que, por muito má que fosse a nossa condição social, ela nunca nos privaria de certas liberdades básicas, como as oportunidades de melhorar a nossa condição e a garantia de um rendimento mínimo aceitável.
A regra maximin é uma estratégia de decisão que permite maximizar o mínimo.
Conceitos, argumentos e suas críticas
Rejeição do utilitarismo
Os utilitaristas defendem que devemos maximizar o bem-estar geral. Tal regra permitiria uma sociedade em que a maioria vive muitíssimo bem à custa de trabalho escravo. Ora, Rawls rejeita a escravatura, pois trata-se de uma violação da liberdade individual, colocando em causa a prioridade do Princípio da Liberdade.
Por isso, Rawls considera que os princípios (de justiça, de perfeição ou de utilidade) a escolher para o ordenamento da sociedade devem ser aqueles que todas as partes representadas possam aceitar.
Conceitos, argumentos e suas críticas
Sandel contesta que o Princípio da Liberdade tenha prioridade sobre a Igualdade. Para Sandel  o erro de Rawls consiste em ter uma noção metafísica do Homem – ou seja, tem uma conceção do ser humano que não é real, no sentido em que se encontra desenraizada de tudo aquilo que lhe é anterior, designadamente a sociedade, a comunidade da qual faz parte.
Princípio 1
Princípio da liberdade

“Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para todas as outras”
Os membros da sociedade devem ter todos os mesmos direitos e liberdades. Por “liberdades básicas” Rawls entende coisas como os direitos cívicos (liberdade de opinião, de expressão, de reunião), direitos políticos (direito de voto e de participação na vida pública) e direitos da pessoa (direito à integridade física e psicológica).
Este princípio tem prioridade sobre os restantes, pelo que Rawls é um liberal moderado. Isto significa que cada um tem a liberdade de escolher a sua própria conceção  de bem, desde que compatível com a justiça.

Nota: sendo um libertário, Nozick estaria de acordo com o Princípio da liberdade de Rawls.
Conceitos, argumentos e suas críticas
Princípio 2 A
Princípio da Igualdade de oportunidades
“As desigualdades económicas e sociais devem satisfazer duas condições:
1.                A) Em primeiro lugar, ser a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em igualdade equitativa de oportunidades (…)

As desigualdades não serão aceitáveis se decorrerem das oportunidades que são dadas a uns mas não a outros. Isto é, o Estado deve intervir para garantir que todos tenham as mesmas oportunidades no acesso à saúde, à educação, à cultura, etc. Isto seria uma forma de corrigir a lotaria social, isto é, a sorte de nascer numa família com mais recursos.
Rejeição do princípio da igualdade de oportunidades
Nada existe de errado com a desigualdade social e económica.
Qualquer intervenção do Estado consiste numa violação dos direitos absolutos das pessoas. Tirar a uns para dar a outros sem o consentimento dos primeiros é tratar as pessoas como se não fossem pertença de si próprias, isto é, como meros meios e não fins em si mesmos, violando os seus direitos mais básicos.
Conceitos, argumentos e suas críticas
Aceitação do Princípio da Diferença

O Princípio da diferença obedece a uma lógica comunitarista, pois preconiza a correção das desigualdades introduzidas pela lotaria social e natural. Sandel não critica este princípio, mas sim a prioridade dada ao 1.º princípio, isto é, à prioridade da Liberdade sobre a Igualdade.
Cabe ao Estado promover algumas conceções de Bem em relação a outras, se essas conceções contribuem para o Bem Comum de uma determinada sociedade.

Nota: Sandel não desenvolveu uma teoria completa da justiça alternativa a Rawls. Esse mérito coube a Michael Walzer, que defende a “Igualdade Complexa”, uma teoria que dá ênfase à ideia de comunidade, aceita as desigualdades mas defende que se evitem situações de bens e classes sociais predominantes.
Princípio 2 B
Princípio da diferença
“As desigualdades económicas e sociais devem satisfazer duas condições:
(…)
1.                B) e, em segundo lugar, ser para o maior benefício dos membros menos favorecidos da sociedade.”

Rawls admite que exista uma desigualdade na distribuição da riqueza na condição de essa desigualdade favorecer os mais desfavorecidos. Este favorecimento conduz a uma sociedade mais estável, equitativa e consequentemente mais justa para todos.




Rejeição da redistribuição de riqueza


Redistribuir implica violar a liberdade dos cidadãos.
Os indivíduos têm direito ao que adquirem e que inicialmente não pertence a ninguém (jazidas de petróleo, patente farmacêutica por eles descoberta, etc.). Também têm direito à totalidade das heranças ou doações que recebam ou de quaisquer negócios e contratos que venham a realizar. Assim, se os indivíduos enriquecem de forma justa, o Estado não deve interferir para criar quaisquer padrões de distribuição de riqueza.
Consequentemente, o Estado não deve cobrar impostos para proceder a qualquer distribuição de riqueza, ainda que os impostos sejam necessários para assegurar as suas funções mínimas (defesa, segurança e cumprimento das leis).



Publicado em Maio 19, 2019 por Sérgio Lagoa

in Páginas de Filosofia









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