quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Possibilidade do Conhecimento: o cepticismo



Possibilidade do Conhecimento: o cepticismo




Se, portanto, as coisas que nos afetam por natureza afetam todos do mesmo modo, mas os assim chamados bens não nos afetam todos do mesmo modo, então nada é bom por natureza. Não é possível ser convencido por todas as opiniões apresentadas (...), por causa do conflito, nem por alguma delas. Pois aquele que diz que devemos achar convincente esta e não aquela, tem contra si opostos os argumentos daqueles que sustentam concepções diferentes e se torna parte da disputa. Assim, ele precisará, como os demais, antes ser julgado do que ser juiz dos outros. Uma vez, então, que não há critério ou prova, em razão da disputa indecidível a respeito destes, ele terminará suspendendo o juízo e assim não será capaz de afirmar acerca do que é por natureza bom (...).


Sexto Empírico,

Hipotiposis Pirrônicas III, 192.


Antes de mais....

Acreditamos que o mundo exterior é real e que os nossos amigos existem mesmo - e que. por isso não são sonhos nem alucinações.

Estas crenças são importantes e estão na base de outras.

Mas será que é mesmo verdade que são reais?

Como poderemos justificar essas mesmas crenças?

Será possível o conhecimento?


ESQUEMA


O problema da Possibilidade de conhecimento pretende responder a questões como:

- É possivel conhecer?

- O conhecimento é possivel?

Vamos analisar três respostas:

1. Cepticismo - NÃO

2. Racionalismo: Sim - pela razão.

3. Empirismo: SIM - pela experiencia.


Vamos analisar três respostas a esta problemática filosófica:

1. Cepticismo radical;

2. Racionalismo de René Descartes

3. Empirismo de David Hume.


O cepticismo 

 

1. O que é o cepticismo?

O cepticismo é uma perspectiva filosófica que nega a possibilidade do conhecimento.

«O ceticismo, na sua versão mais extrema, é a ideia de que o conhecimento não é possível (…), pois as crenças das pessoas podem não estar justificadas. 

Álvaro Nunes, “O problema do ceticismo”, Revista Crítica -


2. Qual a origem do cepticismo?

- Não podemos afirmar que uma ideia é verdadeira ou falsa

- Devemos suspender o juízo - não acreditar nem deixar de acreditar.


B. Cepticismo Moderado:

- é regional ou localizado pois duvida da possibilidade do conhecimento em determinadas áreas mas não em outras - um céptico moderado pode duvidar da existência de verdades na Ética e aceitar verdades na Matemática.


Nota: Por vezes, e dada a sua origem, o Cepticismo Radical é, também, designado por Cepticismo Pirrónico.

«Há vários graus de ceticismo. Um cético pode ser simplesmente alguém que nega a possibilidade de conhecimento genuíno (em algumas ou em todas as áreas de investigação). Um cético deste tipo não precisa de criticar a posse de crenças sobre vários assuntos, se a pessoa que as possui não alegar que essas crenças têm o estatuto de conhecimento. Ele próprio pode muito bem ter crenças, incluindo a crença de que não há conhecimento. Não há aqui qualquer inconsistência desde que ele não alegue saber que não há conhecimento. Arcesilau chegou ao ponto de criticar Sócrates por este ter afirmado saber que nada sabia. 
Um cético mais radical, no entanto, pode questionar não só a possibilidade de conhecimento, mas também a legitimidade da crença. Pode recomendar que nos abstenhamos não só do assentimento resoluto característico da certeza, mas também do assentimento precário característico da opinião. Arcesilau parece ter sido um cético deste tipo: sustentou, diz-nos Cícero, que “ninguém deve declarar ou afirmar algo, ou assentir nisso”.»

Anthony Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental – volume 1, Filosofia Antiga, Gradiva, Lisboa, 2010, pág. 192

4. O que nos diz o Cepticismo Radical?

- Não existe conhecimento

- Aquilo a que chamamos conhecimento é uma ilusão

- Crenças falsas não são conhecimento (ainda que as consideremos verdadeiras)

- Se algumas das nossas crenças são verdadeiras podem não estar justificadas - logo, não são conhecimento.

5. Como traduzir a posição dos cépticos (num Argumento) em relação à ((im)possibilidade de conhecer?

Se as nossas crenças não estão justificadas, então não temos conhecimento

As nossas crenças não estão justificadas

Logo, não temos conhecimento.


OU.....


Se há conhecimento, então há justificação. 

Não há justificação. 

Logo, não há conhecimento.


6.Que argumentos apresentam os cepticos?

A. Argumento da regressão infinita

A tentativa de justificar uma crença envolve sempre uma regressao infinita da justificação: cada crença precisa de uma justificação e a justificação de uma nova justificação....ate ao infinito.

B. Argumento dos Enganos sensoriais

Por vezes, somos enganados pelos sentidos e, por isso, o cepticismo radical defende que se esses enganos existem, pode acontecer que sejamos sempre enganados pelos sentidos - e isto compromete a justificação das nossas crenças.

C. Argumento da Divergência de Opiniões.

Se há de facto justificação das nossas crenças, não há divergências relativamente a todos os assuntos. 
Há divergências relativamente a todos os assuntos. 
Logo, não há de facto justificação das nossas crenças.

- A divergência de opiniões (supostamente irremediável) tem levado os cépticos mais radicais a afirmar que o conhecimento humano não passa de uma ilusão e que os seres humanos não sabem nada. 

- De acordo com os cépticos, o facto de haver tais divergências significa que nenhum dos argumentos em causa constitui uma boa justificação da tese defendida.

“Em relação a qualquer assunto, tem surgido não só entre as pessoas comuns, mas também entre os filósofos, um conflito interminável, em virtude do qual somos incapazes tanto de escolher uma coisa como de a rejeitar, acabando assim por suspender o juízo.”

Sexto Empírico, Hipóteses Pirrónicas 


Como prova o cético esta ideia? É possível defendê-la apelando, por exemplo, aos erros e ilusões dos sentidos ou às limitações da memória e da razão. Mas também é possível defendê-la com um argumento mais geral que vise mostrar que nunca podemos justificar as nossas crenças e, portanto, que é sempre possível que estejamos enganados acerca delas.
Para vermos como, pensemos numa qualquer afirmação de cuja verdade julguemos estar absolutamente certos, como, por exemplo, que “A Lua é o único satélite natural da Terra”, ou que “Portugal situa-se na Europa”. A questão crucial é esta: que justificação temos para estarmos certos da sua verdade? Temos de ter uma justificação, claro. Caso contrário essas crenças não constituem conhecimento. Podemos justificar as nossas crenças dizendo, por exemplo, que as aprendemos na escola com os nossos professores de Geografia ou de Ciências da Natureza, que, dada a sua formação, são especialistas no assunto. O que fizemos, deste modo, foi justificar uma crença com outra crença. Mas isto, como é óbvio, levanta uma outra questão: que justificação temos para esta nova crença? Esta crença está, afinal de contas, numa posição similar à primeira. Se essa precisa de uma justificação, porque sem ela não constitui conhecimento, o mesmo se passa com esta. E, evidentemente, se esta não constitui conhecimento, também não pode justificar a primeira. Uma forma de justificar esta segunda crença é, claro, recorrer a uma outra da qual ela possa derivar. É fácil ver, no entanto, que o mesmo problema se colocará em relação a essa nova crença. Também ela precisará de uma justificação. Cada afirmação precisa de uma justificação e a justificação de uma nova justificação, numa regressão sem fim. Desse modo, parece, nem a primeira nem qualquer das outras crenças está justificada.»

Álvaro Nunes, “O problema do ceticismo”, Revista Crítica 


7. Que críticas se podem apresentar ao cepticismo radical?

- o cepticismo radical é contraditório pois ao afirmar que não é possivel conhecer possuem, pelo menos, um conhecimento - o de que não é possivel conhecer.

- Neste sentido, o cepticismo auto refuta-se - "O cepticismo radical afirma que tem conhecimento de que não há conhecimento".


Nota: Tendo em conta que todo o Homem considera ter conhecimento, a posição do cepticismo radical apresenta-se como um desafio - Como poderemos mostrar que temos realmente conhecimento e não uma ilusão do conhecimento.

Isto designa-se por DESAFIO CÉPTICO.


Será que o cepticismo radical tem razão? Será mesmo verdade que não conhecemos nada e que o conhecimento não é possível?


Mas terão os cépticos razão? Vejamos três objecções

1. O argumento da divergência de opiniões (tal como o argumento do erro dos sentidos e o argumento da regressão ao infinito na justificação) pretende justificar a segunda premissa deste segundo Modus Tollens: “Não há justificação”. Ora isso parece envolver uma contradição – se não houvesse justificação então não se poderia justificar a própria ideia de que não justificação.


Esta objecção é uma versão da objecção que acusa o cepticismo radical de se auto-refutar: se fosse verdade que não sabemos nada então não se poderia sequer saber que não sabemos nada.

2. Os cépticos radicais afirmam que há divergências em relação a todos os assuntos: “em relação a qualquer assunto”, diz Sexto Empírico. Mas isso não é verdade. Há diversos contra-exemplos que refutam essa afirmação: muitas ideias da Matemática e da Física são consensuais.

3. Os cépticos radicais sugerem que as divergências de opinião são irremediáveis e insuperáveis: “conflito interminável”, diz Sexto Empírico. Mas isso não é verdade. Há diversos contra-exemplos que refutam essa afirmação. Há assuntos relativamente aos quais já existiu controvérsia e depois deixou de haver. Por exemplo: a causa das marés. E há assuntos que são hoje muitos menos controversos do que já foram. Por exemplo: a igualdade de direitos entre homens e mulheres nas sociedades ocidentais actuais é quase consensual. Por isso, as divergências de opinião não são insuperáveis.

Estas objecções serão mais fortes que o argumento céptico da divergência de opiniões?

In Blog Duvida Metodica




Exercícios

A. Responda às seguintes questões:

1. Porque poderemos afirmar que o cepticismo radical é contraditório?

Há uma contradição clara entre afirmar que o conhecimento não é possível e saber que isto é verdade - afirmar que nada se sabe é ter conhecimento disso mesmo.

2. Entende ser possível estender o cepticismo radical ao quotidiano? Justifique.

Não é possível na medida em que se o cepticismo radical afirma não haver conhecimento mas sim ilusão, este facto levar-nos ía a um estado de insegurança, instabilidade, duvida permanente e até mesmo à incerteza da nossa existência. Qual a sociedade que poderia viver assente num cepticismo radical?


B. Apresente a opção correcta:

1.O ceticismo é a teoria segundo a qual:

A – Nunca podemos justificar as nossas crenças, mesmo que possam ser verdadeiras.

B – Uma dada crença pode ser justificada mediante uma cadeia infinita de crenças.

C – Podemos justificar as nossas crenças, desde que encontremos uma crença verdadeira que se autojustifique.

D – Nenhuma crença precisa de justificação.


2. Na religião não existe conhecimento, mas sim opiniões.

É preciso ser um céptico radical para defender esta tese? Porquê?

Não. Pode, efectivamente, ser uma afirmação de um ceptico moderado na medida em que o cepticismo moderado, ao contrário do ceptismo radical, aceita verdades em determinadas áreas do saber mas não em outras.

3. A justificação da crença A é a crença B e a justificação desta é a crença C....e assim sucessivamente.

Qual a dificuldade que, segundo o cepticismo, se levanta?

Para o cepticismo radical isso produz uma regressão infinita da justificação pois vamos justificando uma crença com outra crença num processo interminável. Este é um dos argumentos dos cépticos radicais para negarem a possibilidade do conhecimento.

4. Exemplifique dois enganos sensoriais.

- O movimento da terra.

- A cor da água do mar.

- O falso movimento de uma paisagem, quando viajamos.


5. Porque se pode afirmar que o cepticismo radical se auto-refuta?

Sendo contraditório afirma  ter conhecimento de que não existe conhecimento. O céptico radical  acaba  por derrotar-se a si próprio com esta posição.






LOLA


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