Objectividade: o que é?
O que é a objectividade, afinal de contas?
Um autor
importante nesta área é Stephen Gaukroger, e o seu livro Objectivity: A Very Short Introduction é
bastante esclarecedor. Sem seguir a sua classificação exaustivamente, vale a
pena destacar alguns sentidos do conceito de objectividade, para ver qual deles
é mais relevante no debate sobre os valores.
Primeiro, temos a ideia de que um juízo é objectivo quando é um juízo de facto,
isento de valores. Há muitas vezes a ideia de que as ciências da natureza são
objectivas neste sentido. Esta é uma ideia algo ingénua do que dá objectividade
às ciências da natureza, e muitos filósofos não a aceitam (como é o caso
de Thomas Nagel,
outro filósofo cujas reflexões sobre a objectividade são importantes). Se a
objectividade fosse isto, todo o juízo de facto isento de valores seria
objectivo, mas isto é falso; e todo o juízo de valor seria trivialmente não-objectivo,
o que quereria dizer que a discussão sobre a objectividade dos valores seria
tola. Conclusão: não é este sentido de objectividade que nos interessa.
Um segundo sentido de objectividade relaciona-o com a verificabilidade. Neste
caso trata-se de uma condição necessária da objectividade: se um juízo for
objectivo, há um procedimento que verifica o seu valor de verdade. Uma vez
mais, as ciências da natureza são aqui um modelo de objectividade, quando temos
ideias verificacionistas ou falsificacionistas. A dificuldade deste sentido de
objectividade é que muitos juízos que nos parecem objectivos não são
verificáveis nem falsificáveis, como acontece com quase todos os juízos
filosóficos, mas também os juízos da história e de muitas outras áreas. Qualquer
concepção de objectividade que ponha no mesmo saco um juízo subjectivo feito à
toa sobre a salada de agriões ser mais saborosa do que a salada de alface e a
nossa melhor história, filosofia e outras áreas, parte de uma posição
muitíssimo insatisfatória. No contexto da discussão sobre os valores, este
sentido de objectividade é ligeiramente melhor do que o anterior, pois não é
trivial que não se possa verificar ou falsificar alguns juízos de valor.
Contudo, este conceito é ainda insatisfatório, pelas razões apontadas.
Um terceiro sentido de objectividade está relacionado com o segundo, mas
elimina as dificuldades do verificacionismo e do falsificacionismo, entendendo
a objectividade em termos de representação precisa da realidade. Por exemplo,
quando fazemos um mapa de Portugal, este terá de ser uma representação precisa,
para ser objectivo. Isto elimina as dificuldades do verificacionismo e do
falsificacionismo à custa de não nos dizer quando uma representação é mais ou
menos precisa, e eximindo-se de explicar o que se entende por
"realidade". Por exemplo, a matemática é um modelo de objectividade,
certamente. Contudo, é uma representação da realidade? Que realidade? E como
sabemos se é uma representação precisa? No contexto da discussão sobre valores,
há filósofos que defendem a sua objectividade, mas rejeitam o realismo,
entendido como factualismo (é o caso de Thomas Nagel), e por isso esta
concepção não é muito feliz.
Um quarto sentido é o que usámos no nosso manual, e escapa a todas estas
dificuldades, apesar de estar longe de ser pacífico. É a ideia simples de que
um juízo é objectivo quando é imparcial, quando não é tendencioso. E isto é tão
simples, que decidimos incluir a noção sem discussão e sem passar pelas outras
concepções.
Para minha surpresa, descobri que muitos autores de manuais têm uma concepção
popular e irreflectida de objectividade, diferente das quatro apresentadas e
tão implausível que não costuma sequer ser considerada neste debate. É a ideia
de que a objectividade diz respeito ao objecto, sendo que a subjectividade diz
respeito aos sujeitos.
Para ver a confusão, imagine-se este diálogo entre um
médico e o seu paciente:
— Doutor, estou com uma terrível dor nas costas.
— Não posso fazer nada, infelizmente.
— Como não? Então você não é médico?
— Sou, mas você não concorda que a medicina é uma ciência objectiva? Ou pensa
que isto é subjectivo?
— Claro que é objectiva, é uma ciência, sim, e depois?
— Ora, a sua dor nas costas é sua, diz respeito a si, que é um sujeito, logo é
subjectiva e logo a medicina, por ser objectiva, nada tem a dizer sobre isso.
Vá antes ao curandeiro!
Como é óbvio, há algo de errado aqui. Dizer respeito ao sujeito não é em si
sinal de subjectividade; nem sequer ser relativo ao sujeito, para ser mais
preciso. Pois muitos juízos perfeitamente objectivos são relativos aos
sujeitos, como ter um certo peso ou ter duas pernas ou ter uma irmã.
Em conclusão, podemos e devemos poupar aos estudantes complexidades que poderão
confundi-los e afastá-los do debate principal. Mas nós, professores e autores
de manuais, temos de ter ideias muito claras sobre os conceitos fundamentais
que estão em causa na discussão. E ainda que não apresentemos uma discussão
desses conceitos, devemos apresentar aos alunos, com clareza e simplicidade, pelo
menos uma noção que seja ao mesmo tempo relevante para a discussão e
filosoficamente rigorosa.
Desidério Murcho
Lola
Sem comentários:
Enviar um comentário